Os Selvagens


        Hoje é mais um dia normal na vida de Enaitat, a não ser pela idéia fixa que a acometeu durante a noite.

        Ela e sua avó, moram sozinhas numa casinha distante do povoado de Bergamot. Se mudaram de lá logo que sua filha (mãe de Enaitat) e o esposo dela morreram com um raio que caiu no pasto enquanto tratavam dos animais.

        As pessoas do povoado mesmo recorrendo sempre à elas quando alguma doença aparecia, as evitavam quando tudo estava bem e faziam questão de fazer comentários maldosos ao padre que já condenava a ausência da Sra Ena e sua filha na igreja.

        Dona Ena tinha opinião própria e condenava a prática da igreja de vender indulgências, de fazer o povo acreditar que era preciso pagar para ser absolvido dos pecados e poder desfrutar do paraíso. Ela acreditava que a fé, as boas ações, o amor e o respeito ao próximo, é que levavam as pessoas para mais perto de Deus.

        Para evitar que os comentários acabasse levando ela e sua neta que era apenas uma pequena criança à fogueira, elas se mudaram para muito longe.

        O tempo passou, agora a menina já era quase uma mulher. Ela e avó eram muito parecidas nos trejeitos, na delicadeza dos trabalhos domésticos, mas tinham um olhar cheio de mistério, o poder da natureza e do universo estavam presentes a todo momento. Não havia uma só pessoa que as tivesse conhecido que não percebesse isso.

        - Bom dia vó!

        - Bom dia querida, mas o que é isso? O que você faz com a saia amarrada entre as pernas?

        - Hoje vou capturar pelo menos 2 dos selvagens! Eles serão de grande ajuda na plantação e para puxar a charrete. Aí poderemos carregar mais coisas para a feira e voltar mais rápido para a casa.

        - Mas querida, para capturar os selvagens você precisa ter um cavalo forte e veloz, e nós só temos o Radu, que está muito velho e cansado. Ele já nem aguenta mais puxar o arado.

        - Hoje ele vai nos ajudar. -disse ela saindo a procura de Radu.

        - Querida! - gritou Dona Ena vendo sua neta sumir pelo mato adentro. - Tenha cuidado!

        - Hoje você vai me ajudar meu amigo. A vó e eu precisamos de sua ajuda, precisamos de uns cavalos novos, não estamos mais conseguindo fazer todo o trabalho sozinhas. Hoje será o seu último dia de trabalho, depois será só descanço e grama verdinha, eu prometo. - disse ela a Radu que como sempre a olhava nos olhos como se pudesse entender suas palavras.

        Ela montou e sairam cavalgando, Radu estava com o vigor de quando era jovem. Alguns minutos depois, lá do alto ela avistou o bando com seus pelos reluzentes à luz do sol, tinha preto, branco, castanho e pintado.

        - É hoje meu amigo, vamos! - gritou ela batendo os pés no lombo de Radu que saiu disparado em direção ao bando.

        Com o laço preparado eles adentraram o bando e começou a caça. Ela laçava, eles puxavam violentamente e se soltavam. Os selvagens começaram a ficar nervosos e investir contra Enaitat e Radu.

        Radu com o seu instinto de proteção, jogou Enaitat na grama e avançou para os selvagens tirando-os de perto dela que gritava e sofria ao ver seu amigo sendo coiceado, mordido, machucado por muitos cavalos. Foram minutos intermináveis até que ela gritou bem alto:

        - Parem! - o gritou ecoou e o ventou levou até os ouvidos de sua avó que lavava roupas no rio ao pé da montanha que saiu a procura de sua neta.

        Os cavalos deixaram-no e ela correu até ele que estava todo machucado e sangrando. Ela o abraçou forte pedindo:

        - Me perdoe Radu, se eu não tivesse te trazido aqui, se eu não tivesse insistido nisso, você estaria bem agora. Aguenta firme meu amigo, tudo vai ficar bem, você vai ver.

          Radu deu um último suspiro e desabou no chão.

        Ela se jogou sobre ele e tentava erguê-lo gritando muito.

        Neste momento um vendaval despertado pelas emoções de Enaitat tomou conta da montanha, nuvens negras escureceram o céu e raios foram lançados sobre os selvagens.

        Dona Ena avistou a neta com dificuldade por causa do vendaval e correu até ela.

        - Levante-se querida, ele morreu. Deixei-o.

        - Não, eu não aceito isso. Cadê? Cadê os meus poderes? - se virando para a avó e olhando dentro dos seus olhos ela continuou. - A Sra me disse uma vez que o meu poder era muito maior do que eu imaginava, então me ajude, eu o quero vivo agora! - se voltando para Radu ela imperativamente gritava elevando os braços. - Viva! Se levante, agora! Forças da natureza que a vida traz, eu ordeno que devolva a vida do meu amigo, agora!

        Sua avó a agarrou trazendo-a junto de si.

        - Cale-se, querida. A vida somente Deus pode nos dar e tirar, vamos embora.

        Ela ainda raivosa e chorando soltou-se da avó e se voltou para os selvagens que observavam tudo a certa distância.

        - Não iríamos machucá-los, nós só queríamos alguns de vocês para nos ajudar. E que......- ela ia proferir uma maldição quando foi interrompida.

        - Não querida. Não os pragueje, eles apenas se defenderam do que acharam ser um ataque inimigo. Você sabe que todos os animais agem por instinto e que são abençoados e protegidos por Deus. Você teria se arrependido se tivesse dito o que agora teve vontade de dizer. Vamos.

        Foram para casa e Enaitat só adormeceu depois de tomar um chá que sua avó preparou.

        O dia amanheceu, o sol nascia lindo e quente atrás das montanhas nem parecia que uma tempestade havia devastado tudo durante a noite.

        Enaitat ouviu relinchos se levantou correndo e foi até o estábulo e teve uma surpresa!

        Todos os selvagens estavam lá a espera das tarefas do dia.
Anne Valentine
Enviado por Anne Valentine em 25/12/2006
Reeditado em 07/05/2010
Código do texto: T327630
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