Magia Pesada IV - Evil Papagalli

Ed olhava irritado para aquela criatura que agora estava em suas mãos. Acabara de amarrá-lo usando trapos de sua roupa, o que o deixara sem camisa e ainda descalço naquele galpão escuro e sujo. Precisara retirar os sapatos para ver como os pés estavam; tinha certeza de que torcera um na queda. A magia de queda suave não funcionara tão bem. Deveria ter treinado melhor aquela maldita invocação.

- Quem o enviou, seu maldito? – perguntou. Jogou o papagaio negro no chão e o viu se remexer violentamente tentando se soltar daquela prisão improvisada. Poderia ter conseguido se o mago não houvesse selado tudo com um feitiço simples.

Esfregou o pé tentando se recompor. Haviam entrado em sua casa, assassinado os amigos da irmã e ainda tentado o matar. Tentar matá-lo não era o maior problema. Muita gente tentava isso e a maioria até tinha alguns motivos. Matar os amigos da irmã também não o deixava nem um pouco preocupado. Eram um bando de malas e ele não era usualmente atormentado pela educação cristã que fazia todo mundo choramingar ou fingir que estava choramingando por quem nem conhecia ou não gostava ou ainda por quem era desprezado. O mais chato era entrarem no santuário dele. Ali só sua irmã entrava, junto com os amigos malas dela, que agora não entrariam mais.

“Ao menos isso”, pensou. Ed tinha que agradecer pelo menos a alguém que fizera o favor ao mundo de descarregar aqueles corpos de patricinhas e mauricinhos de algumas almas podres e sem valor. Ele mesmo nunca teria coragem de fazê-lo. “Bunda mole”, disse para si mesmo.

Pensou em telefonar para Sol e para Lua, mas temeu colocá-las em perigo. A irmã estaria a salvo, a não ser do choque de ver toda aquela merda espalhada pelo apartamento. Talvez ela sentisse falta do papagaio. Ele só sentiria falta daquele animal, dos outros lá caídos não.

Levantou-se e chutou o papagaio. Ele se debateu mais ainda, tentando se libertar, mas o demônio que ali estava já estava enfraquecido da batalha e ainda mais por estar preso a um corpo tão fraco. Se usasse energia demais, despedaçaria aquilo e iria de volta para o Inferno ou estaria tão fragilizado que Ed o destruiria com facilidade. Nenhuma das duas opções agradaria ao infernal. Destruição não era cogitada por uma criatura tão egoísta e voltar para o Inferno era uma tortura para aquele espírito viciado nas sensações do mundo material.

Retirou um giz da bolsa e um pouco de água de rosas. Desenhou um círculo branco e depois respingou água dentro dele. Pegou um pequeno vidro com álcool e espalhou em volta. Jogou o papagaio ali no meio. Colocou fogo no álcool e apreciou a cena. Agora daria um jeito naquela criatura. Ficou de pé ali e movimentou as mãos, chamou por espíritos ancestrais, invocou o poder da humanidade, expandiu a força de seu coração. Sua vontade se transformou em um machado, seus olhos no fio daquela lâmina e seu ódio a ponta fina que penetraria na carne de seus inimigos.

Aquele machado, símbolo de sua magia e de sua força, desceu com violência sobre o papagaio negro. Desfez o tecido e bateu contra o escudo que era a vontade do demônio. Quebrou como um martelo despedaçando pedra e penetrou na essência daquele espírito. Assim o poder dele passou pela ferida e se espalhou pelo sangue etéreo da criatura como um vírus que se espalhou e tomou-se parte integrante de cada mínima unidade daquele ser etéreo que era um e muitos. Era um e muitos e Ed nem sabia quantos poderiam ser ou nem o que significava ele ser tantos.

Um homem odeia e executa seu ódio usando uma razão fria que torna turva a visão que lhe daria a vitória. Ed não tinha consciência disso, mas sua mestra lhe avisara sob o poder e a fraqueza que carregava. Ele tivera dificuldade para ouvir, como vento que bate nas piores barreiras e continua seu caminho enfraquecido, porém ainda vento e ainda em frente.

O fogo se apagou. O cheiro de rosas se foi. O giz ficou marcado no chão junto a uma marca negra. Lá no centro estava o papagaio. Colocara-se de pé e se balança olhando para Ed.

- Você é meu, seu desgraçado. Eu morro, você morre, mas não o contrário. Saiba disso. Eu vejo através de você, mas você não vê através de mim. Saiba disso. Você é minha marionete, mas eu não sou a sua. Saiba disso. Você é uma extensão de mim que eu corto impiedosamente, pois você é servo e eu sou mestre.

Alguém entrou no galpão nesse momento. Ed testou seu comando metal sobre seu novo familiar mandando-o voar e se esconder. Os passos começaram a aumentar. Alguém estava chegando e essa pessoa cheirava ódio disfarçado sob páginas e páginas de boas palavras. Era ódio escrito nas entrelinhas de páginas e páginas de amor. Era intolerância escrita nas entrelinhas de páginas e páginas de caridade. Eles haviam o descoberto ali. Demônios e agora aqueles caçadores. Inimigos o caçando em conjunto.

O mundo estava contra ele. No entanto o mundo parecia não entender que ele também estava contra o mundo e o espancaria até que aquele universo barulhento o deixasse dormir em paz e não interrompesse sua música.