O indio vence a grande ave

O índio vence a grande ave

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Dia amanhecia clareando a floresta, Acauã e Iandara, acordavam logo que clareava como os outros jovens da tribo Suyá.

Estavam no interior de Rondônia, em plena selva amazônica, em uma área quase que intacta da floresta brasileira, era dia de festa na tribo, uma comemoração anual que celebrava a expulsão dos demônios do povo, e começara em uma época que nem Acauã nem Iandara sonhavam em vir ao mundo.

Na festa os índios usavam máscaras adornadas, representando os diversos animais da floresta.

As máscaras que eram feitas artesanalmente com cascas de árvores e raízes, imitavam as feições dos animais da floresta, e o encantamento da festa era não ter bichos repetidos

Acauã, que em Tupi-guarani significa Grande ave, decidiu fazer uma arara, e Iandara queria imitar uma jaguatirica, e durante toda a semana os dois se empenharam em caçar materiais na selva e catar penas coloridas para que as máscaras ficassem lindas.

Iandara era filha do cacique e além de formosa, era inteligente e gentil, e muitos índios, queriam acompanhá-la na festa, mas Iandara escondia sua paixão pelo valente Acauã, que era nutrida desde a infância.

Os dois estavam sempre juntos e sempre se aventuravam por novas conquistas, um dia chegaram a ir parar em território boliviano, saindo da proteção da sua tribo e deixando todos muito preocupados.

Assim que o dia clareou Acauã foi até a oca aonde Iandara dormia e a chamou, precisavam sair cedo para buscar o que queriam, iriam até uma local aonde teriam avistado um ninho de arara azul para poder complementar a máscara de Acauã, os dois decidiram não espalhar, para não serem seguidos por ninguém, e entraram mata adentro em busca da pena azul, que daria o toque de originalidade na máscara de Acauã, seguiram pela margem direita do rio Urupá, Iandara observava Acauã com olhos de admiração, apesar do jovem com seus 14 anos não ser diferente dos outros Iandara achava-o mais forte e mais bonito, e seguia-o sem preocupação com o perigo, sabia que estava protegida se algum animal aparecesse, e Acauã estava devidamente armado com seu arco e sua flecha e pronto para defendê-la, apesar de viverem quase que primitivamente, nas tribos era como nas cidades, os meninos demoravam mais pra perceber quando o amor acontecia, e naquele caso não era diferente, Acauã ainda não havia percebido o interesse de Iandara por ele e seguia seu trajeto sem perceber os olhares da moça, quando o sol já estava quente e Iandara cansada de andar , resolveram sentar-se a beira do rio para descansar um pouco, Acauã apesar de não querer parar, decidiu acompanhar a amiga, o sol que naquela região parecia ser mais quente que nas outras, fazia com que um mergulho no Rio fosse inevitável.

Iandara convida Acauã:

_ Vamos nadar Acauã.

Acauã rejeita o convite, seus olhos estavam como os de águia, em busca de algum rastro de ave que pudesse o levar ao seu objetivo, o ninho das araras.

Iandara resolve entrar sozinha no Rio, sobe em uma pedra e mergulha.

Acauã na margem continua focado em seu objetivo, e não percebe que a amiga estava demorando pra subir,quando se dá por conta, começa a falar da margem.

_ Pare de brincar Iandara, suba logo.

E Iandara nada de subir.

Mesmo sabendo do fôlego da amiga, Acauã começava a se mostrar preocupado, e olhava incessantemente para o fundo do rio, pra ver se avistava a índia.

Quando percebeu algo estranho, Acauã mergulhou desesperadamente para tentar achá-la, as águas do rio eram escuras naquela área, mas Acauã seguiu o trajeto de Iandara, mergulhando do mesmo local, quando chegou há uns 3 metros de profundidade, avistou o corpo da amiga desacordado com os pés presos no galho de uma árvore que estava caída dentro do rio, e submersa escondia todo o perigo de um simples mergulho.

Acauã com muita dificuldade conseguiu soltá-la, levou- a até a margem e empurrava desesperadamente sua barriga para que a água que estava em seus pulmões saísse, sem obter muito sucesso.

Acauã começou a chorar e ao ver a amiga morta diante de seus olhos, começou a se sentir culpado pelo que estava acontecendo.

Iandara continuava inerte, Acauã então se lembrou de uma oração que o pajé fazia ao Deus Sol e começou a declamar em um ato de insanidade e de amor:

Ó grande espírito, cuja voz ouço nos ventos, e cujo alento dá vida a todo mundo. Ouve-me!

Sou pequeno e fraco, e necessito da sua força e sabedoria, deixe-a viver mais um dia para contemplar seus raios.

Faz com que minhas mãos respeitem tudo o que fizeste e que meus ouvidos sejam aguçados para ouvir tua voz.

