O Escritor do Destino

Ninguém pode mudar o seu destino, pois este já está traçado antes mesmo de nascermos- Assim eu ouvi dizer. Também conheci pessoas que diziam o contrário. Pessoas que acreditam que somente aqueles de caráter e força de vontade são capazes de tomar as rédeas de seu próprio destino. Mas e se eu lhes contasse a verdade? Acreditariam no que eu tenho para lhes dizer? Pois bem. Vou lhes contar sobre uma parte da minha infância em que experimentei a pós-morte. O que vou dizer vai além do Paraíso e do Inferno, algo inimaginável e que até hoje me questiono se foi real ou apenas um delírio.

Capítulo 1 - O acidente

Tudo começou quando eu tinha 12 anos. Era uma criança feliz, e gostava de brincar com meus amigos de jogar bola, queimado, pique-pega entre outros. Também gostava de ler, um hábito adquirido com a minha mãe, uma escritora famosa. A cada semana ela me dava um novo livro para eu ler e isso me alegrava. Passar o tempo com os meus amigos também era bom, sempre nos divertíamos e riamos um bocado. Para uma criança de 12 anos, minha vida era perfeita, não havia nada de errado com ela… Até o dia em que eu sofri um acidente. Desde aquilo, tudo mudou.

Eu fui atropelado por um motorista alcoólatra quando corri até a rua para pegar a bola do jogo. Tudo que me lembro era de olhar para o lado e ver aquele monstro de ferro vindo em toda velocidade em minha direção. Eu tinha me agachado para pegar a bola e nisso o pára-choque do carro me acertou em cheio na cabeça me deixando inconsciente no mesmo instante, e enquanto isso o motorista passou com o resto do carro por cima de mim.

Capítulo 2 - Além da morte

Depois do carro eu me lembro que tudo ficou escuro. Lembranças começaram a passar em frente aos meus olhos. Embora fossem boas eu sabia que aquilo só podia significar somente uma coisa: que eu iria morrer. Ou, talvez já estivesse morto. Enquanto eu revivia minhas curtas lembranças, ficava cada vez mais difícil de aceitar minha morte. Foi então que em um grito de desespero eu procurei forças para poder acordar, dizendo para mim mesmo que tudo aquilo era só um pesadelo. Eu fugi de minhas lembranças, corri o mais rápido que pude para longe do fim. Minha vida não terminaria daquele jeito, era inaceitável saber que minha juventude seria tirada pelas mãos de um adulto que desperdiçou a sua. Foi então que uma porta surgiu logo adiante. Eu corri em sua direção, girei a maçaneta e entrei sem hesitar.

Quando abri meus olhos eu estava estirado no chão. Eu podia respirar, significava que eu não morri. Mas aquele lugar… Não era minha rua. Eu estava em um corredor, cercado de duas enormes e longas estantes repletas de livros e mais livros. Na verdade, assim que olhei para cima, percebi que não eram estantes comuns, pois sua altura alcançava um nível em que meus olhos perdiam de vista o seu topo. Parecia que eu estava perdido em algum tipo de biblioteca esquisita. Decidi procurar por ajuda, mas quanto mais eu andava, mais eu me perdia. Não havia paredes, somente cada vez mais e mais corredores formados por estantes com mais livros. Parecia um labirinto. Meus pés começaram a cansar e então eu parei para descansar um pouco. Decidi olhar pelos livros, ver do que se tratavam. Eram livros enormes e pesados, deviam ter milhares de páginas. Vendo os títulos dos livros percebi algo curioso: cada um deles tinha o nome de uma pessoa encravado em sua capa. Nada de “Era uma vez…” ou “As fantásticas aventuras de…”; pareciam diários. Resolvi abrir um para ler, e logo desisti ao ver que somente o índice ocupava cerca de 100 páginas. Peguei outro, um bem pequeno dessa vez. Quando abri, só tinha apenas duas páginas onde uma era a contracapa e a outra somente vinha escrito: “Nasceu e morreu”. Não compreendi direito o que aquilo significava. Resolvi pegar um não tão pequeno como o anterior. Estava escrito “John Claine McVonagal”, porém este estava lacrado; havia uma fechadura. Desisti desse também e peguei o próximo que veio em minhas mãos. Este vinha com o nome “Fung Wong Zhao”, devia ser um japonês ou chinês. Ao abrir o seu livro estava tudo escrito em outra língua. Eu não sabia dizer se era mandarim, japonês, koreano ou algo do tipo. Folheei algumas páginas e já logo ia desistir daquele livro também até que de repente diante dos meus olhos as letras começaram a se mexer. Os ideogramas, os símbolos começaram a se embaralhar, desmembrar, se fundindo, tomando uma nova forma. Quando olhei outra vez, já perplexo, as páginas haviam sido traduzidas para meu idioma. Eu conseguia compreender tudo.

Capítulo 3 - Em busca do livro de Wong

Nada daquilo parecia me espantar. Pelo contrário, fiquei fascinado. O livro que eu lia contava a história do japonês Fung Wong, que aos 23 anos, nos anos 60, imigrou para os EUA à procura de uma vida melhor em São Francisco. Era incrível como uma pessoa podia ter histórias tão interessantes por mais simples que fossem. Na época ele trabalhou em uma lanchonete, sofreu preconceito devido a xenofobia, se apaixonou por uma americana e passou por maus bocados devido a família da moça. Sua vida conturbada, cheia de amizades falsas e a triste morte de seu amor, o levou à cadeia por ser acusado do assassinato de sua amada, um crime que ele não cometeu. Ainda assim, depois de 8 anos preso, foi capaz de se reerguer e com a ajuda de uma imigrante japonesa, encontrar uma parceira para vida toda, até sua velhice. Quando virei a página, estava em branco. Não havia mais nada escrito. Quando fechei o livro, foi que pude perceber que li mais de mil páginas. E o tempo que passei dedicado a leitura pareceu tão curto, nada mais do que cerca de 1 ou 2 horas. Mas eu não tinha como provar isso, já que a estranha biblioteca não parecia ter qualquer tipo de relógio. De repente o livro escapou de minhas mãos, levitando no ar. Ele então começou a flutuar por entre os corredores. Eu começei então minha busca para capturar o livro. Persegui-o por vários corredores, sem deixar por um instante que eu o perdesse de vista. Teve um momento em que ele parou, e quando pensei que iria alcançá-lo, ele começou a flutuar mais alto ainda. Foi quando vi uma escada, daqueles tipos em que tem nas bibliotecas, com rodinhas laterais para que possa deslizar por entre as fileiras das estantes. Eu a escalei o mais rápido que eu podia, sem tirar meus olhos do livro que continuava a subir no ar. Havia uma luz no final, eu deveria estar próximo do topo da estante. Quanto ao livro, parou mais uma vez no ar, e com um impulso, voou para longe. Ao chegar no final das escadas, eu subi em cima da estante e pude perceber, perplexo, o tamanho real do lugar em que eu estava. Eram de fato, labirintos e mais labirintos, dos quais a vista sumia no horizonte. Não havia teto. Ao olhar para cima somente havia escuridão, e mais nada. A única luz que havia era a que vinha dos lampiões presos as estantes de cada corredor. Sua luz era realmente bastante forte a ponto de extinguir qualquer sombra. Porém, havia uma luz no labirinto, que era mais forte do que qualquer outra. Ela vinha do epicentro, um ponto, não muito distante de onde eu estava, onde os labirintos se encontravam. E era pra lá que o livro de Fung Wong foi. Não só ele, mas havia vários outros livros voando naquela direção. Então, eu comecei a andar por cima das estantes, tomando máximo de cuidado para não cair para os lados. Dessa maneira, pude cortar um bom caminho, sem correr o risco de me perder pelo labirinto.

Capítulo 4 - No centro do labirinto

Andando pelas estantes, só precisava alcançar uma para conseguir chegar até o epicentro do labirinto. Meu único obstáculo era que essa estante não estava interligada com a qual eu estava. Olhei para baixo para ver qual era a altura, e em um momento de delírio vi o chão se distanciar cada vez mais. Eu não iria conseguir. Mas eu precisava reaver o livro de Wong. Também não havia como eu tomar impulso para um salto longo, já que eu estava em cima de uma estante, que é significativamente um pouco estreita.

