Num lugar simples e belo (Parte 2) - 1

Tudo o que havia naquele caminho era verde. Árvores imensas com séculos de existência, mas ainda assim robustas e fortes. Um riacho que percorria por muitos quilômetros junto à margem da estrada com a água tão cristalina que dava para ver os peixes em suas rotinas diárias; somente as folhas que caiam das árvores bloqueavam o brilho total da água corrente. E a estrada, quase toda curva, era bem cuidada, pois ligava lugares importantes.

Momento 1

Seu olhar estava fixo na água que corria pouco mais rápida do que a condução. Acompanhava as folhas seguirem o curso do riacho e quando uma sumia de vista escolhia outra para continuar. Sua mente viajava por vários lugares, mas sem perder o foco de onde se encontrava. Lembrava do dia em que seu gato fizera aniversário, sorrindo algumas vezes e fazendo caretas em outras. Pensava também, com um certo ar de ódio, na garota da vila. Mas o que mais lhe fazia meditar fora a noite sentada no banquinho à beira do penhasco que ficava atrás de sua casa. Não sabia e não distinguia quais realmente eram seus sentimentos. Tinha certeza do que deveria fazer, mas não se era realmente isso que gostaria. Apesar de tudo sempre fora sincera com todos e consigo mesma ao sorrir.

Adoraria saber o que ela pensava enquanto vagava olhando o riacho com folhas douradas flutuantes, mas não conseguia nem mesmo imaginar. Tentava arrumar maneiras carinhosas para fazê-la confessar tudo o possível para que pudesse saciar sua cede de curiosidade, mas ela nada dizia, limitava-se somente a sorrir.

Servia novamente como encosto para que ela pudesse ficar mais à vontade e provavelmente dormir em poucos minutos, como começava a ser costume todas as tardes. Fazia carinho em seus cabelos, passava a mão em sua delicada pele e apreciava a suavizes que tinha. Tudo enquanto a observava. olhava-a como se fosse a primeira vez, apreciando, assim, ao máximo aquele momento. Seguia as curvas de seu rosto enquanto passava os dedos por elas desenhando a imagem da garota em sua mente. Sentia vontade de ter aqueles lábios, de sentí-los, pensava em fazê-lo como se fosse somente uma extensão do carinho produzido por seus dedos, mas sabia o que ela poderia pensar e com certeza reprovar. Os olhos não podiam ser vistos, mas as pálpebras e os silios sim e eles diziam muitas coisas que não conseguia compreender. Todas as partes naquela garota lhe agradavam, todas lhe faziam desejá-la, todas lhe eram proibidas.

O homem estava um tanto que intrigado com aquela situação. Tinha os cabelos até os ombros e emaranhados, olhos azuis e cansados, rosto fino e triste e uma paciência que esgotaria qualquer pessoa que pudesse ser julgada normal. Olhava o casal abraçado à sua frente. A moça lhe parecia extremamente confortável, ainda mais após fechar os olhos e cair em um sono profundo. O rapaz meio desejoso, talvez procurando alguma coisa em sua própria mente, ou meios para saciar seus desejos que e com certeza não tinham todos o sossego dos dela, não conseguia livrar-se de seus pensamentos como ela fizera. Desde que se juntara a eles naquela viajem os via juntos, trocando olhares amorosos como um verdadeiro casal, mas faltava algo, algo que ele desejava muito, mas que ela se recusava a dar.

E assim foi a viajem até a chegada à cidade mais próxima.

Momento 2

A condução chegou ao seu destino já tarde da noite. Jonas e Luna se arrependeram de não terem pego algum lanche para poderem comer durante a viajem e estavam com tanta fome que um conseguia escutar os roncos do estômago do outro.

Pararam numa pequena vila onde uma senhora, que parecia conhecer perfeitamente e até intimamente o condutor, os recebeu.

- Oi queridos, sejam bem vindos. - Cumprimentou a Luna com dois beijos molhados no rosto e Jonas com um abraço forte. - Vou cuidar de vocês, ficarão hospedados em minha casa até a hora de partir. E não precisam se preocupar com nada, tenho tudo do que precisam.

Olhou os dois de mãos atadas e sorriu.

- Ah que lindos, são namorados... Tenho um quarto especial com uma cama de casal para vocês. Agora venham, devem estar morrendo de fome. E não se preocupem com a bagagem, Thiago pegará para vocês.

Luna corou-se e olhou para Jonas com o canto do olho quando a mulher falou sobre o quarto e a cama de casal. Esperava que ele falasse algo para corrigir a situação, que dissesse que eram somente amigos, não namorados e muito menos que pretendiam dormir juntos, mas Jonas não disse qualquer coisa, se comportava como se fosse natural o que a senhora dissera. Ela mesmo pensava em dizer, mas estava envergonhada, não entendia o porque de Jonas continuar calado e neste momento a senhora já se encontrava a caminho de casa.

Vários pensamentos começavam a passar por sua mente e medos a surgir. "Ele pode estar pretendendo algo, aproveitar-se de mim, por isso não protestou. E esta viajem, ninguém me conhece aqui, talvez esteja planejando me fazer algum mal". Soltou da mão de Jonas esperando qualquer reação, mas ele somente sorriu para ela e virou-se para ajudar Thiago com a bagagem.

Ficou meio desnorteada por uns instantes, completamente sozinha, mas ao olhar para frente a senhora a esperava pacientemente com um simpático sorriso nos lábios. Luna então decidiu segui-la.

"O que? Como?" - Pensava - "Mas não somos namorados" - Bem que adoraria - "E nem nunca dormimos juntos... Mas o que posso fazer? Não posso ser mal educado com eles, só espero que Luna entenda. De qualquer forma me viro com ela mais tarde".

Não pode nem mesmo agradecer, pois a senhora já havia se colocado a caminho da casa. E então, quando Luna soltou-lhe a mão, sorriu e foi ajudar Thiago com as malas. Ao olhar para trás Luna já acompanhava a senhora.

- Senhor, precisamos mesmo levar todas as bagagens? Ficaremos somente algumas horas. - Disse olhando tudo o que havia para ser descarregado e pensando na hora de recarregar.

Thiago explicou para ele que haviam ali muitas pessoas de fora e que não exitariam em roubar-lhes. Jonas acenou com a cabeça concordando e pegou a sacola de Luna.

- Me desculpe minha filha, mas pensei que eram amantes, por isso lhes ofereci dormirem juntos. - A senhora tentava corrigir seu erro. - Tem o quarto do meu filho que não mora mais conosco, o idiota foi atrás de uma rapariga que com certeza o fará infeliz, posso acomodar Jonas por lá.

