O menino pergunta onde é que ele se esconde.
Mas o eco só responde: “Onde? Onde?”
O eco, de Cecília Meireles
um sonho dentro de outro
O ônibus parte da Novo Rio às 9 horas, vem pro Paiol Velho. Escrevo. Nunca escrevo dentro de ônibus (sacoleja, enjôo), mas, não sei por que, rascunho uns troços. Tudo tão sem pé nem cabeça... Adormeço com a lapiseira na mão, bloco nas pernas, antes de atingir a RJ-125, ainda na Dutra.
  Sonho um sonho um bocado obscuro, duplo.
  Meados de 90, eu acabara de me separar da mãe de meus filhos. Fui aos Abrolhos, sul baiano, desanuviar. Um mês.
  Às vezes os sonhos parecem simples lembranças... É, lembranças simples... do que vai acontecer.
Aquela época iniciou um tanto de mudanças sucessivas, trouxe conflito, me tirou de vez a paz. Não sei bem se a anterior era de tranquilidade ou conformismo, falta de opção, o quê num sei... Eu vivia no mato, eu e elas, as aladas me lambuzando de mel. Vivia até feliz e não sabia. Completamente desgarrado da boiada prevalente. Pra uns, nada fashion; pra outros, um eremita folclórico, esquisito. Tolices!
  Então conheci pessoas, e as conhecendo, apalpando seus valores, seus preconceitos feitos princípios, suas pessoalidades e interiores, desnudei almas e corpos. Conheci muita gente, gente que dos mínimos detalhes habilmente se promove aproveitando-se e ajuntando outros quais coivara, outros desenquadrados e desajustados ao social, daninhos ao meio. Assim, com suas auto-referências carismáticas — magnéticas! — aglutinam em torno de si iludidos, cativando sutilmente vão se referenciando. Sublimação. Pura egolatria!
  Por fim, deixei de idealizar. Lembro de Cecília Meireles dizendo e de Xangai cantando Todos querem ser pastores, quando encontram, de manhã, os carneirinhos, enroladinhos como carretéis de lã...
  Eu contava de meu sonho dentro de um ônibus, sei... Vê, isso faz parte dele, de dentro dele, do sono que ocorreu há poucos dias e correu década e meia. Ufa!
O sonho de há quinze anos, ele agora é hoje, 2011.
  E ainda sonhando percebi que o sonho começou a subir a serra...
Que sonho engraçado, nenhum rosto a mim me aparecia, apenas o meu — eu me via sonhando.
... e quase na última curva, num sacolejo do ônibus dou com a cabeça no vidro da janela. Semi-acordei quando se delineava uma figura feminina. Parecia simpática. Blusa branca, em seu pescoço havia um objeto dependurado, uma coisa de borracha e na ponta um metal circular, achatado; a outra se dividia em dois, também de metal. Na última curva, no topo da serra, sonhando acordado acordo de um deles suando frio, sem entender o que sonhara. Dou com um outdoor tão exagerado, nunca visto. Nele tinha uma imagem bastante desfocada — ou era o acordar do sono embaçando meus olhos, me fazendo esfregá-los, incrédulo?! Do lado direito do cartaz, o rosto nuveado sugeria sorrir, e percebi um estetoscópio dependurado no pescoço; do outro, dizeres garrafais: Doutora, a sua médica; prefeita perfeita; A no 1; PECOEGO — Partido do Eco-Ego.
  Sono lento... sonolento. Não me surpreendi com o que vira (nada mais me assombra). Essa imagem fez apenas q’eu entendesse o sonho, o outro — o sonho do sonho no sono, o real.
 
Germino da Terra
Enviado por Germino da Terra em 19/09/2011
Código do texto: T3228182
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2011. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.