O Espartano IV - Armas e gritos de guerra

Vanpalion tinha um coração frio. Por mais que se sujasse de sangue, por mais que gritasse em uma batalha, acompanhando seus irmãos de Esparta, ainda havia um gelo dentro dele. Seu escudo se defendia mecanicamente dos ataques, sem ira, sem raiva, sem medo, sem sentimento que não fosse o mero orgulho de ser espartano. Em volta, tebanos e beócios se matavam, com sangue grego escorrendo sob os pés, grudando-se entre os dedos, fazendo os menos treinados escorregarem.

Havia poças vermelhas sob os pés de Vanpalion, mas a maioria não fora ele quem provocara. Seu trabalho era impedir que o coração daquele demônio abençoado por Ares, amaldiçoado por Atena, esquecido por Apolo e amado por Hades e Perséfone não parasse de bater. Ele deveria continuar sua afronta contra as divindades que o desprezavam e seu louvor para aquelas que o amavam como um filho legítimo. Vanpalion observava Kalas, rodopiar a espada e os corpos caírem.

Os gritos daquele espartano violento, tão calculados quanto os golpes, atiçavam o coração dos beócios. A energia de cada vida roubada passava para os aliados gregos. Cada golpe era um incentivo à matança e ao orgulho grego, principalmente contra aqueles traidores.

- Matem-nos! – gritou alguém logo atrás. Era Clíon, organizando os beócios. – Abram essas fileiras.

Vanpalion notou que os aliados dos espartanos já estavam colocando em fuga os tebanos daquela ala. Percebeu isso e começou a abrir caminho para Kalas. Enfiou sua lança no pescoço de um tebano e o derrubou sob os pés do companheiro. Forçou o escudo para frente, fazendo os hoplitas traidores das fileiras posteriores se virarem para perceberem a ameaça que vinha da sua direita. Bem treinados, eles criaram uma nova parede de escudos. Agora formavam um L.

A fileira coordenada por Parseides não conseguia avançar. O líder espartano, juntamente com Cleomedes ainda forçava o combate, porém havia uma alma naquele meio que inspirava todos os defensores. O Maldito insuflava ânimo nos tebanos. As fileiras pressionadas por Kalas, Clíon, Vanpalion e os beócios foram derrubadas até serem paradas por hoplitas mais próximos de Lefteris. Aquele homem era abençoado por tudo o que pretendia destruir a Grécia.

- Matem os traidores! – gritou Kalas. – Tragam o sangue deles para calar o gemido angustiado da nossa terra! Tragam o sangue deles para tingirmos nossas capas de vermelho!

Ele saltou sobre um tebano e enfiou a espada em seu queixo. A lâmina cravou-se no céu da boca. O homem caiu com a arma presa. Kalas a soltou e deu um passo para trás. Lá estava Vanpalion para lhe entregar sua espada. Acabara de deixar a lança fincada no peito de um tebano para deixar uma mão livre para passar a arma para o companheiro.

- Matem os tebanos! – gritou Kalas.

Clíon parou ao lado do filho de Ares. O ódio dele era contagiante. O coração batia mais forte ao vê-lo matando e gritando.

- Beócios, circulem! – gritou Clíon, erguendo o escudo e fazendo sinal com a lança. Agora cercariam os inimigos.

Vanpalion observou a estratégia. Daria certo. Parseides estava distraindo os hoplitas junto a Lefteris. Aqueles eram os mais perigosos. Qualquer um que estivesse junto ao Maldito se tornava perigoso, pois aquele homem trazia o sangue de titãs que queriam vingança contra os deuses. Ele era trevas para englobar os raios iluminados de Zeus, mas também era luz para brilhar e arruinar os domínios de Hades. Vanpalion tinha a missão a matá-lo, qualquer que fosse o modo. Ele o faria se ninguém tomasse a iniciativa antes.

O espartano de coração de gelo tentou forçar a passagem naquela nova fileira que se formava. Alguns tebanos já fugiam em disparada, mas a maioria ainda estava mantendo-se firme. Vanpalion ficou curioso para saber como os coríntios estavam se saindo contra os persas, entretanto fora ordenado a matar tebanos e seus olhos não se desviariam deles enquanto não estivessem todos mortos. Fuga não bastaria. A ordem era matar, não apenas vencer.

- Tebanos, Zeus abençoa suas lanças! Tebanos, rompam a carne de seus inimigos! Tebanos, levem a paz eterna ao coração desses pobres coitados!

Vanpalion ouviu muito bem aquelas palavras. Clíon não podia acreditar no poder daquela voz que entrava nos corações dos homens de Tebas. Kalas estava ocupado demais matando para se preocupar com aquelas bobagens ditas por um louco.

- Guardem as fileiras! – gritou Clíon. – Guardem as fileiras!

Vanpalion notou que ele estava recuando. Um beócio ocupou seu lugar. Clíon abriu caminho nas fileiras posteriores e começou a caminhar até os outros beócios que deveriam fechar o caminho dos tebanos. Algo estava acontecendo. Os espartanos não estavam tão certos da vitória.