Ficou sem entender quando escutou de Luna que não precisava e que poderiam deixá-los no mesmo quarto.

- Mas minha filha, você parecia constrangida quando me disse que eram somente amigos, porque agora quer que fiquem no mesmo quarto?

Servia em duas canecas um chá recem fervido e escutava a explicação de Luna.

- Está bem, mas se precisar é só gritar que a ajudaremos. Falarei com meu marido e ficaremos de ouvidos bem abertos.

- É que apesar de gostar muito dele ainda não o conheço tão bem. Faz menos de uma semana que veio para me visitar e antes nunca o tinha visto pessoalmente. - Luna tentava explicar-se. - E eu ainda tenho um certo receio de quem ele possa ser na verdade, não sei, mas pode ser que esteja me enganando esse tempo todo. Gostaria de testá-lo, ver como se comporta. - Tomou com cuidado um pouco do chá servido pela senhora, estava quente. - Mas, pelo que vi lá fora, ele não começou bem, pareceu gostar da ideia de dormir comigo e nem mesmo me questionou para saber se eu aceitaria.

Tomou outro gole de chá pensando em como faria e o quanto seria humilhante se tivesse realmente de gritar como aconselhara a senhora.

- Muito obrigada, mas não conte nada a seu marido a não ser que seja realmente necessário.

Tomou mais um gole e tentou mudar o assunto fazendo com que a senhora começasse a falar de sua vida e de seu filho.

Momento 3

Fizeram uma refeição não muito farta, mas, pela fome que sentiam, fabulosa. Comiam legumes cozidos, arroz e frango acompanhados de um vinho um pouco aguado, mas saboroso.

Luna ajudou, lutando muito contra a recusa da senhora, na arrumação da cozinha e Jonas sentou com Thiago na varanda para escutar algumas histórias de viajante. Quando as duas haviam terminado a arrumação e Luna se lavado devidamente, ela chamou Jonas para fazê-lo e dormir.

Constatou que o quarto não era nada mais do que um simples cômodo, assim como em sua própria casa, e sentiu-se bem, pois não se sentiria envergonhada.

Arrumou os dois travesseiros e a colcha de retalhos oferecidos pela senhora. Enquanto colocava um travesseiro de cada lado da cama imaginava como seria aquela noite e também no quanto confiava em Jonas. Em sua mente várias coisas começavam a surgir, mas nenhuma que fosse boa. Não o conhecia a muito tempo e não poderia saber nesses poucos dias de convivência tudo o que fosse importante saber. Ele poderia estar fingindo, talvez ser alguém que só quisesse fazer-lhe mal ou então um aproveitador ou quem sabe um estrupador que ainda não se mostrara.

Estava presa em seus pensamentos e alisando um dos travesseiros quando escutou o ranger da porta. Ao olhar para Jonas, que adentrava, corou-se ao vê-lo com o peito desnudo e neste momento, quase que instantaneamente, lhe veio a mente todas as imagens que se formaram enquanto arrumava a cama. Seu coração palpitou e sentiu um frio percorrer toda sua espinha. Sentou-se na cama e segurou com força a colcha de retalhos enquanto Jonas se virava e lhe dizia a frase mais assustadora que poderia ter escutado dele.

"Oh delícia, estava realmente precisando lavar-me, retirar este cheiro que já começava a ficar desagradável" - pensava Jonas enquanto se secava.

Vestiu uma calça curta e praguejou por ter esquecido a parte de cima do pijama. Abriu a porta que dava ao corredor e, constatando não haver ninguém, correu para o cômodo em que Luna o esperava. Empurrou a porta, que para ele fazia mais barulho do que necessário, e entre uma passada e outra de pano secando a cabeça viu Luna ao lado da cama, mas não lhe deu muita importância e foi pegar a outra parte do pijama na sacola. Praguejou mais algumas palavras por não conseguir encontrar o que procurava sem ter de fazer alguma bagunça. Após terminar de vestir-se virou-se e viu Luna sentada na cama já arrumada para recebê-los. Sorriu e disse sem pensar.

..

Achou estranha a reação de Luna, não pretendia falar qualquer coisa que a ofendesse e nem achava o que tinha feito, mas a expressão dela dizia o contrário, o que o fez envergonhar-se e ficar sem reação.

Olhava para ela com um grande ponto interrogação estampado em seu rosto. Esperou alguns instantes para constar que ela não estava brincando e, ao ter certeza de que não, fez a pergunta mais idiota que poderia fazer no momento:

- O que foi?

Que reação poderia esperar? Luna o olhava diretamente, mas nada dizia, nem mesmo mudava a expressão e isso fez tremer suas pernas e palpitar seu coração.

- Luna?

Franzia o senho para tentar mostrar que estava preocupado e deu alguns passos no rumo dela. Neste momento ela pareceu ter alguma reação, o que o fez criar um pouco mais de coragem e continuar avançando. Pegou uma das mãos de Luna e sentiu-a fria. Apertou-a entre as suas e deixou que seu olhar dissesse ou perguntasse o que precisasse. Ficou assim, sem dizer qualquer palavra até sentir-se seguro para tentar qualquer coisa a mais.

Colocou a mão direita no rosto de Luna e arrumou o cabelo dela para trás da orelha. Suspendeu seu queixo com delicadeza para que ela o olhasse e refez a pergunta:

- O que foi minha linda? Porque está assim?

Esperou uma resposta dela, mas não a tendo continuou:

- Foi algo que eu disse? Se sim, me desculpe, mas me diga porque te fez ficar assim para eu entender e não fazer mais.

Seu coração estava pior do que lembrava já ter estado. Tinha vontade de chorar, mas segurava as lágrimas e os soluços que insistiam em querer sair empurrados pelo coração. Escutou ele falando alguma coisa, mas não distinguiu o que, o medo falava mais alto, a decepção a ensurdecia. O silêncio que se fez em seguida foi ainda pior - "Ele deve estar planejando o que fazer" - alguém lhe dizia, quem era não sabia, mas não importava, a voz estava certa; com certeza a voz estava certa.

Sentiu-o sentar na cama, mas já estava apavorada demais para piorar e só esperou para poder ver o que aconteceria. As mãos dele ao segurar a sua estavam quentes, sentiu-as reconfortantes, mas ainda eram dele e não algo em que poderia sentir segurança. Percebeu que estava então suando, que sua mão estava molhada dentre as dele. Sabia que ele também o havia percebido e isto a faz pensar no quanto ele estava medindo seu medo.