Porém, havia uma parte em que as duas estantes pareciam estar bem próximas. E foi nesse ponto em que decidi que iria tentar pular. Comecei a correr reto ao longo da estante e quando chegou o exato momento, eu virei e pulei num sentido diagonal. Não consegui alcançar o topo. Eu cai. Mas com sorte me agarrei a um livro que serviu de apoio para mim. Como uma montanha, comecei a escalar a prateleira, usando os livros como suporte para subir. Eu tinha conseguido. Cheguei ao topo e corri ao longo da estante que iria me levar direto a luz misteriosa. Quando me aproximei, ouvi uma voz. Decidi agachar e ir me arrastando até chegar à beirada para ver melhor. A luz vinha das chamas de uma grande pira. O chão do enorme saguão redondo era formado por azulejos de uma cor azul escuro. Nele havia alguns desenhos, pareciam figuras históricas, heróis e monstros de outrora. No centro havia um balcão grande, escondido pelas pilhas de livros que estavam ao seu redor, mais aqueles que vinham voando e caiam um em cima do outro. Em cima dele, além dos livros, havia uma grande ampulheta dourada. Envolta do balcão havia 9 círculos e em cada linha desses 9 círculos, havia um planeta do nosso sistema solar. Olhando mais atentamente, pude perceber que os planetas se mexiam lentamente pelo chão. E no piso azul, constantemente apareciam estrelas, nébulas e galáxias distantes que poderiam ser facilmente comparada às manchas de sujeira ou tinta seca. Era incrível! Foi então que vi que havia alguém no balcão, ocultado pelos livros. Eu não conseguia ver o seu rosto, apenas sua mão segurando uma pena, que estava usando para escrever os livros. Quando me levantei para tentar ver o rosto da figura misteriosa, um livro voador me acertou bem na nuca e inconsciente eu cai do alto da estante.

Capítulo 5 - O velho

Quando acordei estava em cima de uma pilha de livros que amorteceram um pouco a minha queda. Mas livros não são como almofadas, portanto não foi nada confortável cair em cima deles. Levantei-me um pouco machucado e perdido, quando ouvi uma voz alta que vinha do balcão: “Venha aqui!”. Ao me aproximar, o que vi foi um senhor de idade de cabelos grandes e grisalhos e uma longa barba branca. Ele era magrelo, tinha uma pele muito branca e seus olhos eram vermelhos da cor do fogo. Os óculos que usava tinham algo de diferente neles mas eu não podia dizer com certeza o que era naquele momento.

— VOCÊ!- exclamou ele para mim enquanto escrevia em seus livros, sem parar— Você, garoto, como chegou aqui?

— não sei…— respondi em um tom baixo;

— O QUÊ VOCÊ DISSE?— gritou o velho;

— EU NÃO SEI!- gritei bem alto achando que talvez ele fosse surdo;

— não sabe o quê?!— ele retrucou

“ótimo, o velho é gagá” eu pensei. Tinha que responder tudo detalhadamente

— EU, NÃO SEI, COMO, VIM, PA…

— AAaah, não precisa gritar, eu não sou surdo— interrompeu ele.

Eu começava a perder a paciência com o velhote. Ele então parou de escrever um dos seus livros e decidiu olhar para mim.

— Hum, você é a primeira visita que tenho há milênios, talvez a única, não lembro direito— comentou ele.— Você se lembra onde estava antes de chegar aqui?

— Eu estava jogando bola com uns amigos e quando fui pegá-la no meio da rua, eu me lembro só de um carro vindo com tudo pra cima de mim.

— Você se lembra de ter visto sua vida passar diante os seus olhos e coisas do tipo?

— Sim, eu tentei fechar os olhos e fugir daquelas visões e…

— ESPERA!— exclamou o velho.— Você…deveria estar morto— disse ele surpreso;

— Eu… Não estou?— perguntei tentando esconder meu sorriso de alegria;

— Bom… Veja bem, você não está morto, nem vivo— disse o velho enquanto fazia gestos com as mãos;

— Então eu sou um fantasma?

— Não!

— Um zumbi?

— Não exagera garoto. Acho que sei o quê exatamente aconteceu com você.

O velho então ergueu sua mão na direção de um dos corredores, e de longe um livro veio voando direto para sua mão. Ele o abriu e em menos de 5 segundos o leu inteirinho. Ele ficou parado num estado de reflexão por alguns segundos.— RÁÁÁ!!!— gritou ele.— Já sei o que aconteceu.

Eu fiquei olhando para ele, esperando ele me dizer o que havia acontecido, e ele ficou olhando para mim com uma expressão de alegria, como quando você descobre algo.

— Pois bem. Vou voltar ao meu trabalho.— disse ele, enquanto já ia pegando sua pena e puxando mais alguns livros para escrever;

— Espere, eu quero saber o quê aconteceu, como vim parar aqui.

— Ahh, então você também quer saber? Achei que fosse só eu.

O velho respirou fundo e começou a me explicar claramente como eu não poderia estar vivo, nem morto.

Capítulo 6 - Sobre o destino

“Quando sua vida chega ao fim, as pessoas vão parar no famoso corredor escuro onde tem a luz no fim do túnel; porém, Você, por outro lado, não chegou nem mesmo no corredor. Sua força de vontade e sua negação pela morte foram tão fortes que você conseguiu atravessar a parede do ‘túnel’. Em outras palavras, você conseguiu fugir do seu destino, que era, acredito eu, morrer atropelado. Mas agora, sua história foi corrompida, o que significa que sua vida não pode prosseguir desse ponto em diante. Então seu espírito foi mandado para cá, para resolver esse problema, enquanto seu corpo permanece no lugar de onde você veio.”

— E que lugar é este?— perguntei incrédulo;

— Librarium, a biblioteca do destino.

— biblioteca do destino?!

— Sim! Como você já deve ter notado, todos os livros que estão nessas estantes e prateleiras são de pessoas reais. Não só pessoas como também animais e qualquer outro ser com vida. Tudo aquilo que tem vida, tem um destino traçado. E eu, sou seu criador. Sou eu quem cria e decide o caminho que os seres vivos do seu plano astral irão seguir.

— … Plano astral?!

— Sim, o cosmo.

— … Ééé… — eu não estava entendendo o que aquilo significava;

O velho murmurou e explicou em um tom ignorante:

— Sua galáxia, seu planeta.

— Ahh. Então… Isso significa que você é Deus?

— Deus?!— perguntou o velho sarcasticamente, enquanto se punha a dar altas risadas— só se eu fosse um unicórnio.

Havia momentos em que eu não conseguia entender o humor daquele velho. Depois de rir ele me deu um conselho que até hoje se tornou muito útil para mim:

— Escute garoto, nunca deixe suas crenças tomarem conta de você. Na maioria das vezes, elas podem te cegar.

— Mas então… Quem é você?

— Não está vendo?! Eu sou um escritor oras

— Você não tem nome?

— Claro que eu tenho, meu nome é…

O velho então travou antes de terminar a frase. Ele ficou parado, falando sozinho, tentando buscar em seus pensamentos o seu nome. Até que percebeu que não sabia mais o seu nome

— Como você pode esquecer o seu nome?— perguntei indignado;

— Bom… Tantos anos sozinho, sem ninguém para conversar e somente escrevendo nomes e mais nomes, eu simplesmente acabei esquecendo o meu.

— Deve ser chato não saber quem você é

— É… Mas isso não importa, você está aqui para resolver um problema, e eu sou o único que pode te ajudar.

— Ah, sim, sim! O que eu faço?

— Só precisa me dizer seu nome para que eu possa achar o seu livro e trazê-lo até aqui.

— Claro, meu nome é…

— é…?

