DEVANEIOS

Célis Jovaurt despertou cedo, tomou uma xícara de café no próprio quarto do bangalô onde estava hospedada. Deliciou-se num banho demorado, passou creme por todo o corpo, há muito que não sentia aquela sensação de excitação sem motivo concreto, assim de graça. Estava a quatro dias naquele hotel, deveria estar acompanhada do marido, mas como sempre a ambição dele falou mais alto, decidindo ficar no escritório para fechar mais um lucrativo negócio e aumentar seu riquíssimo patrimônio. Prometeu chegar naquela tarde, viria em seu helicóptero particular.

Enquanto passava o creme, espreitava a própria alma, tentando decifrar de onde vinha aquela sensação, com certeza não era a chegada do marido, mesmo se mantendo fiel e amorosa, fazia tempo que a relação estava desgastada. Veio-lhe a mente uma carroça que via todas as manhãs, sempre cheia de flores, era uma visão encantadora e um perfume delicioso que jamais havia sentido, mesmo já provado a essência dos melhores perfumes.

O bangalô era completo, com cozinha, quarto, uma sala de banho enorme, dois pavimentos, tudo de muito bom gosto, e a visão que possuía do amplo jardim do hotel era fantástica. Escolhido por Célis para ficar a sós com o marido durante uma semana, em mais uma tentativa romântica de salvar seu casamento. Aos quarenta e três anos ainda era uma mulher bela e atraía olhares por onde passava, não tinha filhos, mas havia criado as gêmeas, frutos do primeiro casamento de seu marido que está com sessenta e três anos, e total vigor direcionado aos negócios.

Como não havia feito seu passeio matinal, decidiu fazê-lo após o almoço, estava quente demais, escolheu um vestido de linho amarelo claro que contrastava com sua pele morena e caia-lhe muito bem, modelo justo, mas confortável.

Seguiu o mesmo caminho que sempre fazia, devagar apreciando cada detalhe natural, percebeu que o tempo começava a mudar. Andou até alcançar um muro de pedras antigo, dali se podia ver o heliporto, sentou-se no muro e percebeu a carroça de flores que a encantava, havia um homem ali, contemplou sua imagem, assemelhava-se a figura de Jesus, olhos claros, cabelos ondulados até o ombro, uns trinta e três anos de idade. Abaixou a cabeça quando percebeu que ele a olhava, logo voltou a contemplar todos seus movimentos, era delicado no trato com as flores, mas exibia movimentos másculos, que a deixavam encantada.

O toque clássico de seu celular a trouxe de volta, foi quando recebeu a notícia que seu marido não conseguiu teto para voar, o tempo estava ruim e iria piorar, só conseguiria chegar na manhã seguinte.

Voltou seu olhar para a carroça de flores, procurou pelo florista, mas não o encontrou, desapontada, se virou para retornar ao bangalô e deu de cara com ele, que lhe ofereceu uma rosa vermelha e um sorriso hipnotizante. Conversaram um pouco, ela se sentia mais envolvida a cada minuto que se passava. Depositou a rosa sobre o muro de pedras, para tirar os óculos escuros e enxergou uma beleza ainda maior naquele homem.

Quando começou a chover, se pôs a caminho do bangalô seguida pelo florista, à medida que a chuva aumentava, eles andavam mais rápidos, trocavam olhares e sorrisos, quando alcançaram a sacada, onde deixaram várias pegadas, deram boas risadas juntos, a chuva caiu para valer, não se via mais um palmo a frente. Ela o convidou a entrar, justificando que não iria deixá-lo voltar naquela tempestade que caía. Foi ao banheiro, trouxe duas toalhas e se secaram. Estava totalmente hipnotizada, não perdia um único movimento que fazia, ele passou a toalha no rosto dela com movimentos suaves, secando-lhe a face e percebeu que tremia. Sugeriu que se trocasse, enquanto ele faria um chá para aquecê-la. Deixou a roupa molhada no chão, se secou e retornou a cozinha usando um roupão branco. Ele lhe apontou o sofá para que se sentasse e lhe serviu uma xícara de chá, depois de sorver alguns goles, ela depositou a xícara ao lado da dele na bandeja de suporte do sofá, passando bem rente ao corpo dele. A reação foi imediata, estremeceu e ruborizou-se, ele passou a mão pelo rosto dela e a puxou para perto e se beijaram.

Célis acordou na manhã seguinte com o toque do celular, assustou-se quando viu a ligação do marido, se pôs de pé num sobressalto, procurando em volta pelo florista misterioso. Seu marido pousaria em uma hora naquele heliporto. Depois de desfeito o susto, ainda tinha tempo, mas não encontrou seu hipnotizador, decepcionada, suspirou fundo e reviveu aquela noite mágica, sentia na pele cada toque, sentia sua alma impregnada pelo cheiro suave de flor que jamais esqueceria. De repente percebeu no chão só uma toalha molhada, correu ao banheiro e a outra estava intacta. No sofá a mesma observação, só uma xícara de chá, e na cozinha nada, conferiu a varanda e estavam registradas ali só as suas pegadas. Confusa andou pelo quarto, tentava desesperada, achar qualquer prova daquele encontro furtivo.

Aprontou-se e foi ao encontro do marido, sentindo-se ainda confusa, mas aliviada por não ter consumado uma traição. Absorta em devaneios, sorria e cantarolava pelo caminho, aproximando-se do heliporto, procurou discretamente pela carroça de flores, que não estava lá, sentiu-se um pouco mais tranquila, avistou o helicóptero do marido que preparava as manobras para o pouso.

Sentiu seu coração disparar quando se aproximou do muro antigo de pedras, a rosa vermelha estava ali, vigorosa, exatamente onde a deixou.

Lilia Costa
Enviado por Lilia Costa em 27/08/2011
Código do texto: T3185114