Suspirou, deveria se entregar, pelo menos até o próximo passo, pois, mesmo com tudo o que se passava, não tinha mais o que fazer. Quando ele tocou sua face desde os pelos mais finos da virilha até os fios mais longos da nuca se arrepiaram e foi um arrepio diferente, como se sentisse prazer em meio a todo medo.

Os dedos dele passaram por trás de sua orelha levando junto todo o cabelo que caia por sobre a face. Normalmente seria um gesto de carinho - "E não está sendo?" - mas agora se sentia um pouco perturbada e aliviada com isso. Ele a acariciava, e ela acompanhava mentalmente aquela mão de homem em contato e movimento com seu rosto. Quando ele colocou a mão sob seu queixo e o forçou com cuidado para cima não sabia mais o que sentia, estava olhando-o com lágrimas nos olhos, que escorriam a cada piscada, e com a face pálida.

Escutou-o dizer alguma coisa, mais não conseguiu entender - "Como entender com todas estas vozes aqui dentro? Cada uma me dizendo uma coisa..." - por isso continuou somente olhando, tanto para os olhos dele quanto para dentro de si. Jonas falou novamente, mas desta vez estava mais nítido em sua mente... Continuou calada por dois minutos.

- Quero deitar-me.

Momento 4

A senhora acordou Luna ainda de madrugada, mas teve de dar algumas chacoalhadas para fazê-la despertar.

- Oh minha querida, acorde, vocês devem partir depressa, Thiago e Jonas já colocaram a bagagem na condução. Mas não se preocupe, retirei o que necessita para lavar-se e vestir-se.

Dizia enquanto dobrava a colcha de retalhos que estava caída ao chão.

- Achei Jonas um pouco preocupado hoje ao se levantar e Thiago me pediu para falar contigo. Não sei ainda o que, mas desconfio. - Observou Luna antes de continuar. - Ele te fez alguma coisa querida? Te falou algo que não deveria ter dito? - Sentou na cama ao lado de Luna e a segurou na mão. - Vamos, me diga, veremos se ele merece continuar esta viagem contigo! - E deixou-se levar pelo que Luna tinha à falar.

Acordou, mas sem acordar, parecia que tentavam tirá-la de algum lugar perfeito para levá-la ao mundo real. Uma voz a chamava, inicialmente de longe, muito longe, mas chegando perto aos poucos, saindo de um rouco arrastado a um agudo estridente. Quando achava que estava conseguindo acostumar-se à voz e sua variação de tom sentiu ser puxada violentamente do mundo dos sonhos e cair "como uma jaca mole" numa cama desconhecida, num quarto desconhecido e com um despertador desconhecido. Primeiramente não sabia o que acontecia e desapontou-se por ter sido acordada. Enraiveceu-se e sentiu vontade de bater naquela que a incomodava, mas simplesmente teve de aceitar. Olhou desconsolada para a senhora, não queria ter de continuar com os olhos abertos e sim dormir, voltar para o seu mundo de sonhos e fantasias. Mas como? Ela não parava de falar, não a deixava ter só mais um pouquinho de sono e falava coisas que ainda não lhe faziam muito sentindo, algo sobre bagagens, roupas, acessórios e Jonas. Acordou de imediato, imagens, palavras e pensamentos percorriam sua mente e um sentimento, algo estranho, um aperto o coração, a fez pensar: - "Ah, como sou boba!" - Lembrou-se de tudo o que se tinha passado antes de dormir e em todo o medo que sentira na noite anterior e sua reação para com o comportamento de Jonas. Quando a senhora lhe perguntou sobre ele não conseguiu encontrar as palavras, sentia-se boba e, por isso, somente olhava-a tentando se expressar. A senhora segurou-lhe a mão e assim lembrou de Jonas fazendo o mesmo. E decidiu-se, respondeu à pergunta contando também o que acontecera, como eles se portaram e prestou muita atenção nos conselhos recebidos.

Jonas percebia que havia algo que Thiago desejava lhe perguntar, mas como não estava muito paciente para questionamentos sentiu-se mais confortável com o silêncio.

Carregaram as coisas na condução e voltaram para dentro da casa onde uma mesa simples, mas com um suculento bolo e xícaras de chá para quatro pessoas, os esperava. Jonas também viu Luna chegando à cozinha, estava com o rosto ainda amassado e inchado, mas já vestida e pronta para sair. A olhou, sendo olhado de volta, e recebeu um abraço dela; carinhoso, mas ainda assim tímido, por isso também a abraçou sem muita vontade.

Enquanto Luna dormia Jonas se pôs a pensar, tentava descobrir os porques de algumas coisas que haviam acontecido aquela noite e quando mais pensava mais longe parecia estar de uma resposta, há não ser que ela imaginasse que ele... Era uma das possibilidades, descartada no primeiro instante que chegassem à mente, pois ela não se confundiria tanto, não acharia que ele tivesse tão pouco caráter. Mas grande parte da noite passou pensando e por isso não pode dormir o suficiente, acordando pouco disposto e sentindo-se um tanto quando ranzinza.

Libertou-a de seus braços e deixou que fosse lavar-se para poderem comer e seguir viajem.

A Refeição foi rápida, mas generosa e os fariam aguentar algumas horas até que pudessem comer novamente.

Estava envergonhada, não sabia muito bem como agir na presença de todos, por isso abraçou Jonas rapidamente, cumprimentou Thiago e foi lavar o rosto. Quando retornou todos já estavam à mesa, mas ninguém ainda havia se servido, esperavam-na. Sentou-se também para que pudessem saborear o delicioso bolo de milho.

Se tivesse que fazer algo no momento, se esconderia no primeiro buraco que encontrasse ou pediria desculpas eternamente. Mas essas eram daquelas coisas que somente se desejava. Bem, Jonas não parecia ter se abalado com o que acontecera e não precisaria se preocupar tanto mais, somente continuar os dias como sempre foram. - "E porque dessa coisa que enche meu coração? Porque dessa vergonha demasiada?" - Sempre existiam coisas que somente ela poderia responder ou tentar curar dentro de si. Suspirou, levou um pedaço de bolo à boca e bicou um pouco de chá para ajudar a humedecê-lo, sempre de cabeça baixa, envergonhada.

A despedida foi cortês, a senhora abraçou Luna e disse a ela não se preocupar, pois Jonas parecia um bom rapaz, beijou seu rosto num estalo e a deixou molhada. Virou-se para Jonas pediu para que cuidasse de Luna pois ela era uma garota que merecia toda a atenção que ele pudesse dar e os deixou embarcar e continuar a aventura.