De repente eu havia esquecido meu nome também. Não sei como foi possível, mas uma pergunta tão simples se tornou algo muito difícil. Um branco tomou minha mente por completo e eu não sabia mais quem eu era. Eu me esforcei, e quanto mais me esforçava com mais raiva ia ficando até chegar ao ponto de gritar

— DROGA! Não é possível, não é possível… Eu esqueci o meu NOME!!!

— Ora, ora… Quem é que não consegue se lembrar do nome agora?!— Disse o velho, em um tom sarcástico;

— Pode não parecer, mas apenas alguns segundos aqui equivalem há anos. E isso só acontece graças à minha ampulheta.

— O que tem sua ampulheta de tão especial?

— especial?! Nada! O que ela tem de especial é o que está dentro dela. As areias do tempo.

Eu me lembro que aquela ampulheta dourada realmente me chamava muito a atenção pela sua beleza, ainda mais as areias que corriam dentro dela, brilhavam como se fossem pequenas grãos de ouro. Naquele momento eu nunca havia me questionado sobre as areias do tempo, nem das utilidades que elas tinham para o velho. Eu só descobri com o tempo que elas, assim como tudo naquele lugar, eram o que mantêm o destino em perfeita ordem e harmonia.

Foram necessários apenas alguns segundos para que eu esquecesse o meu nome, e com isso, me condenar para sempre a permanecer naquele lugar estranho com aquele velho irritante. Eu me lembro que tive grandes aventuras enquanto estive lá. Talvez eu não teria passado por tanto trabalho se eu não tivesse cometido o erro que cometi ao acidentalmente destruir o guardião.

Capítulo 7 - Sobre o bem e o mal

Durante minha incessante discussão com o velho, questionei sua “imensa sabedoria”, da qual ele era incapaz de saber o meu nome, uma das suas criações, e o fato de não conseguir achar uma solução para o meu problema. A última coisa que ele me disse foi que eu teria que ficar lá por um tempo indeterminado e após isso ele simplesmente passou a me ignorar e retornou à sua rotina. E quanto a mim, fiquei lendo os livros que encontrava ali por perto.

Às vezes, enquanto eu lia, eu prestava atenção no velho. Sua agilidade era incrível e espantosa. De um lado do balcão ficavam livros em branco, dos quais ele criava novas histórias, ou vidas se assim preferirem. Do outro lado do balcão ficavam os livros nos quais ele fazia pequenas modificações, ou acrescentava algo a mais. E em cima do balcão ficavam os livros dos quais a história havia chegado ao fim. Em apenas 1 minuto ele conseguia escrever um livro todo! Sua mão com a pena era tão veloz que aos meus olhos mal pudia ver ela se movimentar. Ele parecia bem precavido também. As novas histórias teriam início apenas em milhões de anos. Creio que assim ele tinha tempo suficiente para escrever mais e mais histórias. Quando terminava, ele enviava os livros para seus respectivos lugares. Acredito que ele tinha poderes telecinéticos, porém não tinha certeza, pois a habilidade de levitar objetos parecia funcionar apenas com os livros.

Após ler uns 20 livros, me deparei novamente com um que estava trancado por uma fechadura, igual ao que tinha encontrado anteriormente no labirinto, só que dessa vez tentei de tudo para abrí-lo. Joguei-o no chão, pulei em cima dele, e enfim… Todos meus esforços haviam sido inúteis. Esses tipos de livros tinham fechaduras, por onde havia a abertura para uma chave. Eu podia jurar que o velho teria as chaves, mas enquanto ele me ignorasse eu também o ignoraria. Até que de repente o velho me dirigiu a palavra, enquanto ainda escrevia seus livros

— Você nunca vai conseguir abrí-los dessa maneira. É inútil tentar.

Como ele havia dirigido a palavra a mim, decidi matar minha curiosidade já que passaria talvez a eternidade naquele lugar

— Você tem as chaves? Dos livros?

O velho olhou para mim, enquanto sua mão direita, sozinha, continuava a escrever o livro. Ele sorriu cinicamente e me disse:

— As chaves estão com você.

— Mas eu não tenho chave alguma

— Eu não teria tanta certeza se fosse você- Disse ele; e assim voltou ao seu trabalho.

Eu realmente detestava quando ele respondia minhas perguntas com metáforas. Era quase a mesma coisa como não dizer nada, e o pior de tudo, é que eu ficava com mais raiva por não saber que chaves eram essas que eu tinha e que não estavam em lugar nenhum.

Com certeza havia muitas coisas das quais eu não sabia sobre aquele lugar misterioso e enigmático. Lendo os livros, a vida de várias pessoas diferentes, eu comecei a perceber o quanto sofrimento havia em suas histórias. Morte, perda, tortura, agonia, solidão, guerra, traição, miséria… Alguns livros eram muito tristes e depressivos. Foi então que vi nas mãos do velho o livro de Wong. Antes que ele pudesse enviá-lo de volta para o seu lugar nas estantes, eu pedi para que eu pudesse ler o fim de sua história.

Quando terminei de ler, eu não pude conter a minha raiva. Decidi que estava na hora de tirar satisfações com o velho e tentar entender quais eram suas verdadeiras intenções ou propósitos ao escrever os livros.

— Por que você faz isso?

— Seja mais específico garoto. Eu sou um escritor, não um adivinho

— Estou me referindo à suas histórias, as guerras, a miséria, a dor, tudo!!!

Ele ficou calado. Parecia que não queria me dizer. Então continuei a confrotá-lo

— Por que você fez isso com Wong? Ele já tinha sofrido o bastante em sua vida, e mesmo assim, você fez com que seu próprio filho o abandonasse e com que ele fosse assassinado por uma gangue, deixando sua esposa sozinha.

Ele continuou em silêncio.

— Me diga porquê você escreve sobre o sofrimento, as guerras, a miséria, a morte e a maldade… POR QUÊ? Eu merecia morrer também? Me responda!!!

Ele então parou de escrever. E me disse numa voz serena:

— Porque é assim que a vida é.

— Não, não é assim que ela é, isso tudo é errado e…

— Você julga o quê é certo e errado, sem nem mesmo saber ou entender o verdadeiro e profundo significado sobre a vida. Escute…

Ele esperou que eu me acalmasse e me aquietasse para poder explicar o significado de seu trabalho e de tudo que havia de ruim nas coisas que escrevia.

— A vida é muito mais do que simplesmente viver. Todos nós temos um propósito, só não sabemos qual é. Você questiona a morte, a dor, a tristeza. Pois saiba que elas são muito maiores que a vida. Estão todas interligadas entre si. E nunca, ninguém morrerá em vão. O bem e o mal são os dois lados da mesma moeda. Enquanto um existir o outro também existirá. Esse é o equilíbrio perfeito.— O velho então pegou um livro com o nome de “Alissa” e me entregou— vou te ensinar uma lição bastante simples. Se você procurar pela guerra, pelo ódio, a morte e o sofrimento, você os encontrará. Mas se procurar pela paz, a bondade, a esperança, e o amor… Então você também os encontrará.

— E quanto a minha morte? Qual foi o meu propósito?

— Não sou eu quem decide quem irá morrer ou viver. Outros seres são encarregados dessa função, eu apenas escrevo o que precisa ser escrito. Afinal de contas, eu sou apenas um escritor, e esse é o meu propósito; criar histórias.

“Que livro seria aquele que ele me deu?” eu pensei; talvez tivesse algo haver com o que ele tinha me dito. Embora, eu ainda não tivesse aceitado completamente sua vaga explicação para todas as maldades no mundo, eu resolvi relaxar e ler o livro.

Diferente dos outros, aquele livro me mostrou algo de novo. Uma história sobre uma garota que sofreu muito até encontrar um garoto estranho, e ambos perceberem que eram feitos um para o outro e blá,blá,blá. Realmente algo romântico, mas não consegui ler até o final. Era muito entediante, o tipo de livro que serviria só para garotas.

Quando fui devolvê-lo ao velho, ele me perguntou:

— Ué… Já terminou de ler?

