Não terminarei.

Ainda me lembro de quando meu pai me levava para pescar. Ele não era aquele tipo de pescador que pouco se incomodava co com as tantas picadas de mosquito. Era preferível por parte dele esperar o inverno, esperar a época em que os peixes mantinham-se mais tempo com fome, esperar calmamente até o barco chegar longe o bastante para se poder ver qualquer sinal de terra. Era assim que ele gostava. Saíamos de casa pouco depois da meia noite e caminhávamos cerca de quarenta minutos até a praia. Não se era possível enxergar nitidamente por conta de toda aquela neblina, mas ele sempre sabia onde estava pisando e nunca errava o caminho. Eu era muito pequena e fraca para carregar metade do que ele carregava, então me restava apenas sua garrafa de conhaque -que poucas vezes ele me deixava molhar os lábios- o meu café e dois cobertores. O frio deixava meu rosto muito vermelho e meus olhos ardiam sempre que os forçava pra enxergar algo.

Ele chegava, olhava a nossa volta: nada.

- Queria que sua mãe estivesse aqui.

Eu me sentava sempre na mesma pedra gelada e esperava ele arrumar suas iscas, suas varas, aconchegar os cobertores do meio do barco e me colocar no meio deles. Eu nunca vi ele sentir frio.

Ele remava por vinte minutos e parava. As vezes eu fingia cochilar pra ele se sentir mais a vontade arremessando a vara ao mar. E no fim, eu caia no sono.

Voltávamos sempre pouco antes das nove da manhã, até ai eu já estava mais animada e aquecida, mas cansada também. A um ano atrás, minha mãe fazia esse trajeto conosco, comigo no colo e cantando enquanto ele seguia dois ou três passos a frente.

Eu me lembro dela apesar de eu ter apenas sete anos agora. Sinto o cheiro dela no meu travesseiro e ainda o percebo procurando por ela na varanda.

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Aprendi a cozinhar sozinha aos oito anos, quando alguns homens bateram em nossa porta e ele só teve tempo de vestir seu casaco e me dar a ordem de me trancar em casa até que ele voltasse. Esperei por três dias. No quarto dia, ainda de manhazinha, papai voltou, barbudo, cansado e com um olho tampado. Parecia-se mais com os piratas das histórias que minha mãe me contava do que com meu pai. E parecia mais velho também.

Preparei seu banho, bastante água quente. Feliz por saber que estava segura novamente. Colhi alguns legumes e, acho que também com fome, fechei os olhos e matei um coelho. Comemos sem uma palavra ser dita. Fiz em minha mente meu agradecimento a Deus e a minha mamãe por não estar mais sozinha.

Correu tudo bem até meus onze anos, eu crescera e me tornara uma mocinha. Comecei a frequentar a única escola que havia na minha cidade. Haviam muitas crianças e apenas um professor. No final do ano letivo, os melhores alunos ganharam pequenos livros de contos, ganhei um que hoje não me recordo o nome, mas que falava sobre um pequeno marinheiro que pescara um peixe encantado que no final se tornara seu melhor amigo. Eu não tinha nenhum melhor amigo.

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Daiane Lopes
Enviado por Daiane Lopes em 08/12/2011
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