Momento 5

A quanto tempo não caçava um rato? Era divertido, mas muito cansativo e estava perdendo, já não tinha mais forças para correr. A presa se esgueirou para sob alguns paus velhos e sumiu. - "Não queria mesmo! E, além do mais, foi a primeira tentativa, ainda tenho muitos com os quais treinar. E é só descobrir as táticas deles que nenhum me fugirá." - Pensava o gato enquanto se lambia para secar o suor e se preparava para descansar com um belo sono. Seu objetivo era aprender, aprender a caçar, ativar seus instintos, sua coragem e... E perder muita gordura.

Só se passara um dia, mas já não tinha mais certeza se sua dona voltaria e caso ela realmente não voltasse deveria aprender a conseguir alimentos com seu próprio esforço. A floresta era cheia do que comer, disso sempre soube, mas antes deveria aprender a capturar essa comida, a encurarralá-la, fazê-la sentir medo de seu olhar e de suas garras. Mas por enquanto estava gordo, pançudo, seus olhos pareciam pequenos por causa de suas bochechas rechonchudas e as garras não tinham o efeito necessário por serem pouco afiadas. E é por tudo isso e seu orgulho de gato que deveria emagrecer e aprender o que fosse necessário para ser "o gato temido que mora sozinho numa enorme casa". - "Não ficou muito bom" - Se lamentou. - "Mas será de todo verdade".

A vida de um gato morando sozinho por tanto tempo numa casa como aquela não era fácil. Sentia saudades dos grunhidos alegres daquela que morou por tanto tempo consigo e ainda se lembrava de como ela o tratava. Tinha ainda a comida que lhe deixou antes de ir embora, aquele monte de ração que era "obrigado" a comer. - "Está velha e com certeza estragada, irá me matar" - Tudo isso tornava a vida difícil, doentia.

Acordara ainda cansado da perseguição sem sucesso, mas ainda assim disposto a tentar novamente. Olhou para si - "Devo ter perdido muito peso hoje" - e se levantou rapidamente, quase caindo, tropeçando nas próprias patas. Era um gato selvagem agora, voraz e temido. Saiu para fora da casa, iria atrás de comida novamente, sabia onde os ratos se escondiam, sempre os via sob uma madeira perto de onde corria a água suja e fedorenta. E estava certo, haviam muitos, era só escolher, não, só pular encima daquele monte e saborear o banquete. Via-os amontoados num tumulto incompreensivo e eram muitos, como sempre, por isso alegrou-se, iria ser fácil, poderia capturar qualquer um, deixá-lo tonto e treinar com ele até que se cansasse. Preparou-se, colocou as duas patas dianteiras juntas, posicionou as de trás para o impulso, empinou o rabo e deixou as orelhas bem atentas, como radares, para detectarem qualquer alerta dos roedores, fez cara de mau e pulou. A queda fora desengonçada e brusca, os ratos foram pegos de surpresa e três deles ficaram presos sob sua barriga. Sentiu-se desnorteado, sem muito saber o que fazer, por isso continuou deitado até recuperar-se e ter condições de prender algum deles entre suas patas. Sentia-os se revirando sob si sem conseguirem escapar, por isso já cantava vitória e imaginava o gosto dos gordos roedores. O rabo de um deles balançava batendo-se desesperadamente e antes de se levantar pisou nele para que ficasse preso. Levantou-se e sentiu os outros dois presos sob sua barriga fugirem das garras do temido felino. Olhou diretamente nos olhos do roedor para deixá-lo apavorado, passou a língua nos lábios superiores e mostrou as presas. Com outra pata deu um tapa no rato, deixando-o ainda mais arisco e desesperado. Sentia prazer no que fazia, pela primeira vez seus instintos predominavam e aquele gatão gordo seria, a partir de agora, temido por todos os seres inferiores a ele na cadeia alimentar. Deu mais um tapa para deixar o rato tonto e soltou-o para que tentasse escapar e assim iniciar uma brincadeira de "gato e rato". Não deixou que fosse muito longe, pulando em seu pescoço antes de deixá-lo fugir novamente. E assim ficaram por alguns minutos até o gato sentir-se cansado demais para continuar. Pegou o roedor e o levou sob o girassol, prendeu-o novamente pelo rabo e deitou-se um pouco para descansar e admirar sua presa antes de comê-la... Dormiu e acordou somente após anoitecer, já sem sinal de qualquer tipo de roedor.

Momento 6

Chegaram à cidade no começo da tarde e ela lhes parecia estranha e um tanto quanto bagunçada, com ruas sujas e barrentas, mas ainda assim haviam pessoas bem vestidas e que eram carregadas, tanto para evitar a fadiga quanto para não se sujarem, mas Luna e Jonas não acreditavam que essas pessoas de visual quase impecável eram muito cheirosas, pois já haviam ouvido falar que eram das que menos gostavam de molhar-se.

Luna olhava a cidade já com uma certa repugnância. Preferia sua floresta, sua cozinha, sua casa, que era simples, mas ainda sim muito bem cuidada. Os cheiros daquele lugar entravam em suas narinas e faziam-na acreditar que nunca mais esqueceria o fedor. De certa forma se arrependia de ali estar, mas ainda assim acreditava que poderia ser bom. O problema era só a forma de vida daquelas pessoas, como eram sujas, fedorentas e repugnantes. Talvez conseguiria se acostumar.

Olhou Jonas para saber se ele compartilhava de sua opinião, mas a expressão dele era normal, como se nada estivesse diferente e continuava com aquela ansiedade em seus olhos, o que também a motivou.

Jonas levou Luna pelas ruas conforme as indicações que havia recebido de Thiago na noite anterior, sentados na frente da porta de sua casa. Thiago havia lhe falado de um lugar, uma hospedaria que, conforme ele, seria, no mínimo, confortável e os dois poderiam se sentir quase em casa, além de terem boas refeições. Levava Luna com toda a confiança que um homem poderia demonstrar a uma mulher; e sabia que ela poderia estar intrigada, pois a levava sem mesmo ter-lhe dito uma única palavra sobre para onde iam. Não contou e também não tinha a intenção de contar, pois gostaria de saber o quanto ela confiava nele, no quanto poderia levá-la sem que questionasse para onde. Até o momento tudo parecia correr bem e isso o deixava feliz, pois sempre gostou de se sentir confiável.

Luna somente observava e era levada. Estava encantada com as jóias que algumas mulheres carregavam e também se enjoando com o estilo de vida mesquinha que levavam enquanto outros somente tinham trapos para vestir. Mas de qualquer forma a beleza, a brancura e os cabelos de algumas delas eram simplesmente perfeitos.