— Não… Esse livro só é chato

O velho então começou a rir

— Percebe agora o que eu quis dizer?

— O quê?

— Você ficou cheio de raiva por causa da morte, das guerras e tudo mais. Mas você leu as histórias até o fim. Enquanto esse livro que trata do amor real, você ignora. Percebe o quanto ridículo você é?

— Eu… Bem.. - Simplesmente não sabia o que dizer naquele momento. Foi muito embaraçoso;

— A morte, a guerra, o medo, são bem mais fascinantes, não é?! E pensar que sem o amor, não haveria o ódio, e sem o ódio não haveria guerras. Percebe o quanto irônico eu sou?

— Pra mim você parece maluco

— Loucura foi que eu ganhei por passar uma eternidade nesse lugar

— Quer saber… Não sei por quê fui discutir com você, foi uma total perda de tempo.

— Você parece até o meu ajudante falando assim…

O velho de repente parou, e começou a pensar em algo repetindo várias vezes a palavra “ajudante”

— É ISSO! Meu ajudante pode te ajudar a achar o seu livro!!!

— Quem é esse ajudante? Onde eu o encontro?

— Ele sempre me ajuda quando preciso dele, é muito útil. Talvez ele saiba como achar o seu livro.

— Sim mas, como vamos achar ele? Onde ele está?

— Ah claro… Se bem me lembro, ele deve estar na ala C

— Mas isso aqui é um labirinto, como vou encontrá-lo na ala C?

- -Ele vai te achar, não se preocupe.

Enquanto eu falava, o velho tirou um livro de trás do balcão e o me deu

— Segure esse livro pra mim, por favor— Ele disse;

— Tudo bem, mas… Como você espera que eu chegue até a ala C?

O velho deu um sorriso e disse:

— Voando!

De repente o livro que eu estava segurando levantou vôo, enquanto eu fui sendo levado junto com ele. A única coisa que lembro antes de decolar foi o velho dizendo para que eu me segurasse firme. O medo de cair era muito grande, já que tudo dependia de por quanto tempo eu agüentaria ficar segurando o livro sem que minhas mãos começassem a suar. Aquela realmente não era a melhor maneira de se viajar.

Capítulo 8 - O Guardião

Após uma viagem muito anormal, o livro me deixou em segurança em um dos corredores da ala C. Daquele ponto em diante eu estava perdido. Não sabia por onde começar a procurar o tal ajudante, nem muito menos sabia como ele se parecia. O velho disse que ele me encontraria, mas ficar parado em um labirinto não é a melhor coisa a se fazer. Então perambulei pelos corredores, tomando muito cuidado para não sair da ala C.

Depois de algum tempo, ouvi barulhos de livros caindo e ruídos. Estavam vindo de um corredor logo a frente. Acelerei meu passo, deixando me guiar pelo som, acreditando que ele iria me levar até o encontro do ajudante. Eu achava estranho, pois pensava que somente existisse o velho naquele enorme labirinto do qual ele chama de Librarium. Comecei a me perguntar, para que um velho com poderes incríveis precisaria de um ajudante? Bom, só mais alguns passos e eu iria descobrir.

Conforme ia me aproximando, eu podia ver uma figura pequena, agachada, e mexendo em alguns livros, bem adiante de mim. Só podia ser o ajudante, então eu me aproximei. Mas percebi que havia algo de errado. Aqueles pequenos olhos vermelhos, a pele nua coberta de apenas alguns pêlos, a boca deformada repleta de dentes afiados, o rosto sem nariz, apenas pequenas orelhas pontudas, as unhas que mais se pareciam com navalhas presas aos dedos, toda a anatomia bizarra daquela figura, não poderia ser a pessoa por quem eu estava procurando. De repente percebi que havia mais de um, e com as mesmas características. Eles estavam comendo os livros. Ao me afastar um pouco, na tentativa de fugir sem ser notado, acabei derrubando um livro. Isso chamou a atenção daquelas duas criaturas, e assim que eles me notaram outros começaram a surgir, vindo do alto das prateleiras, se movimentando rapidamente em minha direção. Eu corri, corri o mais rápido que pude, mas aquelas criaturas eram rápidas e estavam me alcançando. Quanto mais eu fugia, me perdendo entre os corredores, mais eles iam me cercando. Até que um deles me alcançou e me derrubou no chão. Ele havia segurado minha perna com bastante força e estava tentando morder meu pé. Quando olhei para trás, dezenas estavam se aproximando. Então peguei o livro da estante mais próxima e o acertei bem forte na cabeça daquela criatura. Assim que ele me soltou, me coloquei a correr. Por sorte, graças ao meu tênis que agora estava em pedaços, eu não perdi o meu pé. Mas infelizmente não consegui ir longe o bastante. Eu estava cansado e ao tropeçar em uma falha do piso do corredor, eu cai. Comecei a me arrastar pelo chão. Virei-me na direção em que as criaturas vinham e com o pouco de esforço que me restava coloquei força nos braços para continuar me arrastando. Um deles agarrou minha perna e começou a me puxar. Nem mesmo meus chutes pareciam fazer ele me largar. Depois o resto foi se aproximando, até que todos com suas bocas abertas, emitindo um som estridente, me atacaram.

Eu pensei que iria morrer sendo devorado vivo por aquelas criaturas. Mas antes mesmo que um deles encostasse os dentes em mim, algo aconteceu. Eles começaram a recuar e depois fugiram de medo de alguma coisa. Foi então que me dei conta da enorme sombra que havia atrás de mim.

Ao virar de costas, vi um enorme gigante. Com o susto recuei alguns passos e pude perceber que aquele gigante era na verdade um robô. Coberto de placas de ferro, algumas já enferrujadas, sua armadura não conseguia esconder completamente o seu exoesqueleto. Havia fios externos, cabos, e até mesmo podia-se ver as engrenagens girando em seu abdômen. Os braços e as mãos eram bem grandes, algo realmente ameaçador, e a cabeça era protegida por um elmo de chumbo bastante resistente, sobre saindo seus visores de luz azul e sua mandíbula robusta. As pernas pareciam desprotegidas, mas os pés tinham camadas extras de chumbo e ferro. Enquanto em suas costas havia pequenos tubos por onde constantemente saia vapor. Poderia ser ele o ajudante?

Naquele momento eu não saberia dizer se ele me ajudou, ou se seria mais uma ameaça para minha vida. Ele percebeu meu medo, e assim que tentei fugir, ele atirou sua mão, que se separou de seu braço permanecendo interligada a ele somente através de um cabo de aço fino. Como um gancho, ele simplesmente me agarrou e me puxou de volta. Segurando-me com bastante força, ele me elevou bem próximo a seus olhos para que pudesse me avaliar usando seu sistema. Seus visores da luz azul mudaram para o vermelho, e como o som de ferro tinindo e seu ranger, o robô abriu sua mandíbula para me interrogar, com sua voz mecanizada e de tom bem grave e intimidador:

— QUEM É VOCÊ?

— Eu sou um amigo do velho, o escritor…

— MENTIRA!— O robô não acreditou e começou a me espremer;

— Ele…me mandou…procurar seu ajudante.— Disse eu, tentando explicar melhor, enquanto estava sendo sufocado pelo pressão;

— AJUDANTE?!— o robô assim que ouviu essa palavra, me largou. E seus visores voltaram à luz azul — A ÚNICA PESSOA QUE ME CHAMA ASSIM É AQUELE VELHO. VOCÊ DIZ A VERDADE! — explicou ele — ME DIGA, O QUE TRAZ VOCÊ ATÉ A MIM? — perguntou;

— Eu preciso do meu livro para mudar meu destino, mas esqueci meu nome. O escritor me disse que você talvez soubesse como me ajudar.

— AQUELE VELHO CADUCO. SIM, EU POSSO TE AJUDAR. MAS SERIA DESNECESSÁRIO INCOMODAR MEUS AFAZERES POR ALGO TÃO RIDICULAMENTE SIMPLES.

— Jura?! E como você vai poder me ajudar?