Ouve agora minha voz ecoar nessa mata, traz a alma de Iandara de volta para a casca.

Ajoelhou-se ao lado do corpo da amiga e chorou lágrimas do mais puro dos sentimentos, lágrimas de um coração partido, lágrimas que seriam capazes de inundar o mundo de tão reais.

Nesse instante então, algo mágico aconteceu, Iandara começou a tossir, talvez com a pressão da cabeça de Acauã sobre seu peito, e as águas do rio que antes se alojavam em seus pulmões, começaram a sair por seus lábios e seu nariz.

Acauã não se agüentava de felicidade, abraçava a amiga e com tanto sentimento que seria capaz de asfixiá-la novamente.

Iandara já entendendo o que acontecia, mas fraca ainda para qualquer reação, se fortalecia sabendo que o sentimento de Acauã por ela era mais que verdadeiro, e se sentia a adolescente, mas feliz do mundo por poder ver aquela demonstração de amor, mesmo que diante de uma quase tragédia que seria sua própria morte.

Acauã explicava a Iandara tudo que havia acontecido, com detalhes, e dizia que havia sido o deus Sol que havia salvado Iandara; Mas de repente tudo mudava, um barulho ensurdecedor cobria a mata e a copa das árvores se agitava, e Acauã temeu por ter contrariado o espírito da morte que já havia se apossado de Iandara e achava que o deus sol tendo a feito voltar a pedidos de Acauã, tivesse mexido com todas as leis da natureza, o barulho aumentava e estava próximo, os dois se abraçaram temerosos do que estava vindo buscá-los. Iandara então em um ato de coragem, movida pelo amor, pegou o rosto de Acauã entre suas mãos e deu um grande e longo beijo, e disse:

_ não me arrependo de nada, se morri e voltei pra te dar esse beijo, morreria de novo muitas vezes.

Acauã então se encheu de coragem e empunhou seu arco para tentar abater o espírito da morte que sobrevoava a floresta para levar sua amada.

Nesse instante, uma enorme sombra cobriu o sol e se fez sombra na clareira da mata.

E lá estava o inesperado, uma grande Ave de metal cinza, cobria o sol e suas asas batiam em direção giratória tão rápidas quanto a do beija flor, acauã não pensou duas vezes, iria abatê-la ali mesmo, se tivesse que levar iandara teria que levá-lo também, e começou sua luta voraz com o inimigo desconhecido, as fechas iam em direção a tal ave, com a precisão de quem faz algo movido pelo amor, e de dentro da ave de metal, algo havia sido arremessado em direção aos dois.

Iandara e Acauã pensaram que sua hora havia chegado, o que a ave lançou, os mataria e fulminaria na hora, e bateu ao lado dos dois, tirando sua atenção do céu, no momento exato em que o sol venceu a batalha com a ave de metal do espírito da morte, e voltou a brilhar na clareira, levando o som ensurdecedor e o vento forte pra longe dos dois.

Os dois se olhavam e não acreditavam no que estavam vivendo, como um simples passeio em busca de penas poderia ter dado em uma aventura dessas, procuraram ao redor, o que a ave havia “vomitado neles” e acharam um artefato de tecido, com letras impressas, FAB... Os dois acharam aquilo um grande sinal dos céus, que seu amor havia vencido a morte, levaram o artefato para a aldeia e o colocaram na máscara de Acauã...

E todos queriam saber o que havia acontecido com os dois.

A história de amor do Índio que venceu a ave da morte, enfrentando-a com suas flechas precisas, foi parar em outras aldeias e virou lenda.

A festa daquele ano foi à melhor de todas, todos celebravam o amor, a força do povo indígena e o poder do deus sol, com alegria e esperança de colheitas melhores.

Iandara dançava orgulhosa ao lado de seu herói, com a certeza que um dia, ao se casar com ela e tornar-se cacique, sua tribo estaria protegida pelo maior guerreiro que já havia nascido naquela tribo.

E não pára por aí...

Bem longe da aldeia na cidade grande, em um mundo que pra Iandara e Acauã não existe, os noticiários e os jornais falavam de um casal de índios de uma tribo primitiva em Rondônia que tentaram incessantemente abater um helicóptero da FAB (Força aérea brasileira) com flechadas, e que só pararam quando um dos soldados arremessou um boné em direção aos dois, a notícia no mundo moderno virou motivo de piada, a notícia no meio da selva, virou motivo de orgulho e força para um povo que não sabia que a tal ave de metal se chamava helicóptero, e que se depender da vontade deles, nunca, nem em mil anos, o amor dos índios terá uma versão diferente ou um final que não seja como o que realmente foi o amor provou sua força indestrutível e venceu mais uma vez.

Izabelle Valladares Mattos
Enviado por Izabelle Valladares Mattos em 29/01/2012
Reeditado em 05/12/2018
Código do texto: T3468774
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