Mas em algum momento sentiu algo estranho; estava andando ao lado de Jonas e indo, não se sabia para onde. Ele não havia parado para perguntar nada aos habitantes, para se informar de qualquer lugar e ela não vira nem mesmo uma única placa por onde passaram que lhe desse uma ideia. Jonas parecia confiável e saber para onde ia, mas Luna também queria saber e não somente segui-lo às cegas. Esperou. Talvez ele falasse alguma coisa... Mas não falou. Luna ficou quase que desesperada com sua curiosidade. Hesitou um pouco mais em perguntar, mas não se conteve, tinha de saber, por tudo o que achava mais sagrado tinha que saber. Ao virarem uma esquina abriu a boca para perguntar:

- ...

Mas Jonas falou antes:

- Chegamos.

Foi uma surpresa, parecia que ele tinha lido sua mente, que sabia o que ela pensava, mas, para sua tristeza, sabia ser somente uma coincidência.

- Chegamos - disse assim que viraram a direita após uma viela e viriu a construção inconfundível que thiago havia lhe descrito: era um grande casarão, com duas antigas estátuas (Esculpidas em carvalho, as estátuas recepcionavam os que chegavam, muito bonita era a mulher que expressava um sorriso enquanto segurava três canecas em uma mão e uma jarra na outra. A outra estátua que era de um homem que tinha no rosto o misto de cansaço e alegria pelos cuidados que recebia da moça).

Jonas indicou a Luna que prosseguisse e passaram por entre as estátuas, pela varanda e entraram por uma porta dupla que dava acesso a um amplo salão abarrotado de cadeiras e mesas. Era uma taverna e uma pensão ao mesmo tempo. Não era muito bela como deveria ter sido a vários anos, mas ainda assim sentiam que poderiam ficar confortáveis ali.

Momento 7

- Desta vez eu peço dois quartos - disse Jonas assim que entraram e se dirigiu para o balcão. Tocou um pequeno sino e esperou até que uma jovem os atendessem.

- Olá, no que posso ajudar? - Ela parecia muito educada e simpática.

- Gostaria de dois quartos por um dia, por favor. - Pediu Jonas.

Luna estava pensando: havia dormido na mesma cama que Jonas na noite anterior e ele se comportara como um perfeito cavalheiro. Pensou também que não fora culpa dele terem de ficar no mesmo quarto, pois, afinal, ele somente tinha sido educado com a senhora e, se fosse preciso, sabia que ele dormiria no chão se pedisse, mas como não o fez, não tinha como ele saber. E pensou também no quanto se sentiria mais segura ficando ao lado dele ao invés de em um quarto sozinha, pois ele lhe razia segurança e era agradável ficarem conversando a noite.

Por esses motivos, quando Jonas pediu dois quartos à moça, Luna se manifestou:

- Pode ser somente um quarto.

Jonas assustou-se. Sabia que mulheres eram complicadas, mas Luna passava dos limites. Nunca entendia o que ela realmente queria e o que poderia fazer para agradá-la, já que tudo o que fazia parecia estar errado.

- Tem certeza? - Perguntou para a Luna e ela respondeu que sim num gesto de cabeça.

- Então pode ser um quarto somente, mas com duas camas - Pediu Jonas à moça.

Mas ela respondeu que só tinham quartos com uma cama. Então Jonas olhou novamente para Luna e ela assentiu.

- Está bem, gostaria desse.

A moça observava a situação como uma peça de comédia. Achou-o um tolo e idiota, mas claro, também belamente tímido. Estava mais do que claro que ela o desejava, que o queria na cama, mas ele se esquivava. A garota também era bela, na verdade uma beleza de causar inveja e que qualquer homem a desejaria. Observou-os mais atentamente para descobrir qualquer traço de parentesco, mas não havia nenhum. Então ele realmente era um tolo. Pegou as chaves do quarto mais afastado e também mais confortável para que não ficassem constrangidos com quaisquer barulho que pudessem fazer.

- Pegue este, é o último no final do corredor, subindo as escadas. - Disse entregando as chaves a Jonas. - Não há hospedes nos quartos vizinhos.

No mesmo momento entendeu o que a moça quis dizer. E vendo que Luna permanecia indiferente resolveu não dizer uma única palavra, pois ela poderia mudar de ideia e Jonas não queria que isso acontecesse, jamais.

Pegou as chaves, as malas, agradeceu e subiu as escadas, com Luna logo atrás.

- Nossa, foi muita gentileza dela nos arrumar um quarto afastado - Disse Luna - Assim teremos mais conforto quanto a barulhos dos outros.

- "Realmente" - Pensou Jonas - "Mas acho que não é o barulho que outros hospedem poderiam vir a fazer que ela se referia!"

Entraram no quarto.

Momento 8

Luna o achou melhor do que havia imaginado. Gostou dos móveis e da delicadeza dos mesmos. Experimentou a cama e se afundou nela sorrindo.

- Isso aqui é maravilhoso - Disse a Jonas - Venha experimentar.

E continuou se jogando para cima e para baixo.

Jonas entrou no quarto e procurou o melhor lugar para depositar as bagagens. A mala que Luna levara era realmente muito pesada; Não conseguia imaginar o que poderia haver ali dentro para tão pouco tempo. Enquanto depositava tudo em um canto ao lado de uma escrivaninha, escutou Luna se atirando na cama e soltando gritinhos felizes. Sorriu, imaginando a cena, sem olhar para trás; somente o fez quando ela o chamou para se juntar na brincadeira.

Quando se virou não pode mais sorrir. A viu brincando como uma menina, mas no corpo de uma mulher. Seus instintos vieram totalmente a tona enquanto a observava naquele ritmo de sobe e desce. Ela sorria, seus lábios se espichavam enquanto sua boca meio aberta soltava gritinhos e seus olhos se comprimiam como os olhos de uma criança em choro. Em seu rosto os traços eram os mais belos e angelicais possíveis, mas ao olhar mais abaixo, Jonas via mais do que simples traços de menina e começou a observar mais atentamente os movimentos do corpo dela. Dois morros balançavam como prestes a se desfazer em um terremoto e sem seus picos haviam duas elevaçõezinhas que a pouco era quase imperceptíveis. Seus seios vibravam nesses movimentos e faziam com que Jonas sentisse muita vontade em tocá-los. Imaginou suas mãos apertando-os e Luna inclinando a cabeça para trás e gemendo. Sentiu-se excitado e também uma dorzinha, pois seu membro não tinha espaço para expandir-se dentro das calças.