— HÁ UM PODEROSO LIVRO ESQUECIDO NA ALA Z, PRÓXIMO A SESSÃO PROIBIDA. O MEMOIR. NÃO SEI COMO AQUELE VELHO TOLO NÃO PENSOU NISSO ANTES — o robô então se agachou e disse — SUBA! EU TE LEVO ATÉ LÁ.

Enquanto fiquei sentado em seu ombro, havia muitas curiosidades que ainda se passavam pela minha cabeça, e assim a conversa continuou durante o trajeto até a ala Z

— então… O quê é o Memoir?

— UM LIVRO QUE TEM O PODER DE RECUPERAR SUAS LEMBRANÇAS, AS VEZES ATÉ LEMBRANÇAS DE OUTRAS VIDAS— Disse ele em um tom de voz rígido e sério;

— Interessante… Mas me diga, de onde foi que você veio, ajudante?

— EU NÃO SOU UM AJUDANTE. AQUELE VELHO ACHA QUE SOU SEU ESCRAVO, E EU NÃO SOU— Respondeu ele, nervoso, embora o tom de sua voz não alterasse;

— Não?! Então… O quê você é?

— EU FUI FEITO PELO MEU CRIADOR, O FERREIRO, PARA AJUDAR O ESCRITOR, PROTEGENDO ESTE LUGAR. EU SOU O GUARDIÃO DE LIBRARIUM.

— Quem é esse seu criador, esse tal de “ferreiro”?

— O FERREIRO É UM ENGENHEIRO E ARTESÃO DE GUERRA. ELE, ASSIM COMO O ESCRITOR, EXERCE A FUNÇÃO DE PROTEGER A BALANÇA.

— “Balança”? Tipo a que pesa comida e outras coisas?

— NÃO! A BALANÇA É A ORDEM A QUAL O ESCRITOR E O FERREIRO PERTENCEM. ALÉM DELES, MUITOS OUTROS TÊM A FUNÇÃO DE ESTABELECER O EQUILÍBRIO ATRAVÉS DO COSMO E O INFINITO.

— E quem são os “outros”?

— HÁ MUITOS. MAS POSSO CITAR OS MAIS CONHECIDOS: O RELOJOEIRO, O CRIADOR DAS AREIAS DO TEMPO; O JUÍZ, O PROTETOR DO EQUILÍBRIO; O DEMOLIDOR, O SENHOR DA DESTRUIÇÃO & O CEIFADOR, O MENSAGEIRO DA MORTE.

— E o que acontece se houver desequilíbrio?

— O FIM!O INFINITO SERÁ DESTRUÍDO, RESTANDO APENAS CAOS— Disse ele, calmamente;

— Mas… Isso nunca irá acontecer? Não é?!— Comecei a me preocupar;

— É POR ESSE PROPÓSITO QUE ESTOU AQUI. PROTEGER O DESTINO.

— Protegê-lo de que?

— DO DESCONHECIDO.

— Aquelas criaturas que me atacaram… Existem mais deles por aqui?— Perguntei, tentando esconder o medo;

— SIM! AS CRIATURAS QUE TE ATACARAM SÃO CONHECIDAS COMO TRAÇAS, POR COMEREM OS LIVROS. EU ESTAVA EXTERMINANDO ALGUNS DELES NA ALA C ANTES DE TE ENCONTRAR.

— Sorte que você chegou a tempo. Aquelas criaturas eram horríveis, quase fui devorado.

— AS TRAÇAS SÃO O MENOR DOS PROBLEMAS AQUI

— Como é que é?! Existem piores?— Perguntei espantado;

— SIM! HÁ MUITOS PERIGOS NESSES LABIRINTOS, MAS O PIOR DE TODOS SÃO OS ESPECTROS.

— Quem são esses?— Perguntei temeroso;

— SERES DAS TREVAS. ELES CAMINHAM PELOS CORREDORES MAIS SOMBRIOS. ELES NÃO POSSUEM FORMA FÍSICA. SÃO VULTOS HORRENDOS QUE SÓ SE MATERIALIZAM PARA ATACAR. AS OUTRAS CRIATURAS OS TEMEM, E POR ONDE PASSAM, O AR FICA MAIS FRIO. A ÚNICA COISA QUE OS MANTEM LONGE SÃO AS CHAMAS QUE VEM DA PIRA NO SAGUÃO PRINCIPAL.

— Então a fraqueza deles é o fogo?

— LUZ! A FRAQUEZA DELES É A LUZ. AS CHAMAS QUE QUEIMAM SEM PARAR SÃO FORTES O SUFICIENTE PARA MANTÊ-LOS LONGE DO ESCRITOR. POR ISSO DE TEMPOS EM TEMPOS, EU COLOCO LAMPIÕES, COM ESSAS CHAMAS, NOS CORREDORES. ASSIM EU VOU AFASTANDO CADA VEZ MAIS ESSAS CRIATURAS.

— Mas, de onde eles vêm?

— NÃO SEI. TALVEZ O ESCRITOR SAIBA TE DIZER. ESTAS CRIATURAS ESTAVAM AQUI MUITO ANTES DE EU CHEGAR.

— Hum… E quantas desses monstros das sombras você já destru…

— SILÊNCIO! — Me interrompeu ele.

— O que foi?

— PRECISAMOS TOMAR CUIDADO A PARTIR DE AGORA

Quando me dei conta e olhei adiante, percebi que as luzes estavam enfraquecendo, ficando mais distantes, deixadas para trás nos corredores pelos quais havíamos passado, e que logo a frente, havia somente a escuridão, a plena e absoluta escuridão, escondendo o resto do corredor como se houvesse uma cortina.

O Guardião então abriu a palma da mão, e através de um pequeno furo, uma labareda de fogo saiu, e logo se estabilizou, cobrindo toda sua mão de ferro, como uma bola de fogo, servindo naquele momento, como uma vela para iluminar o nosso caminho e nos proteger.

— ESTAMOS ENTRANDO AGORA NO TERRITÓRIO DAS CRIATURAS DAS SOMBRAS. NÃO IMPORTA O QUE FOR, NÃO FAÇA NENHUM BARULHO.

— Ok!

— E NÃO IMPORTA O QUE ACONTEÇA, NÃO FIQUE LONGE DA LUZ.

— Entendi!

Assim como alguém que está prestes a dar um mergulho de cabeça do alto de um trampolim em uma piscina funda, eu segurei meu fôlego para me manter calmo. E no momento em que penetramos a escuridão, eu pude ouvir sussurros no ar, vozes de lamúria e desespero. Meu coração disparou, um frio subiu pela minha espinha. Mas eu não podia perder o fôlego nem a coragem, senão, eu poderia arruinar tudo.

Capítulo 9 - Adentro a escuridão

Pelos corredores escuros, cada canto do labirinto parecia esconder um perigo. Os livros esquecidos estavam empoeirados. Havia teias de aranha pelas estantes, algumas chegavam a ser enormes, e isso me assustava só de imaginar o tamanho das aranhas que poderiam tecer teias tão grandes. A todo o momento eu podia jurar que havia vultos passando bem em frente do nosso caminho. Eu podia ouvir passos nos seguindo. Eu podia ver pequenos olhos brilhando bem longe na escuridão, como os de um felino à espreita. O guardião não parecia se preocupar, e isso me passava uma certa confiança pois, enquanto eu estivesse com ele, eu me sentia seguro. E em silêncio seguimos nosso caminho. Em silêncio caminhávamos pela escuridão.

Após algum tempo chegamos a um saguão, parecido com o do centro do labirinto, onde o escritor fica, só que menor. Havia vários livros empilhados por todo o lugar, formando torres bem altas. Tínhamos que tomar cuidado para não esbarrar em nenhum deles. E no centro do saguão havia mais livros empilhados em volta de alguma coisa. Ao nos aproximarmos, era um livro grande de capa preta. O guardião olhou para mim e apontou para o livro. Ele então se agachou para que eu pudesse descer. Tive que passar por cima da pilha de livros, e quando cheguei mais perto, assoprei com força para tirar a camada de poeira de cima da capa. Então o nome “Memoir” surgiu, junto com um símbolo, um olho. Aquele era o livro. Antes de abrí-lo, o guardião me cutucou e fez um gesto com a mão, pedindo para que eu esperasse antes. Ele então levou sua mão até a nuca e girou um botão para ajustar sua voz em um volume mais baixo para poder conversar comigo sem chamar muita atenção.

