Dorovan Boa Morte, Capitulo 1: O Paladino da Sem-Vergonhice

O bardo, enquanto tocava uma animada marcha, fazia suas orelhas de gato acompanharem o ritmo da musica, um cliente, de pele escamada, soltou uma risada sibilante. Os outros, também com traços animais, em maior ou menor grau, riram em seguida, um pouco pela graça do bardo felino, mas muito mais pela risada do jovem com pele de serpente. A Taverna do Indomável seguia com mais uma noite normal.

Em uma das mesas, um enorme homem-urso, com algumas tatuagens tribais a mostra no torso nu, toma sua caneca de cerveja, que, mesmo para alguém daquele tamanho, parece maior do que deveria. Na mesma mesa, uma mulher, de roupas largas de mago e orelhas de raposa, apenas observa, um pouco assombrada, o homem-urso sorver toda a cerveja de uma vez só.

- “Então,” - Diz o homem, com sua voz poderosa - “você quer que eu te leve para Ax'aria, certo? E o que eu vou ganhar com isso mesmo?”

- “Cem peças de ouro agora, e outras quatrocentas quando voltar-mos para Kil'mer, entendeu?” - diz a mulher, sem se abalar

- “Está bem então, vou fazer isso, juro por minha terra, Far-bar!” - diz ele, abrindo um sorriso sem emoção.

Satisfeita, ela coloca sobre a mesa o pagamento adiantado, o homem-urso o pega sem hesitar.

- “Agora,” - diz o homem, - “vou dormir, pela manhã nós iremos partir, esteja preparada!” - e saiu, ainda houve tempo para ela responder: “Eu estarei!”, antes que ele subi-se as escadas. Na mesa vizinha, um homem com um chapéu emplumado ria sozinho.

No dia seguinte, o homem-urso já não estava mais na estalagem, levara o pagamento adiantado, lucrou sem esforço, sem problemas. Numa das mesas, a mulher estava de cabeça baixa, olhando para o próprio copo, já vazio, os olhos, um pouco inchados, denunciavam que estivera chorando. Em certo momento, um homem de chapéu emplumado sentou-se a mesa.

- “Ora, mas porque uma dama tão linda está tão triste? Não me diga que foi aquele bárbaro fajuto?”

Surpresa, ela apenas levantou a cabeça, sua boca aberta em uma interrogação muda, o homem continuou a falar.

- “Oras, eu bem que suspeitei, aquele sem vergonha nem mesmo decorou o nome certo, é Ferr-Bah, não Far-Bar! Acredite, eu nunca esqueceria o nome certo, não depois de ouvir ele tantas vezes enquanto aquela turba ensandecida me perseguia por quase um dia inteiro! Agora, se você quiser que um homem de verdade acompanhe você naquela viagem, acaba de achar a pessoa certa! É isso ai, proteção e, se você desejar, carinho por todo o caminho, e inteiramente grátis!”.

Com uma das orelhas caída, a mulher-raposa estava tentando entender o que acontececia.

“Quem diabos é você?” - Perguntou.

O homem, sem qualquer traço animal, com um cavanhaque bem feito e cabelos longos até o pescoço, e um rosto belo e bem definido, levantou-se e fez uma mesura.

- “Ora, ora, mas que indelicadeza extrema de minha parte, imagine só, deixe que eu me apresente, sou Dorovan, espadachim por opção, herói por acidente e mulherengo por vocação! O prazer, no momento, é todo meu, mas poderei dividi-lo com você quando desejar. E a belíssima donzela, como se chama?”

THUMP!, uma bota acerta os “adoráveis” (como costuma chama-los) de Dorovan.

- “Sophie, e eu não gosto de tarados.”

Dorovan se contorce e geme qualquer coisa sobre seus “adoráveis” antes de responder.

- “Bela donzela, eu não me lembro de ter dito que era um tarado, sou apenas um bom apreciador da vida. E...” - Ele senta-se e toma um pouco de ar antes de continuar - “... eu já estava indo naquela direção mesmo, então eu pensei que a companhia de tão adorável dama não seria má ideia, não é? E como você está mesmo procurando companhia, eu não achei que teria qualquer problema, certo?”.