Enquanto pulava na cama, viu que Jonas a observava parado e sério. Achou que ele a recriminava pela "criancisse" que fazia, e então, ainda sorrindo, parou de pular na cama e o encarou. Viu que ele estava estranho. A olhava, mas mesmo assim não a via. Quando abaixou os olhos viu o volume em sua calça e se sentiu envergonhada. Virou o rosto e deitou-se de lado na cama e repassou em sua cabeça o que poderia tê-lo deixado daquela maneira. Pensou nele em cima de si e nos dois subindo e descendo, assim como ela fazia, sozinha, e entendeu o que se passava com ele e corou ainda mais.

Antes, Jonas, somente se apaixonara, mas agora também sentia desejos. Desde que a vira com o vestido que se sentia assim. Mas o respeito por ela não o deixava pensar muito e por isso sempre conseguia afastar tais pensamentos antes que ela percebesse. Mas agora era diferente. Enquanto ela pulava parecia que alguma força incontrolável se apossava dele e sua imaginação alcançou níveis elevados.

Se viu segurando aqueles belos seios, enquanto ela saltava alegre na cama. Tentou afastar esse pensamento, mas era impossível.

"Passou as mãos pela parte de baixo dos seios, acariciando primeiro a barriga para depois apalpá-los. Vendo que ela não o reprimia continuou subindo e os apertou forte para que ela sentisse as mãos de um homem de verdade e foi retribuído com um gemido, como se de dor, mas mais suave. Apertou com as pontas dos dedos um dos biquinhos e depois o outro, enquanto largava boa parte do peso de seu corpo encima do dela, que não parava de se contorcer e se mostrava querendo mais e mais..."

Ao vê-la se virar toda envergonhada, também se sentiu envergonhado e sem saber o que fazer. Percebeu o quanto estava excitado e um calafrio percorreu seu corpo, pois não gostaria que ela lhe visse como um tarado ou algo do gênero. Virou-se e mexeu em sua mala como se procurando algo e em seguida saiu do quarto sem olhar para Luna ou dizer qualquer coisa.

Luna sabia que os homens eram assim, que qualquer coisa os deixavam atentos. Na adolescência já começava a perceber que coisas estranhas aconteciam com os meninos; no começo não entendia o porque, mas agora era normal. E sabendo o quanto Jonas estava apaixonado, sabia também que isso tinha de acontecer. Depois de pensar sobre, relaxou e se deixou esquecer. Mas relaxou tanto que em pouco tempo pegou no sono.

Momento 9

Jonas desceu até a taberna e pediu para a moça que limpava o balcão alguma bebida que pudesse lhe acalmar. Viu que ela levantara uma das sobrancelhas como se perguntasse a si mesma o que poderia ter acontecido. A moça lhe serviu uma dose de uma bebida verde e de aspecto pouco convidativo. Bebeu de uma só vez, tentando não sentir o gosto amargo da bebida.

Começava a ficar muito difícil controlar seus sentimentos perto de Luna. Não era fácil guardar o que sentia somente para si. Talvez seria mais fácil se fosse tímido o suficiente para nunca ter lhe contado nada, pois assim, talvez, pudesse acreditar que só não poderia tocá-la por não ter coragem suficiente de lhe contar e, também, se enganar imaginando que ela o queria. Mas ela sabia; sabia e o provocava; sabia e não o deixava ter certeza de como agir. Em alguns momentos ela parecia lhe ter medo, se afastando totalmente, mas em algumas ocasiões agia como se fossem ficar juntos pelo resto da vida.

Pediu mais uma dose.

"Mas talvez ela esteja certa, talvez não sinta nada além da amizade e age da mesma forma que outros amigos." - Pensou - "Talvez eu devesse respeitá-la mais, talvez devesse tratá-la como eu gostaria de ser tratado caso meu sentimento fosse somente de amizade." - Pediu outra dose - "Quero que seja minha, mas essa não é sua vontade" - Dizia em voz alta - Ela parece querer me agradar, mas também não sabe como. Sei que estou exigindo muito, mas é muito difícil ter tão pouco de alguém que tanto amo. É impossível.

A moça servia outra dose ao rapaz quando ele começou a pensar em voz alta. Escutou o que ele dizia enquanto despejava o líquido verde num copo de barro. Pousou a garrafa e ficou a observá-lo. Tinha experiência e sabia quais eram os efeitos colaterais da bebida quando quem a consumia tinha a doença "do coração", principalmente quando a amada se encontrava tão perto. Já vira homens belos e jovens perderem todas as chances com suas amadas por estarem embriagados e só fazerem bobagens.

Jonas não vira que a moça não lhe servira a bebida e que também pensava alto, como se quisesse contar a alguém o que se passava em seu coração. Quando se deu conta pensou que muito disso devia acontecer naquele balcão e não se sentiu envergonhado, somente triste. Abaixou a cabeça e fechou os olhos para que a moça não o visse lacrimejar. Ela lhe entregou um copo com algo e, sem ver o que era, engoliu num só gole.

- Isso lhe fará sentir melhor - disse a moça - apesar de que deve estar decepcionado.

- Não, eu gosto de água e realmente me fará sentir melhor - disse Jonas - Obrigado.

- Não tem de que - e sorriu para ele.

Jonas somente sorriu de volta e não disseram mais palavra alguma e ficaram assim: ele preso em seus pensamentos e ela arrumando algo atrás do balcão. Após vários minutos foi ela quem quebrou o gelo.

- Parece ser mais complexo do que eu imaginava.

- O que?

- Vocês dois.

- Acha?

- Bem, a julgar pelo seu comportamento na hora de escolher o quarto e seu estado agora. Sim.

- E como estou agora? - Perguntou Jonas levantando uma das sobrancelhas.

- Acabado!

Silencio...

- Acabado... - Repetiu Jonas.

- Sim. E posso te dar um conselho?

- Acho que um homem acabado deve escutar todos os conselhos.

- Você é tristemente engraçado.

- Acha?

- Sim, acho sim.

- Hum... E o conselho?

- Sim sim, o conselho.

- Pois então, diga.

- O que eu queria dizer é que acho melhor você parar de beber e se recompor...

- Isso você mesma já me obrigou a fazer.

- ... é verdade, mas se tiver com a ideia de voltar a beber, retire-a da cabeça. Como eu disse: se recomponha, porque mulheres não gostam de homens acabados.

- É, eu imagino que não.

- Então, o que está esperando?

