Inefável paraiso

Era uma bela tarde de verão, quando Joana contemplava um inefável jardim, no qual havia tulipas, girassóis, rosas perfumadas e passarinhos cantarolando sem parar. Rodopiava de um lado para o outro, indelevelmente, como um pássaro que voava em céu aberto. Avistou um homem carregando um buquê de flores que partia em sua direção. Sorrateiramente, Joana foi sacudida por dois braços vigorosos que pertenciam a sua colega de trabalho, tirando-a do devaneio.

-Acorda Joana! É agora que temos muito trabalho a fazer, pois o Doutor Charles a espera na sala de cirurgia com um paciente em estado terminal.

-Tudo bem, deixe-me assistir o enfermo, logo conseguirei minha promoção para médica efetiva deste pronto socorro; faltam três dias para que isto aconteça.

Imediatamente compareceu na sala cirúrgica e concluiu a cirurgia, ao lado do médico, com sucesso. O doutor agradeceu o seu apoio e disse que estava tendo um ótimo desempenho, deixando-a embevecida por suas palavras sinceras.

Ao sair do centro cirúrgico, Joana esbarra inusitadamente em sua colega, Dra. Cristina, cujas mãos estavam segurando um café quente. Embora tivesse ficado toda banhada, não se queimou. Joana suplicou:

-Perdoe-me, não pude evitar tal disparate, mas será que não teria por ventura um meio que eu pudesse me redimir?

- Apenas aceite o meu convite para sair com uns amigos meus, pois não vejo a hora de apresentá-los a você. Que tal sairmos amanhã à noite para o cinema?

- Não posso, sinto muito, tenho que trabalhar; portanto, quero alcançar a promoção que tanto almejo.

- Tudo bem, mas dar uma saidinha para arejar a mente e conhecer novas pessoas é sempre interessante.

Joana ajudou sua amiga a enxugar a bata e logo após se despediu, partindo em seguida para apanhar o seu carro no estacionamento do Hospital.

Ao percorrer o longo trajeto, retornando para casa, a jovem médica a Sétima Sinfonia de Bethoven, fazendo-a recordar do sonho que teve, o qual permanecia em plena contemplação ao inefável jardim, quando um facho de luz encobertou-a completamente, levando-a a mergulhar num mar de escuridão.

*

João, um arquiteto de renome, encontrava-se em um apartamento todo mobilhado que havia comprado para se livrar do marasmo profundo. Tinha perdido a mulher que sofrera um ataque cardíaco fulminante. O lastimável arquiteto não parava de beber, visto que julgava ser o melhor meio de desamarrar o sofrimento atroz de perda da sua amada.

Depois de horas incessante de bebida, julgava-se cada vez mais arruinado, dirigiu-se até uma mesinha envernizada e colocou uma lata de cerveja sobre a mesa, quando, de repente, uma voz feminina soou com veemência:

- Quem você pensa que é para ter invadido a minha casa e se apossar de tudo que não lhe pertence?

João olhou extasiado e replicou:

-Sou apenas um pobre arquiteto, me chamo João e cheguei ontem nesse apartamento.

- Não acredito –disse a mulher- que você colocou esta latinha molhada de cerveja na minha mesa envernizada e manchou-a toda!

Sem compreender o porquê de tanta ira daquela jovem que por ventura se preocupava com tudo naquele apartamento, indagou-a:

- Como você diz que invadi seu apartamento se a corretora me disse que o local estava à venda e a proprietária tinha se envolvido em um sério problema e nunca mais havia passado por cá.

- Isso só pode ser uma pilheria, pois conheço cada objeto desta casa. Você pode ser retirar imediatamente, se não, chamarei a polícia!

- Como você está descontrolada, não é necessário fazer isso, não adiantará nada.

No exato momento, a jovem correu em direção ao telefone. Quando tenta pega-lo, o inesperado acontece, sua mão atravessa o aparelho, deixando-a extasiada com o fato extraordinário que nunca ocorrera.

-O que está acontecendo comigo? Por que não consigo segurar o telefone?