— Escute… Antes de abrir o Memoir, você precisa saber como ele funciona— disse ele;

— Estou ouvindo—sussurrei;

— Assim que abrir o livro, ele irá ler sua mente e vasculhar sua memória. Você entrará em um estado de transe, e dependendo, isso pode levar pouco ou muito tempo.

— E quanto as criaturas? Se vierem me atacar?

— Não se preocupe, estarei aqui para te proteger, mas antes… Você precisa saber mais um detalhe importante.

— Diga

— Por baixo dessa pilha de livros, há um círculo desenhado no chão. Não importa o quê aconteça, você não pode sair desse círculo segurando o livro, ou ele se auto-destruirá, entendeu?

— entendi

Após ouvir claramente as básicas instruções, tudo o que eu precisava era segurar o livro em minhas mãos e abrí-lo. Embora, eu me sentisse inseguro a respeito do guardião, se ele conseguiria realmente me proteger. Sentei-me no chão e levantei o livro no meu colo. Havia uma corrente grossa prendendo ele ao chão, deveria ser pra evitar que ele saísse do círculo.

Quando coloquei minha mão sobre o livro para levantar sua capa, ele simplesmente não queria abrir. Conferi para ver o que estava evitando e vi que havia uma daquelas fechaduras que eu havia visto nos outros livros. “Droga! como vou abrir isso agora?” eu pensei. Tentei forçar a fechadura, mas não dava certo. Não deu antes das outras vezes quando tentei com os outros livros, por quê daria certo agora? O desespero começava a me assolar. O guardião notou minha aflição e veio saber o que estava acontecendo

— O que houve?

— O livro tem uma fechadura, não dá pra abrir

— Você não sabe como abrir?

— O velho me disse, mas era uma metáfora, eu não entendi o que ele quis dizer.

— O quê ele disse?

— Que eu “tinha as chaves”

— Hum… Caso não tenha percebido ainda, a chave para essas fechaduras, não são “chaves” de verdade.

Barulhos começaram a surgir. Demos uma breve pausa para evitar atrair muita atenção;

—…Então o quê abre eles?— Perguntei;

— A chave para eles é conhecimento. Quando um livro está fechado para você, significa que você não tem capacidade de compreendê-lo ainda.

— Isso não faz sentido

— De que adianta ler um livro se você não entende o quê está escrito nele?

— Hum… É verdade. E como faço para abrir este?

— Parece que tem algo na sua cabeça que não quer aceitar isso tudo

— Como assim?

Mais uma vez, tivemos que dar mais uma pausa;

— Você precisa abrir sua mente. Quando se abre a mente, você aprende mais coisas- Disse ele;

— E como vou fazer isso de uma hora pra outra?

— Abandone suas crenças antigas e creia em si mesmo.

De fato, estava sendo difícil para aceitar aquilo tudo. No fundo, eu estava torcendo para que fosse apenas um pesadelo, mas depois de tanto tempo… Depois de tudo o que eu senti, eu já deveria ter acordado há muito tempo. Foi então, que percebi que a única maneira de acabar com isso tudo e voltar para a casa, seria acreditando naquilo tudo em volta de mim. Acreditando que eu conseguiria voltar para casa e que eu conseguiria abrir o livro. Comecei a repetir para mim mesmo isso várias vezes e de repente, ouvi um estalo vindo da fechadura. O livro se abriu.

— Muito bem! — Disse o guardião— Mas antes de abrir o livro, há algo que preciso lhe dar— Ele então me entregou uma pequena esfera de metal com um botão nela;

— O que é isso?

— Quero que guarde. Caso as coisas fiquem ruins, eu quero que use essa bomba. Assim que apertar o botão e se passar sete segundos, ela irá explodir, criando um grande feixe de luz.

— Obrigado— eu a peguei e guardei no meu bolso.

Ao levantar a capa, o livro então começou a brilhar. As páginas começaram a folhear rapidamente. Eu segurei o livro bem firme e me concentrei, olhando diretamente para ele e a luz que era irradiada por suas páginas. Foi então que senti minha mente sendo puxada para dentro do livro. No meu consciente eu podia ver várias cenas passando ao mesmo tempo. Vários momentos, que passavam voando, numa velocidade tão rápida que não conseguia dizer de onde eram aquelas lembranças. Nesse momento eu entrei em transe. E nas páginas do Memoir, as minhas lembranças começaram a surgir. Mas eu não poderia ler ele até que o procedimento estivesse terminado.

Enquanto isso, o guardião ficava atento, vigiando o saguão, prestando atenção nos oito corredores. Como ele já devia prever, não demorou muito para que minha presença atraísse a atenção das traças que estavam ali por perto. Eles começaram a vir dos corredores, em grupos de cinco ou três. O guardião os esmagou pisoteando eles como se fossem baratas. Nada complicado para ele, até começar a surgir cada vez mais e mais traças. Hordas, vindo de todos os oito corredores. Ele sabia que as coisas iriam ficar muito ruins e que seria impossível me defender enquanto estivesse lutando contra hordas de traças. Então ele lançou uma labareda de chamas nos livros que estavam ao meu redor, formando assim um círculo de fogo que serviria para me proteger. Quando as traças chegaram o guardião usou novamente as labaredas de fogo para exterminar elas mais rapidamente. Com medo do fogo que me protegia, elas começaram a focar seu ataque no guardião. E este, percebendo que estava sendo atacado por todos os lados, puxou do seu antebraço uma lâmina em chamas, gigante, embutida a seu corpo. E com ela e mais as labaredas começou a retalhar e queimar todas as criaturas que vinham em sua direção, sem parar.

E como já era de se supor, todo o alvoroço, os livros sendo derrubados, as labaredas de fogo mais o campo de batalha que se tornou o saguão, iriam chamar a atenção daqueles que o guardião mais temia: Os espectros. E se tem uma maneira de saber isso, foi quando as traças pararam de atacar e começaram a recuar em uma direção só. O ar começou a ficar mais frio e correntes de vento começaram a soprar como se fosse a respiração de uma grande besta que acabou de despertar. Não havia muito tempo, e o guardião sabia que o círculo de fogo não iria me proteger. Ele então veio me despertar do meu transe.

— Acorde!!! Vamos acorde. Não há mais tempo. Precisamos ir!

Meio atordoado por ser interrompido no meio do processo, eu comecei a enxergar tudo embaçado e não conseguia compreender o quê o guardião estava tentando me dizer

— O qu-quê?!

— Precisamos ir agora! Os espectros estão vindo. Você precisa largar o livro!

Foi então que comecei a recobrar meus sentidos e percebi que estávamos em perigo. Porém, minhas mãos não queriam se desgrudar do livro. Havia algo de errado, eu não sabia o que era, minhas mãos simplesmente pareciam não querer soltar o livro. Talvez algo de errado tenha acontecido na hora que fui despertado, não sei ao certo

— Minhas mãos… Não querem soltar… O maldito livro!— Disse eu, enquanto me esforçava para soltar minhas mãos;

O guardião olhou para o corredor norte e percebeu que o inimigo estava muito perto. Ele então decidiu reagir.

— Não há mais tempo! Irei cortar a corrente e você terá que sair do círculo junto com o livro

— Mas ele será destruí…

— Não temos escolha.

No momento em que o guardião se preparou para dar o golpe com sua lâmina, eu, impulsivamente, peguei com a boca uma das páginas do livro e puxei com força. O gosto era horrível, havia muita poeira, mas esta seria minha única chance de descobrir quem eu era.