- Acho que um milagre.

- Milagres não acontecem se você não correr atrás.

- Então espero um impossível.

- Você é muito cabeça dura. Sabia?

- É o que todos dizem.

- Besta - Disse sorrindo.

- Como é? Nem me conhece direito e já me diz coisas assim?

A moça ficou mais do que vermelha, seu rosto parecia quase em combustão.

- Ai, me desculpe. Não, eu não quis... Me desculpe. Retiro o que disse.

- Tudo bem, estou brincando contigo. Estou tentando me descontrair.

- Que bom. Mas me desculpe mesmo.

- Tudo bem.

Antes de descer as escadas, Luna viu Jonas e a taberneira conversando. Pareciam estar muito "amiguinhos" e isso a fez sentir com uma pontada de ciúmes. Mas logo ficaram quietos e Luna desceu as escadas e se sentou ao lado de Jonas.

Não vira Luna descer, somente alguém sentar-se ao seu lado. E quando viu quem era, sorriu para ela com ternura.

Estava meio alterado pelo álcool, não muito, mas já era o suficiente para para sentir várias coisas. Seu coração explodia de vontades. Queria mais do que poderia aguentar, ter Luna em seus braços, mas isso parecia ficar a cada minuto mais impossível.

- Estou com fome - Disse Luna - Muita fome.

Jonas ficou satisfeito por ela quebrar o silêncio e olhou para a moça que assentia dizendo que lhes traria uma refeição.

Luna esperou somente a moça afastar-se.

- Sobre o que conversavam? - Perguntou.

Jonas ficou surpreso. Havia um tom de critica e desaprovação em sua voz; Pensou por um instante antes de responder, pois não sabia o que exatamente responder.

- Nada demais.

- Então posso saber do que se trata?

Jonas estava perturbado. Porque ela falava dessa maneira? Não fizera nada de errado. O que ela estava pensando?

Os olhos de Luna continuaram a questionar.

- De você.

- De mim?

- É, e de mim também!

- Ah...

Luna ficou quieta.

O que conversavam? E porque conversavam deles? Luna sentiu que a forma com que se tratavam parecia de pessoas muito íntimas, velhos amigos. Jonas se apaixonara por ela facilmente, poderia se apaixonar pela moça do bar também... Não? É sim, poderia...

Jonas estava alterado demais para pensar no que ocorrera e por isso continuou de cabeça baixa, somente esperando a refeição ser servida.

Um homem adentrou o salão fazendo muito barulho e sentou-se na mesa mais ao centro do salão. Luna imaginou ser um criador de porcos, pois parecia ter modos suínos e seu rosto também se assemelhava a um. Pela sujeira em que se encontrava, o fedor devia ser muito forte, mas o saboroso aroma emanado da cozinha e o vento que corria de uma porta aberta ao lado do balcão para uma janela aberta do outro lado, poupavam-os de qualquer cheiro desagradável.

Luna tentava entender um pouco o que sentia. Não era algo que já sentira antes, e era difícil aceitar a situação. E isso trazia mais problemas do que estava disposta a aceitar. Entendia que estava passando por uma crise de ciúmes, mas não achava que estivesse gostando do Jonas a ponto disso acontecer. Achava que tinha por ele somente um sentimento de amizade e nada mais. Mas agora sua cabeça não conseguia pensar direito. Parecia tudo tão estúpido.

A moça da taberna apareceu com dois pratos de barro meio quebrados nas bordas, duas colheres de madeira mordidas e uma faca que começava a enferrujar e os colocou à mesa. Ela nem mesmo olhou para os dois, fingindo indiferença.

Luna olhou para os objetos um tanto decepcionada e deixou que tal transparecesse em seu rosto para saber qual seria a reação de Jonas.

Jonas riu da maneira que Luna olhava para os objetos. Ela parecia esperar algum jogo de mesa de luxo. Sabia que ela tinha tudo muito bonito em casa, mas isso era em casa, não deveria esperar que fosse assim em todos os lugares.

- Você deveria se contentar com isso e ainda ficar feliz - disse Jonas - já estive em lugares onde tive que comer com a mão e o pão era feito sobre estrume de cabra seco. Então creio que isto aqui é luxo.

Luna ficou estarrecida com a resposta dele. Não esperava isso, achava que ele iria se ofender e exigir tratamento melhor. Mas parecia não se importar. Após uns instantes decepcionada, enojou-se ao pensar no pão feito sobre estrume de cabra.

- E verdade? - Perguntou Luna.

- E sim - Respondeu Jonas.

E Luna se perdeu em pensamentos, enquanto a moça lhes servia a refeição.

Momento 10

A tarde passou rápida. Os dois passaram-na praticamente toda na varanda da taberna, conversando e olhando os habitantes. Havia dois senhores, já velhos, na casa dos 40, que disseram irem até ali praticamente todas as tardes para conversar e esperar o tempo passar. Contaram também causos do passado, aventuras de suas juventudes. Luna parecia admirada com eles, os escutava atentamente e prestando atenção em cada palavra que era dita. Um desses causos era sobre uma garota que um deles um dia tentara roubar de sua família, uma criatura que viera de terras longínquas, que tinha os olhos puxados - colocou os dedos ao lado de cada olho e puxou a pele para trás, deformando-a, deixando os olhos mais estreitos, e mostrando como era a garota - e toda uma maneira de ser que parecia muito paranóica para ele.

- Esse povo tem uma mania compulsiva por limpeza, na casa deles as mulheres limpam qualquer pó que possa ter caído em um dos móveis e o chão brilha como espelho, de tanto que o esfregam.

Luna olhou para Jonas admirada e ele sabia o quanto ela também gostava de limpeza, mas claro, não como esse povo de olhos puxados.

- Outra coisa estranha - continuou o senhor - é essa mania deles de comerem com paus. Isso mesmo, eles pegam dois palitos desse tamanho - fez um gesto com os dois dedos indicadores, deixando uma distância de uns vinte centímetros dentre eles - e os usam para comer. Não sei como conseguem, mas acho que não podem comer muito senão levariam o dia inteiro. E eu nunca vi nenhum deles que tenha mais gordura do que vocês dois e olha que eu a achei muito magra, garota. - Disse se referindo a Luna e ela corou. - Mas apesar disso tudo gostei da filha de um deles. Ela era diferente de todas as mulheres que eu já havia conhecido, mas eu acho que fiquei louco mesmo é pela aparência dela e como haviam me dito que mulheres do povo deles gemiam fino eu queria experimentar essa nova sensação. Eu era jovem, sonhador, achava que podia tudo, que poderia conseguir o que quisesse, e esse foi meu erro naquele dia em que tentei leva-la comigo. Nós planejamos e fizemos quase tudo corretamente. Ela fugiu na hora das orações e eu a esperei num bosque com meu cavalo.