O arquiteto tentou agrada-la, apalpando-a; mas suas mãos não atingiram seus longos cabelos e acabou atravessando o corpo da jovem, abrindo um facho de luz. Imediatamente, João ficou amedrontado e cogitou: “ Será que essa mulher é uma alma de outro mundo e está me atormentando por eu ter me homiziado neste recinto?” Então , com um clima fúnebre, disse-lhe o que a corretora tinha mencionado à respeito da antiga proprietária:

-Espero que fique tranqüila em relação ao que vou lhe contar, logo lhe trará mais esclarecimentos. No último momento que estive com a corretora de imóvel, perguntei-lhe o que havia acontecido com a antiga proprietária deste apartamento, então me disse que tinha sofrido um trágico acidente com um familiar e se mudado para outro estado. Enfim, perguntei-lhe o nome dela e disse-me que se chamava Joana.

A jovem que estava envolta de um facho de luz ficou perplexa com a notícia e levando o seu indelével corpo e quase aos prantos disse:

-Não posso acreditar num fato como esse. Estou tão confusa que não me recordo de nada. Só sei que me chamo Joana e avistei uma imensurável luz que me cobriu, vindo de um grande caminhão.

-Meu santo Deus! Você realmente é a ex - dona desse recinto, pois o seu nome é o mesmo mencionado pela corretora.

Inusitadamente, o corpo de luz de Joana foi perdendo a intensidade e acabou desaparecendo na escuridão. João, logo em seguida, foi deitar-se no aconchego do claustro de seu quarto. Tentava-se recompor das grandes dosagens de etanol e esquecer o aparecimento daquele ser, pois, tal fato, não era nada se não a grande imaginação de um ébrio.

*

Ao acordar, dirigiu-se à cozinha, fez um café, fritou dois ovos e comeu com duas fatias de pão. Logo após, foi tomar um belo banho morno. O banheiro estava uma nuvem de fumaça, até o espelho estava embaçado. João passou as duas mãos no espelho para limpa-lo e surge do nada a imagem de Joana no espelho, rendendo-lhe um grande espasmo, seguido de um grito de horror:

- HAAAAAAAAAA!!! Meu Deus do Céu!! Eu não estava sonhando, foi pura realidade o que vi ontem, então você realmente existe!

Logo que ele olha para trás, a imagem da jovem desapareceu, sem deixar nenhum rastro. Foram dias e noites de tormento proporcionado pelo espírito da jovem que não se conformava da situação de alma penada. Teve uma vez que o pobre arquiteto caiu nas garras da ebriedade e foi como uma ovelha desgarrada atrás de uma garrafa de cerveja. Quando abril a porta da geladeira, lá estava Joana que lhe disse:

- Como você é um bebarrão incessante, não vai ser desse jeito, bebendo cerveja demasiadamente que irás se livrar do marasmo em que te encontras!

- Cruz credo! Você até aqui aparece!

O arquiteto pegou assustadamente à garrafa de bebida e fechou bruscamente a porta da geladeira. Nunca tinha levado um susto que lhe fez o coração saltitar como um poldro brabo. De imediato, tomou um trago de cerveja e foi se deitar ainda descrente das aparições dessa jovem irreverente. No momento em que se jogou entre os lençóis, quieto para descansar em paz, ouviu um esparro:

- Você é um sujeitinho muito impertinente e descarado. Quer por fina força se apoderar do meu lar o qual suei para comprá-lo. Já para fora! Rua!

O atordoado homem colocou o travesseiro contra a cabeça e falou:

- Eu não estou ouvindo nada que essa alma está falando, tudo é o fruto de minha imaginação que veio a tona para me inquietar.

- Você não está sonhando nem imaginando nada, estou aqui ao seu lado, viva e cheia de vigor!

- Não passas de um espírito inquieto cujo tormento faz parte de sua sina!

Com essas palavras, Joana sumiu inusitadamente do leito e João pode encontras o aconchego do claustro que tanto almejava.

Pela manhã, o temeroso homem recebeu o telefonema de Marcos, seu estimável colega de trabalho, que queria saber o seu paradeiro, visto que nunca mais tinham se comunicado:

- Como estás amigo? Todos na repartição sentem a sua falta. Não sabes o quanto perdemos com a ausência de um grande arquiteto.

- Estou com uma vida transtornada, pois está acontecendo uma coisa estranha em minha vida.

- Que acontecimento seria tão esdrúxulo em tua vida? Posso ficar ciente de tal fato ?

- Eu prefiro contar-lhe pessoalmente, pois me sentiria mais confortável.

- Que tal se nos encontrássemos na cafeteria Santa Clara a qual fica nas imediações de seu novo apartamento? Pelo menos, você me revela este mistério que ronda a sua vida.

- Encontrar-nos-emos então às 15 horas, tudo bem?

- Perfeito!

