Dorovan Boa Morte Capitulo 2: Os Caídos de Ax'aria

- “Ora, mas veja só, nove dias em cima do lombo de um cavalo, sem cerveja, dormindo ao relento e enchendo de pancada todo tipo de coisa que entrava no caminho, por isso? Milhares de homens suados usando esses machados antiguados em uma fortaleza enorme, que cheira inteira a alguma coisa queimada. Além disso, estamos aqui já há duas horas e eu ainda não vi uma mulher. Diabos, se antes eu achava que os homens daqui fossem apenas sem jeito com mulheres, agora eu acho que o que eles tem mesmo é gosto por dar o rabo!”

Imediatamente, alguns homens olharam torto para Dorovan, que falava alto e sem preocupação, como se ninguém mais na cidade o pudesse ouvir, o que até poderia ser verdade, tamanho era o barulho que a cidade produzia. Milhares de martelos golpeavam o aço nas inúmeras forjas da cidade-fortaleza, e nos quartéis que pareciam se estender indefinidamente, homens elevavam suas vozes, uns discutindo planos de batalha, outros, antes de cada golpe de machado nos treinamentos. Os homens, num primeiro instante ofendidos, baixaram suas cabeças e seguiram seu caminho, porque eles sabiam que mereciam aquilo, era parte de sua punição. Assim é o Exército de Acha, a primeira linha de defesa de Brando contra as investidas dos monstros das selvagens Montanhas de Marfim, um exército de pecadores esperando por sua punição. Aqueles que, pelos motivos mais diversos, cometiam pecados além do que sua consciência podia suportar, vinham para cá, onde, defendendo com suas vidas o ideal de nação que era Brando, conquistavam o perdão para suas almas atormentadas. Ax'aria nasceu para ser um inferno onde se expiam os pecados.

- “Cale a boca, ou chuto os seus tão queridos 'adoráveis' mais uma vez, quer ver?” - Era Sophie, irritada.

- “Não, por favor, ainda não me recuperei dos últimos vinte que me deste, que o Indomável me devore! Por falar nisso, adorável Sophie, o que você tem contra os meus adoráveis? Vamos, confesse, é ciúme deles serem usufruídos por outras pessoas, certo? Você quer exclusividade, não é? Hein? Confesse!” - A essa altura, Dorovan já falava tão alto que a maioria das pessoas que passavam pela rua se viravam para apreciarem o show. Desde que haviam entrado na cidade, Sophie já havia acertado Dorovan quase uma dúzia de vezes, e a cada minuto que se passava sem que alguma coisa interessante acontecesse, mais ele focava sua atenção em irritar Sophie. O laughtoniano precisava de agitação, de qualquer tipo!

Exausta, Sophie coloca-se com as costas contra a parede de um pequeno edifício, aproveitando a sombra para amenizar o calor. Então, caiu. Sophie era uma mulher forte, mas o calor e o ar abafado da cidade cobraram seu tributo depois de horas caminhando no sol escaldante do verão.

Em outro lugar, já pela noite alta. Sophie dorme tranquilamente, coberta pela capa de Dorovan, na palha do estábulo. Sem muito dinheiro, com Sophie desmaiada e sem nenhuma estalagem por perto, Dorovan preferiu deixa-la descansar ali, no estábulo de mais um quartel. Não foi difícil convencer o capitão responsável a deixa-los pernoitar ali, ele até havia oferecido um espaço nos dormitórios. Mas, diante de tantos olhares cobiçosos entre os soldados, e este era o Exército de Acha, Dorovan lembrou-se, um exército de pecadores, o fizeram preferir o estábulo.

Sophie remexeu-se na palha, resmungou alguma coisa, rolou para o lado e então abriu os olhos, levantando-se em seguida, olhou para Dorovan.

- “O que houve?” - Perguntou, sonolenta.

- “Você desmaiou, achei que fosse uma insolação ou algo do tipo, mas parece que era só cansaço, você tem dormido bem?” - Falou Dorovan, recostado na parede, sem desviar o olhar da entrada do estábulo, para Sophie.

- “Com você por perto, tenho de dormir com pelo menos um olho aberto...” - Disse ela, enquanto se espreguiçava com a graça de uma raposa de verdade.