Podíamos simplesmente ter corrido, ter fugido como loucos e só parado quando não conseguíssemos mais nos manter na sela. Mas eu estava doido de desejo e depois de alguns poucos quilômetros a convenci de que estávamos seguros e que poderíamos descansar um pouco. Deitamos no capim sob uma árvore que provavelmente tinha várias centenas de anos e ali nos amamos. Até hoje me pergunto como os guerreiros desse povo podem ser tão silenciosos, mas acho que na verdade eu não estava em condições de escutar nem mesmo uma árvore caindo, pois gemidos dela me ensurdeciam e me deliciavam. Ela parecia chorar. No começo isso me assustou um pouco, achei que talvez a estivesse machucando, pois uma grande diferença que percebi dela e de todas as outras garotas que já me deitei é que tudo nela era menor, mais apertado, por isso eu tomava muito cuidado para não machucá-la, mas não era somente dor o que ela sentia, os gemidos e o "choro" era mais de prazer do que qualquer outra coisa. E esses gemidos e gritinhos é que devem ter mostrado aos guerreiros onde estávamos, pois eles nos encontraram ainda no ato. O pai da garota me arrancou de cima dela e colocou uma espada na minha garganta. Dava para sentir ele bufando na minha nuca e a raiva enquanto falava com seus companheiros na sua própria língua. Nenhum deles a olhava enquanto se vestia e esperaram que terminasse para um dos guerreiros ajudá-la a subir na cela de seu cavalo e levá-la dali, educada e obediente, sem nenhum questionamento. Amarraram minhas mãos e as prenderam com uma corda de uns dois metros na cela do pai da garota, me fazendo cambalear todo o percurso de volta. Uma coisa que percebi é que não pareciam pessoas maldosas, somente com o orgulho ferido. O pai poderia ter corrido, me feito cair e me esfolado até a dor se tornar insuportável, mas me levou com honra, em passos lentos com o animal. Quando chegamos poucos estavam nas vielas da vila onde moravam. Com certeza estacam curiosos, mas aquele povo era espantosamente disciplinado e não interferiam nos assuntos com que não poderiam ajudar no momento. Me levaram por entre as vielas até um lugar onde eu sabia que o consideravam sagrado, onde uma vez, no dia que cheguei ali pela primeira vez, vi um homem se matando com um punhal no estômago e tendo a cabeça cortada logo em seguida, o que me fez ter a certeza do meu destino. Me jogaram no chão e continuaram todos em silêncio. Não ousei olhar para cima até ser chamado. O pai, me alcançou um punhal como o que eu vira o homem se matar. Nessa hora minha vontade mesmo foi de rir na cara dele. Esperava mesmo que eu me matasse? Somente abaixei a cabeça de novo. Ele jogou o punhal ao alcance das minhas mãos e gritou qualquer ordem a um dos guerreiros, que se posicionou ao meu lado. Ele ia cortar minha cabeça. Olhei de novo para o pai e consenti. Todos se afastaram, menos o que tinha se posicionado pouco atrás de mim. Levantei o punhal acima da cabeça e o segurei com as duas mãos e o abaixei com força no rumo da minha barriga, mas o desviei pouco antes de alcançá-la, cortando o tornozelo do guerreiro atrás. Ele pulou de lado, como quando somos picados por alguma cobra e em seguida tentou me acertar com a espada, mas eu já estava correndo. O pai gritou alguma coisa e quando olhei para trás para verificar, vi que um dos guerreiros retesava um arco. Tentei correr ainda mais rápido, mas o terreno era difícil, com muitas pedras e tropecei numa delas, caindo no chão com muita força, por sorte, pois enquanto caía escutei a flecha passando poucos centímetros sobre minha cabeça, e quando me levantei vi que tinha se fincado na terra pedregosa a poucos metros à frente. Me levantei e corri novamente, mas desta vez, sem ousar olhar para trás. Nenhuma outra flecha foi disparada e não sei qual o motivo, mas me deixaram viver e eu corri como nunca, agradecido por essa chance. E depois desse dia nunca mais vi a garota, nem mais ninguém do povo de olhos puxados. Senti saudades dela por um tempo, tinha algo nela que nunca consegui tirar de meu coração. Não sei o que lhe fora feito, para eles a honra de uma garota é algo sagrado, mas acho que ficou bem, os pais a amavam e era uma moça muito bonita e venerada dentre aquele povo e creio que, mesmo desonrada, hoje deve estar feliz.

Momento 11

Saíram da varanda já no por do sol. Tinham ficado conversando com os senhores, escutando várias histórias e acabaram perdendo a noção do tempo. Foram para o quarto se arrumarem para a festa de logo mais, já leves de qualquer problema que tivesse acontecido mais cedo.

Jonas pediu à taberneira que lhes preparasse um banho quente. Ela lhe respondeu que já o deixaria pronto e que trocaria a água para que pudessem ter um banho mais limpo. Jonas agradeceu, sabendo que Luna nunca aceitaria usar a mesma água de um estranho e também pela ideia não agradar a ele mesmo.

Luna estava feliz por poder tomar um banho. Sabia que as pessoas normalmente a achavam fresca e não entendiam sua paixão pela água, mas não conseguia se manter sem uma boa limpeza corporal, não gostava de sentir-se suja, de deitar-se em sua cama com o suor do dia. Ficou espantada ao perceber que Jonas também parecia compartilhar de sua opinião. Todas as noites, em sua casa, antes de escurecer, ele pegava água na bica e enchia a tina e depois somente voltava e brincava com o gato, esperando pacientemente que ela terminasse seu banho para que ele também o tomasse. Disse a ele que poderia tomar o banho antes, mas ele sempre insistia que a primeira água era dela.

Enquanto Jonas também tomava seu banho Luna se arrumava. Pegou o vestido que ele tanto adorara e o vestiu, delicadamente, pensando em como ele reagira quando o pôs pela primeira vez e em como reagiria agora. Quando Jonas voltou passava pó de arroz no rosto e um lápis de algo preto que ganhou do seu amigo … que comprara de um cacheiro viajante. Não ousou olhar para trás e se lembrou do que acontecera na casa de Jonas - "como sou boba" - pensou. Mas as coisas pareciam ter mudado muito nessas horas que se passaram. E achava que nunca mais se comportaria daquela maneira.

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