*

No tardar do horário acertado, estava João meio inquieto porque não encontrava o seu colega de trabalho na cafeteria como haviam combinado. Em um quarto de hora atrasado, o atordoado homem se aporrinha com a movimentação dos transeuntes que não paravam de entrar e sair. Nada de seu nobre amigo pairar sobre a sua vista, tal qual um pássaro voando na imensidão azul – celeste. Ensandecido com o descaso do amigo, levanta-se com vigor e parte para fora do estabelecimento, quando uma indelével mão pousa em seu ombro:

- Não te aporrinhas meu caro e aceite o meu convite para nos deliciarmos com um belo “capucino”. Desculpe-me o atraso, pois peguei um engarrafamento atroz que me deixou preso como se eu estivesse dentro de um vidro hermeticamente fechado .

- Sem problemas meu caro, a cólera de minha impaciência se esvaiu como as águas do lago de um deserto, cujo sol suga intensamente.

- Que bom que estou redimido. Creio que tens um assunto misterioso que queres tratar comigo; estou, pois, queimando de curiosidade.

- Eu avistei três vezes uma mulher que se julga proprietária do apartamento o qual comprei. Ela é tão petulante que invadi sem parar o meu novo lar. Chaguei até a trocar as fechaduras, mas ela entrou misteriosamente. Pediu para que eu expropriasse o seu lar!

- A companhia de uma mulher é sempre bem vinda! O que há de tão extraordinário com isto?

- Não é bem uma mulher. Para falar a verdade é uma alma que se chama Joana.

- Você só pode está imaginando essa mulher, pois não passa de uma auto-necessidade que seu inconsciente está criando para se livrar da solidão na qual te encontras.

- Sabia que não ia dar credibilidade as minhas palavras. Até logo. Preciso voltar para o meu “provável apartamento”

Despediu-se do colega sem tomar uma gota de café. Ao retornar ao apartamento, João, com jeito taciturno, querendo achar respostas para as razões dos inusitados aparecimentos de sua inquilina do outro mundo, avista uma loja de produtos místicos. Entrou nesta e perguntou ao vendedor se teria algum livro ensinando como despachar almas perturbadoras. Então o místico aconselhou–o um livro e algumas velas coloridas e incensos. Comprou todo esse material e os levou para seu apartamento.

Sentado sobre o chão, João espalhou algumas velas coloridas ao seu redor, em formato de circulo, botou alguns incensos e estava pronto para iniciar o ritual. Abriu o livro no capítulo referente a descarrego. Pegou uma vela numa mão e o livro noutra, começando a proferir as seguintes palavras mágicas:

- É com a intercessão dos elementos da mãe natureza: água, fogo, vento e terra; e a força de Deus pai todo poderoso, expulso definitivamente esse espírito de minha presença! Vai embora espírito! Vate!

O espírito da jovem olhava todo o cerimonial feito pelo arquiteto, achando inócuo a prática de feitiçaria e ao mesmo tempo burlesco a forma como o coitado vociferava a favor de seu despacho. Fitou-o com um olhar penetrante e disse-lhe:

- Como é inútil suas práticas de bruxaria. Hahahaha! Na certa o vendedor daquela loja de produtos místicos te ludibriou, pois não está surtindo nenhum efeito comigo. Ainda estou aqui

- Não é possível! Passarei nessa loja imediatamente, logo esse sujeito terá que me dar satisfação.

- Você, ao invés de me ajudar a desvendar os mistérios de minha vida, tais como o trabalho que desempenho na sociedade, se estou viva ainda e quem está me dando assistência; no entanto fica perdendo o seu tempo com estas banalidades.

João saiu subitamente em direção a loja, enquanto Joana permanecia inerte no apartamento, observando o jeito ensandecido do arquiteto ao sair do recinto. Quando João chega à frente da loja, logo fica aborrecido, pois já estava fechada. Para se livrar do descaso, decide, então entrar num bar para tomar uma dose de “whisky”. No momento que estava levantando o copo em direção à boca, Joana apareceu na surdina e advertiu-lhe:

- Nem pense em colocar nenhuma dose de álcool na sua boca, logo terás conseqüências nefastas.

- Quem você pensa que é para decidir por mim o que devo fazer?

Nesse momento, algumas pessoas olham estáticas para João, pensando que ele tinha fugido do manicômio por falar consigo. O “Somellier” chega a indagá-lo:

- Está tudo bem com o senhor?

- Sim, é claro que está!