- “...Mil perdões pela intromissão, adorável Sophie, mas... Quem seria Hoaram?” - Desta vez, ele olhou para ela quando falou, curioso.

- “Ele esteve aqui, você falou com ele?” - Ela disse, surpresa, levantando-se.

- “Não, nada disso. Você resmungou qualquer coisa sobre ele enquanto dormia. Agora, corrija-me se estiver errado, mas imagino que seja por ele que você se enfiou nessa jornada até aqui, não é, adorável Sophie?” - Disse, zombeteiro.

Sophie foi até Dorovan, colocando-o de pé com um puxão na camisa. Em seguida, usou o joelho para acertar, mais uma vez, os adoráveis de Dorovan.

- “Por quê...?” - Dorovan gaguejou, perplexo.

- “Por que,” - disse Sophie - “para ter me ouvido, você chegou perto demais enquando eu dormia. Já se esqueceu do nosso acordo de antes?”

- “Sabe, eu sempre achei que olhar para cima em lugares fechados dava uma vista meio deprimente, mas até que a vista daqui é boa...” - Era Dorovan, que, caído no chão, via por baixo das vestes de Sophie.

- “Ugh! Eu vou te matar seu...!” - Disse Sophie, antes de uma pequena chuva de chutes...

Após algum tempo, Sophie estava novamente sobre o monte de palha, tentando dormir. Dorovan resmungava qualquer coisa sobre seus novos machucados. Então, ela sentou-se e falou com Dorovan.

- “Você está certo.”

- “Estou? Então você realmente só acerta os meus adoráveis porque não quer que outras se aproveitem dele? Minha querida, se for esse o caso, eu lamento, mas meus deveres de herói devem vir antes de meus sentimentos por você, eu devo trazer a felicidade para o maior número de mulheres possíveis, e certamente ficaria difícil fazer isso se eu prometesse da-la a apenas uma.”

- “Não é disto que eu estou falando, seu imbecil!” - indignou-se Sophie.

- “Não? Então, do que seria?” - Perguntou, curioso.

- “Sobre Hoaram. Eu vim para cá para encontra-lo.” Era Sophie, com a voz baixa e melancólica.

- “He, seu julgamento é mesmo engraçado. Tantos homens no mundo, e você escolhe justamente alguém dessa cidade maldita. Por acaso nunca te contaram que Ax'aria é uma cidade de pecadores?” - Disse Dorovan, sem perder tempo.

- “Ele é meu irmão. E você esqueceu de colocar o 'arrependidos' depois do 'pecadores', por favor.” - Disse Sophie, voltando a se deitar.

- “Desculpe.” - Era Dorovan, deitando-se e colocando o chapéu sobre a cabaça, mas sem tentar dormir. - “Arrependidos, hein? He, menina ingênua. Entre os pecadores, o único arrependimento é ter ido parar no inferno. Acredite, meu docinho, eu sei perfeitamente.” - Sussurrou, para ninguém.

Em outro lugar, um homem, de rosto severo e barba por fazer, estava sentado contra a parede, a sua volta dezenas de soldados dormiam, alguns apenas tentavam fazer isso, e uns poucos, como ele, deixavam o sono de lado e concentravam-se em outras atividades. Escrevia. Se era carta, ou mesmo um diário, nem ele sabia, não pensava em deixar outras pessoas lerem, mas sentia-se melhor assim, colocando as coisas em um papel:

Ax'aria. Neste lugar, os pecadores são perdoados. Ou, pelo menos, assim se acredita. É por essa razão que vim para cá. Mas, expiação dos pecados já não é mais meu destino. Tal coisa passa pelo arrependimento, e, que a Dama Altiva me perdoe, toda a dor e sofrimento deste lugar apenas serviu para que meu coração confirmasse ainda mais o meu pecado. Ax'aria não é, para mim, um lugar onde se possa encontrar perdão. Meu destino aqui é um só. Punição.

Quando terminou de escrever, leu para si. Cada sentença traduzia seus sentimentos de forma perfeita. Então, lembrou-se porque gostava de escrever, e porque viera para cá. Rasgou o papel, com raiva, depois contorceu-se até uma posição fetal e cobriu a face com as mãos, com vergonha de si mesmo.

Nume
Enviado por Nume em 08/01/2007
Código do texto: T340408