Assim que arrebentou a corrente com sua lâmina, ele me puxou, me colocando no seu ombro, e começou a correr. Assim que saí do círculo, o Memoir começou a se desfazer em minhas mãos, restando apenas o pó, sobrando somente a folha que eu havia tirado com a boca.

Estava ficando cada vez mais frio, e o guardião corria o mais rápido o possível para sair daquele lugar. Ele disse para eu me segurar bem forte nele e para não olhar para trás, não importa o que fosse. Foi então que vimos uma luz no fim do corredor. Estávamos quase chegando lá, quando de repente, várias mãos, longas e pálidas, surgiram das sombras e puxaram as pernas do guardião, derrubando ele e a mim no chão. Elas começaram a puxar ele para a escuridão, mas antes ele as cortou com sua lâmina de fogo. Foi então que uma enorme nuvem negra surgiu na minha frente, e de dentro dela, eu vi o rosto de mil pessoas mortas. Mais mãos surgiram, dessa vez de dentro da nuvem, e tentaram me puxar para dentro dela. O guardião interveio, dando um salto e caindo em cheio em cima da nuvem com sua lâmina de fogo. A nuvem se dissipou, tomando a forma de um demônio com chifres, asas e patas de bode. O guardião então me mandou correr para a luz, enquanto ele distraia o espectro.

Eu corri, corri e corri, e simplesmente não queria olhar para trás com medo de uma daquelas criaturas vir atrás de mim. Quando eu estava a dez passos de alcançar a luz, eu decidi olhar para trás. Eu vi o guardião lutando bravamente sem parar contra aquele espectro. Mas então, outros espectros começaram a surgir, e as coisas começaram a ficar feias. Foi aí, nesse momento, em que eu cometi a burrice de acreditar que poderia bancar o herói e salvar o guardião. Eu peguei a bomba que ele havia me dado e decidi voltar. Quando estava chegando, ele estava derrubado no chão, sendo esmagado pelos espectros, e foi nesse momento que eu vi a oportunidade perfeita para acionar e jogar a bomba neles. O que eu não esperava, era que o guardião conseguisse se livrar dos espectros, usando altas cargas de eletricidade que vinham do seu núcleo de energia, incendiando assim os livros das estantes e enfraquecendo os espectros. E assim que um deles percebeu minha presença, veio direto em minha direção. O guardião também viu, e correu para me ajudar. Mas a bomba já estava acionada, faltando talvez apenas 5 segundos, e eu não sabia mais para onde arremessá-la. Eu havia perdido toda minha concentração, e no desespero, errei o meu alvo que era o espectro e acabei acertando o guardião. A bomba explodiu bem perto dos visores dele, comprometendo seu sistema gravemente. A explosão de luz também foi forte o suficiente para espantar todos os espectros, mas não por muito tempo. Após uns cinco minutos eles estavam voltando e pareciam furiosos. Eu fui tentando guiar o guardião até a luz, já que sua visão estava muito danificada. Mas infelizmente já era muito tarde.

Os espectros avançaram violentamente em cima dele. Ele tentou cortar eles com sua lâmina de fogo, mas foi inútil. Diante dos meus olhos, eu os vieles erguendo ele no ar, e num piscar de olhos, eu vi o guardião sendo dilacerado bem na minha frente. Suas peças, suas engrenagens, sua cabeça, braços, pernas e coluna, foram completamente desmembradas, não sobrando mais nada. Foi um choque muito grande para mim, saber que fui o culpado pela destruição do guardião.

Para mim, não parecia haver mais esperança de escapar dali, de voltar para casa ou até mesmo de viver. Era o fim. Uma nuvem negra caiu sobre mim, e então eu pude sentir uma mão invisível me puxar pela perna e começar a me arrastar cada vez mais adentro a escuridão. Eu tentava me segurar nas estantes, mas não conseguia. Quando olhei para onde estava sendo puxado, eu pude ver, bem lá, no final do corredor, naquela imensa escuridão, um olho gigante se abrindo. Era branco e sua íris era de uma cor vermelha muito intensa. E na sua pupila, havia uma boca, repleta de dentes afiados e grandes, esperando para me devorar vivo. Não me restou fôlego, se não para gritar pela minha alma.

Mas, o inimaginável, aconteceu. Quando eu estava prestes a morrer, uma gigantesca labareda de fogo se interpôs entre eu e o olho diabólico. Não poderia ser o guardião, pois eu tinha acabado de ver ele sendo destruído. Então, quem é que havia acabado de salvar minha vida?

Quando olhei para cima, lá, no alto das estantes, eu avistei aquela criatura magnífica, lutando contra os espectros e os afugentando com suas chamas. Ela veio até mim e ficou bem na minha frente, me protegendo. Foi então que pude perceber melhor, que a criatura magnífica, era um dragão imenso. Ele era vermelho, tinha escamas duras feito pedra, uma cauda longa, asas grandes e olhos amarelos tão intensos, que pareciam ser lava pura. Nesse instante, ouvi uma voz na minha cabeça, que dizia para eu confiar no dragão e montar nele. Sem hesitar, eu o fiz e me segurei bem firme na nuca da criatura. Ele então levantou vôo e partiu em direção ao epicentro do labirinto, de volta para onde o escritor estava.

Capítulo 10 - predestinado

Todo o esforço e o sacrifício do guardião, por apenas uma folha de papel. Se o que ele disse foi verdade, sobre a Balança, seu criador e tudo mais, então o que seria de Librarium de agora em diante? Quem protegeria o Destino? O dragão que me protegeu, e que estava me levando em proteção para o escritor, seria ele outro guardião? Fosse ou não, eu já estava muito cansado daquilo tudo. Labirintos, livros voadores, um velho irritante, metáforas, monstros, um robô gigante, olhos gigantes, dragões… Eu era apenas uma criança de 12 anos, como eu poderia lidar com tantas coisas acontecendo ao mesmo tempo? De repente a morte não parecia tão ruim. Senti-me estúpido acreditando que a morte fosse a pior coisa de todas.

Chegando ao saguão principal, o dragão pousou lentamente, me deixando em segurança. Lá estava o velho, esperando, só que dessa vez ele não estava atrás de seu balcão, escrevendo seus livros. Ele estava do lado de fora, em pé e de braços cruzados. Parecia bastante irritado. Assim que eu saltei das costas do dragão, ele veio até mim, gritando e fazendo escândalos

— SEU PIRRALHO!!! O quê foi que você fez?

Eu fiquei calado e baixei a cabeça;

— O quê diabos, você e o meu ajudante foram fazer perto da sessão proibida?— Perguntou ele, furioso;

— O guardião me levou à procura do Memoir.

— Ah, claro… O Memoir! E pode me explicar o porquê o “guardião” foi DESTRUÍDO???— gritou;

— … Eu tentei, ajudá-lo.

— Sim… Foi isso. Você achou que poderia bancar o herói de um robô de 3 metros de altura, não foi?!

Novamente eu fiquei calado e baixei a cabeça;

— Por sua culpa eu perdi um grande ajudante que também era o protetor de milhões de destinos. O quê você acha que vai acontecer agora? Você sabe?!

— Não…

— Eles irão vir… As criaturas que quase te mataram, irão vir. Eles irão destruir vários livros, levar a vida de milhões para as trevas. E não poderemos fazer NADA!!!

— O ferreiro… O criador do Guardião… Ele não pode criar outro?

— RÁ! Você acha que é assim tão simples?! Leva muito tempo até o ferreiro criar um protetor. E até lá, Librarium já terá sido consumida pela escuridão.

Eu baixei minha cabeça, refletindo na besteira que eu tinha feito, e procurando alguma maneira de ajudar o velho. Ele tinha motivos para estar enfurecido, pois eu destruí o único protetor de sua livraria e coloquei em risco o destino de milhões de pessoas. Fiquei com receio de lhe mostrar a folha que arranquei do Memoir. Isso talvez o deixaria mais furioso ainda, em saber que nosso esforço foi em vão.

O velho ficou pensativo. Ele foi até seu dragão e acariciou seu longo e imenso pescoço. Enquanto dava atenção, para o que parecia ser seu animal de estimação, ele começou a falar comigo, dessa vez mais calmo.