Naquele exato momento, Joana decidiu incorporar em João. O pobre arquiteto começou a se saracotear involuntariamente, jogou a bebida nas pessoas que estavam próximas e saiu imediatamente do bar. A alma de da jovem desencarnou dele, dizendo-lhe:

- É bom que você me ajude. Ficarei muito grata com você por isto. Desculpe-me se incorporei em seu corpo. Fiz isso a fim de ajudá-lo. É incrível como me despertou um desejo de cuidar de sua saúde. Não suporto mais vê-lo decadente.

- Tudo bem. Acho que não pude aceitá-la, porem nota-se muito zelo seu por mim. De agora em diante, mudarei minha postura diante de você. Pode ficar tranqüila. Enquanto voltavam juntos para casa, avistaram, de repente, uma grande aglomeração em um restaurante. Chegando ao local, avistaram um homem prostrado ao pé de uma mesa.

- Chamem, por favor, um médico –disse o gerente do restaurante- este homem está inconsciente!

- Meu Deus! Agora me recordo que sou uma médica. Vá imediatamente socorrer este homem, é só fazer o que eu mandar, disse Joana.

Tudo bem, respondeu João. Imediatamente se manifestou diante da multidão que cercava o moribundo:

- Afastem-se que sou um médico. O que devo fazer?

- Abra a camisa dele e apalpe o tórax, caso essa região esteja rija, devemos fazer um orifício na altura do esterno para o ar comprimido se esvair.

- O que esse homem tem? Perguntou o garçom.

- Tensão “menantoráxica”, disse Joana, fazendo o arquiteto repetir também.

-Pegue uma faca pontiaguda, passe álcool para desinfetá-la na região do externo.

O pseudo- médico estava meio sem coragem, mas acabou pedindo ao garçom o que a jovem do outro mundo ordenou. Quando fez o furo, o homem desmaiado deu um suspiro e despertou atordoado. Após a prática médica, todos aplaudiram o gesto heróico do arquiteto que saiu vangloriado pelo reconhecimento obtido naquele momento. Depois dessa ocasião inusitada, finalmente voltaram para o apartamento onde dormiram juntos.

*

No despertar da aurora, Joana acorda sobressaltada e arranca João com um grito de alegria:

- Que maravilha! Recordei-me de minha irmã Júlia e sei onde ela mora. Podemos interpelá-la, quer dizer, você poderia fazer esse obséquio para mim de perguntá-la ao meu respeito? Seria tão bom se eu não estivesse morta.

- Não tem problema. Se você me disser onde a sua irmã mora, iremos até lá.

- Está ótimo meu querido! Vamos lá!

Assim que chegaram à casa de Júlia, João apertou a campainha e a irmã apareceu:

- Pois não? Em que posso ajudá-lo?

- Gostaria de perguntá-la algumas coisas a respeito de Joana, logo sou um grande amigo dela.

- Amigo de Joana? Para mim ela não tinha nenhum amigo, pois a rotina dela era da casa para o trabalho e do trabalho para casa.

- Sou amigo dela, mas em horas inoportunas. Eu gostaria de saber o paradeiro de Joana, porque estou muito preocupado com o que possa ter acontecido com ela.

- Infelizmente se encontra em coma intensiva e está sobrevivendo por intermédio de aparelhos no Hospital Dimenstain. Pretendo desliga-los, pois os médicos me disseram que não há mais o que fazer. As atividades cerebrais dela cessaram.

- Meu santo Deus! É o hospital onde trabalho. Eu não acredito que o meu corpo padece ainda em estado de coma. Ainda bem que não jaz n o cemitério.

- “A esperança é a última que morre”. Joana! Iremos ajudá-la a se recuperar e sair do coma, disse o rapaz.

- Com quem diabos você está falando?

- Estou com a sua irmã ao meu lado. Posso vê-la e falar com ela.

- Não me venhas com lorota boa, minha irmã está sob sedativos e você entra na minha casa dizendo que ela se contra defronte a você!

Diga que pode dá uma prova cabal de que estou diante dela. Hummmm! Deixe-me ver o que posso resgatar de minhas reminiscências ao nosso respeito. Já sei, diga que ela beijou na boca do primo de seu esposo, que foi o seu primeiro namorado, na adolescência, um dia antes de se casar. Este é um de nossos segredos, é, pois, a forma de convencê-la da minha presença aqui. João repetiu tudo o que foi dito por Joana. Quando ele menos espera, Júlia pega uma faca totalmente ensandecida e vocifera contra João:

- Seu bastardo! Saia imediatamente da minha casa.