- “E porque você está indo para lá?” - Diz Sophie depois de encara-lo por alguns segundos. Dorovan, já recuperado, faz um gesto arrogante com as mãos enquanto fala

- “E não é obvio? Em uma cidade de heróis caídos, que geralmente fazem o tipo deprimido e desanimado, as mulheres devem ficar muito solitárias! Como um herói, não posso deixar que isso aconteça! Irei para lá e farei todas as mulheres da cidade felizes! Esse é o dever de um herói! E que herói mais indicado para essa missão que eu? O mais viril dos heróis!”

THUMP!, um novo chute nos “adoráveis” de Dorovan.

- “Controle-se.” - Diz Sophie.

Dorovan caiu e contorceu-se no chão, o ar lhe faltando ao falar, de modo que a voz saia um pouco fina...

- “...Tá...bom... moça... mas... não bate mais ai não... senão... aquela história de 'o herói mais viril' vai... acabar sendo só historia mesmo...”

“Eu vou embora, e não preciso de um tarado me seguindo!” - Era Sophie, que se levantava da mesa, sua voz carregada de desprezo. Dorovan riu enquanto se levantava.

- “Bem,” - disse ele, recuperado - “isso quer dizer, já que você não tem qualquer senso de julgamento, que eu sou uma boa pessoa, não é mesmo?”

- “De que diabos você está falando, seu maluco? Qualquer pessoa com um mínimo de bom senso diria a mesma coisa!” - Era Sophie, indignada. Dorovan sorriu, calmo, tirou algo de dentro do bolso da calça e o arremessou para Sophie.

- “Até onde eu sei, qualquer pessoa com um mínimo de bom senso diria que aquele urso feio não era confiável, você, ao contrario, achou ele tão confiável que lhe deu o pagamento adiantado, isso que ele nem mesmo tinha começado o trabalho. Portanto, se você tem um julgamento assim tão distorcido, quer dizer que eu realmente sou um cara legal. E não sou tarado coisa nenhuma. E essa bolsa é sua, e ai dentro tem cem peças de ouro. E eu VOU acompanhar você nessa viagem, porque você, minha querida e bela dama, não sabe cuidar de si mesma, e eu não gosto de ver mulheres bonitas morrendo. Estamos entendidos?”

Sophie abriu a bolsa, olhou para dentro dela e então para Dorovan.

- “Mas, isso estava com o...” - Dorovan fez um gesto afirmativo com a cabeça e pousou a mão sobre um sabre que trazia preso a cintura, ela abriu a boca em uma exclamação muda.

- “Obrigada por pegar o dinheiro pra mim. Mas eu ainda acho que você é um tarado. Se achar que está ficando assanhado demais, acerto suas bolas, entendeu?” - Disse, hesitante, Sophie.

- “(Qual o seu problema com os meus adoráveis?). Ora pois, isso quer dizer que você aceitou que eu te acompanhe? Pois muito bem! Isso pede uma comemoração! Taberneiro! Traga cerveja, por favor!” - gritou ele, já se erguendo para ir buscar a cerveja.

- “O que?!? Nem pensar! Ainda é de manhã! Ninguém bebe a essa hora! E eu já estou atrasada o suficiente, vamos partir agora!” - Dizia ela, enquanto arrastava Dorovan para fora pela capa.

- “Espere um pouco! E quanto a reserva de viagem? Quer dizer que não vamos levar cerveja? Que tipo de viagem é essa em que não se leva cerveja? Ninguém de Laughton nunca lhe contou que é um sacrilégio sair numa viagem sem cerveja? Sério! Trevis, o Deus da Cerveja, exige isso de seus devotos! Eu já lhe contei que sou um clérigo dele? Verdade! E uma das minhas obrigações é tomar cerveja ao menos seis vezes ao dia! Você não iria privar um clérigo das obrigações da sua fé? Iria? Ei! Pelo menos vamos tomar um ultimo gole, hein? Hein?...” - E saíram da Taverna do Indomável, o taberneiro, que acompanhava a cena, finalmente entendeu porque dizem que o povo de Laughton não bate bem da cabeça...

Nume
Enviado por Nume em 08/01/2007
Código do texto: T339991