— Os dragões são criaturas incríveis, não são?! Eu me orgulho de tê-los criado.

— Mas… Dragões não são reais. São apenas parte da fantasia, não são?

— Se quer realmente saber, os dragões e qualquer outra criatura que você considere ser apenas “fantasiosa”, são mais dignas do quê qualquer humano.

— Você odeia os humanos?

— Não… Só os considero a minha pior criação. Eu devia estar no ápice da loucura quando decidi fazer isso.

Embora não gostasse do que ele dizia, eu também não podia discordar. Depois de dar atenção a seu dragão, o velho pegou um livro e o abriu. O dragão então começou a se desintegrar, se materializando em uma tinta preta, que entrou no livro.

— Dragões da Escandinávia. São simplesmente fascinantes— Disse ele, enquanto fechava um livro com o título “Vikings”;

— Como você fez isso?— Perguntei, fascinado;

— Está falando do dragão?! Bom… Como você ainda não sabe, eu possuo clarividência. E com a ajuda dos meus óculos feitos de cristal Araigo, eu sou capaz de aumentar esse meu poder, sendo possível ver tudo o que acontece na minha livraria. Infelizmente, eu não posso enxergar além da escuridão. Quando eu vi uma grande explosão vindo dos corredores escuros, da ala Z, eu vi por alguns segundos que vocês estavam em perigo e invoquei o dragão para ir ajudá-los o mais rápido o possível.

— Então você tem também o poder de trazer à vida as coisas que estão nos seus livros?

— Sim, mas somente os que já morreram. E infelizmente é um poder muito limitado. Toda vez que invoco algum ser, como um dragão, eu gasto minhas energias e fico fraco. Por isso parei meus afazeres para poder descansar. Não é algo tão simples.

— E eu agradeço, por me salvar.

- Por favor, sem sentimentalismo. Ainda estou enfurecido por saber que foi você quem causou a destruição do meu ajudante.

— Ok.

— Agora… E quanto ao Memoir? Já descobriu o seu nome?

Quando ele perguntou pelo o Memoir, eu congelei. Não sabia o quê responder. Ao ver os poderes incríveis que tinha, ele poderia invocar um dragão a qualquer momento para me comer vivo. Mas não havia como mentir, então somente me restava dizer a verdade e correr os riscos.

— É O QUÊ?! VOCÊ ESTÁ ME DIZENDO QUE CORRERAM TODOS ESSES RISCOS PRA NADA??? VOCÊ ESTÁ QUERENDO ME DIZER QUE TE SALVEI PRA SABER QUE O MEMOIR FOI DESTRUÍDO?!— Gritou ele, deixando sair fogo pelos seus olhos.

— Sim, eu sinto muito…

— DESCULPAS NÃO TRAZEM O MEMOIR NEM O MEU AJUDANTE DE VOLTA!!!

— Eu sei! Não havia outro jeito. O livro ficou preso em minhas mãos. Mas pelo menos consegui arrancar uma página antes de ele virar pó— Então entreguei a folha para o velho

— Você já leu esta folha?

— não.

O velho ajeitou seus óculos e começou a ler a folha que estava escrita frente e verso. Ele analisou cuidadosamente procurando por alguma coisa relevante, que fosse ajudar a descobrir o meu nome. Eu estava muito nervoso, esperando que realmente houvesse alguma pista.

Depois de terminar de ler, o velho me disse que surgiu apenas um nome na folha, e esse nome era o de um sujeito chamado de “Bartolomeu Herigan Mount”. Seja lá quem fosse, não poderia ser eu. Pois eu não me parecia nem um pouco com alguém que é chamado de “Bartolomeu”. Mesmo não sendo o meu nome, era uma pista útil. Esse sujeito poderia ser meu avô, ou bisavô ou até mesmo tataravô. Seja quem fosse, tinha alguma ligação comigo e isso era o que importava. O velho então puxou o livro com o respectivo nome até suas mãos. E em poucos segundos, lá estava, em suas mãos, a primeira peça do quebra-cabeça. Quando o velho ia me entregar o livro, ele o puxou de volta e se recusou a me dar

— Mas… E o livro? O quê você está fazendo?

— Eu acabei de ter uma idéia— disse ele enquanto escondia o livro em seu balcão;

— Idéia?!

— Sim. Eu acabei de tomar uma decisão muito importante.

— E o quê é?

— Devido à sua estupidez, por ter causado a perda de meu ótimo ajudante, eu não poderia deixar você sair daqui sem pagar o preço pelo o que você fez.

— Você está pensando em me punir, é isso?

— Não… E sim! Algo parecido…

— O quê você vai fazer comigo? — perguntei assustado

— Você… De agora em diante… Será…

— Serei…?

— Meu novo ajudante!

— COMO É QUE É? FICOU MALUCO?

— Não, estou falando sério. E a propósito… Eu já sou maluco.

— E o quê você quer dizer com ser seu ajudante?

— Você irá fazer as mesmas coisas que o robô fazia. Parece bem justo.

— Está brincando?! Eu não sei andar por esses labirintos, muito menos sou capaz de lutar contra traças, monstros ou espectros.

— Não é problema! — Ele então foi até o balcão, pegou um pergaminho e me deu;

— O quê é isso?

— Um mapa! Ele mostra tudo em Librarium, as alas de A à Z e outros lugares, assim você não irá se perder.

— E eu vou ser seu escravo para sempre?

— Não… Só até o tempo de o ferreiro criar outro ajudante para mim.

— E quanto ao livro que vai me ajudar? E quanto ao meu nome?

— Se acalme. Quando eu achar que você cumpriu bem suas tarefas, eu irei lhe entregar o livro.

— Você não pode estar falando sério.

— Você pode apostar que estou— Disse ele, dando um sorriso de deboche;

Chorar, rir, gritar… Naquele momento parecia que minha vida, ou não-vida, estava condenada a servir aquele velho para sempre naquele lugar esquisito. Eu sentei no chão, fechei os olhos e abaixei a cabeça. Fiquei por algum tempo assim. Quando levantei a cabeça e olhei para cima, reparei algo que antes não estava lá. O teto… Nesse caso, a falta de um que era substituído por um imenso céu escuro, agora estava cheio de estrelas. Eu podia ver não só as estrelas, mas também constelações, de Órion a Capricórnio, e eu podia ver os planetas, como se estivesse bem próximos. Aquilo de alguma forma trouxe alegria para mim.

O velho então veio até a mim, se sentou do meu lado, começou a olhar para as estrelas, e disse que, agora, naquele momento, ele entendia o porquê eu estava ali. O acidente, a fuga da morte, o livro de Wong… Para ele, eu estava ali porque era meu destino estar. Para ele, nada acontece por acaso. E por mais estranho que parecesse, ele mesmo admitia que para ele, o destino era um mistério.

E é essa a beleza do destino que cerca nossas vidas. O mistério. O desconhecido. O inesperado. O impossível, que se torna possível.

E assim termina. Essa é a história que eu tinha para lhes contar. Após todas as aventuras que eu tive, procurando o Memoir, fugindo dos espectros e tudo mais, eu aprendi valiosas lições naquele lugar esquisito e enigmático, chamado Librarium. Vocês podem não querer acreditar, e eu não ligo se não o fizerem. Nem eu mesmo acredito ainda se aquilo tudo foi real. Quando me tornei o ajudante do escritor, ou guardião de Librarium, passei por muitas dificuldades, desde matar traças até ir à procura de pássaros raros e areias do tempo em outras dimensões. Mas estas aventuras ficam para outra hora. Como já devem ter percebido desde o início, eu consegui sair de lá, descobri quem eu sou e mudei meu destino. Se estão curiosos em saber o meu nome, sinto ter que lhes desapontar, mas uma vez eu aprendi, que não se deve dizer seu nome a estranhos.

Gabriel Almeida
Enviado por Gabriel Almeida em 06/07/2011
Reeditado em 10/07/2011
Código do texto: T3079976
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