Correu na direção do pobre arquiteto, fazendo-o esbarrar em uma prateleira cheia de taças, derrubando-as sobre o chão. Saiu logo da casa da irmã em direção ao hospital, na companhia de sua paixão espiritual.

Entraram de soslaio no Pronto Socorro, a fim de encontra o corpo que padecia engendrado de aparelhos os quais davam os últimos sopros de vida à padecente. De repente, Joana avistou doutora Cristina. A última lembrança que tinha dela, foi quando se esbarraram, fazendo, logo sua colega se macular com o pretume do café. Pediu a João que perguntasse a Doutora Cristina o paradeiro de seu corpo enfermo. O arquiteto, de imediato, interpelou a médica:

- Dra. Cistina! Sou um grande amigo de Joana e gostaria de saber onde ela se encontra?

- Está na UTI, ainda bem que você chegou logo, pois, amanhã, ao meio dia e meia, a irmã dela virá para assinar uns documentos, autorizando o desligamento dos aparelhos que lhe mantêm viva. O Hospital Dimenstain vai perder uma grande médica! Disse doutora Cristina com a voz plangente.

- Não admito prática de eutanásia! Eu acho revoltante um espírito não ter direito no mundo dos mortos. Mas que indignação.

O corpo de Luz da jovem subiu para a UTI atravessando as paredes e João se dirigiu para o mesmo destino. Chegando os dois no leito onde padecia o corpo de Joana. Avistaram-na em volta de aparelhos. O espírito, aos prantos, encarnou em seu corpo. Tentou levantar o braço e o que só se via era o facho de luz que cobria o braço da jovem alma, enquanto o corpo da padecente permanecia inerte, sem nenhuma reação.

- O que fazemos agora João? Não quero que a minha vida seja ceifada de uma maneira tão atroz como a prática da eutanásia. Como seria bom se eu pudesse me manifestar diante de todos os mortais.

- Não te preocupes minha querida, pois tenho um plano para solucionar esse problema.

- Qual plano seria tão deslumbrante que plairou em sua mente?

- Quando chegarmos ao nosso apartamento, dir-te-ei detalhadamente as nuanças de meu plano.

No desabrochar do crepúsculo, os dois enamorados estavam unidos no apartamento, contemplando o último raiar do sol. O amor dos dois parecia incondicional, pois lembrara a união de Eros com Tânatos. O Eros presente em João expurgava toda a fobia que Joana trazia em seu coração de tânatos. A jovem olha embevecida para seu amor e interpela-o com curiosidade:

- No Hospital, tu me disseste que tinhas um plano, qual seria?

- O plano que engendrei em minha mente foi de raptar o seu corpo. Vou pedir ajuda ao meu amigo Marcos para praticar esse delito. Embora seja um fato contra o consentimento de sua irmã, teremos mais tempo para cogitar à respeito do destino de sua vida.

- Parece uma loucura, mas estarei ao seu lado para apoiá-lo nesse feito insano. Como tu és um mentecapto. Isso não me empata de amá-lo.

João se contatou com seu amigo Marcos e explicou o plano desvairado de furtar o corpo de Joana. Apesar de ter ficado de muito siso com esse plano irracional, Marcos resolveu ajudá-lo. Chegou pela manhã, faltando apenas uma hora para a padecente dá o último sopro de vida. Saíram tão rápidos no furgão de Marcos; parecia, pois, que estavam em uma corrida, ultrapassando todos os carros que atravancavam o caminho e chegaram no inalcançável Hospital. Estando lá, entraram a surdina em uma sala onde guardavam uniformes médicos e se vestiram. No momento em que alcançaram a sala da UTI, onde permanecia Joana. Avistaram-na ao lado do Doutor Charles. Ele pediu para que se retirassem, pois só estava contando com a presença de Júlia para que assinasse os documentos, autorizando-lhe a desligar os aparelhos de Joana. O arquiteto, na identidade de um pseudo - médico, disse-lhe:

- Estou aqui para fazer uma última inspeção em Joana.

- Não pode, pois ela está sob os meus cuidados.

O jovem já estava sobressaltado. Queria entrar e o doutor segurou-o, impossibilitando-o sua passagem. Então, com uma cólera, aplicou um soco no pobre médico. Correu em direção da padecente junto com o amigo e empurraram-na presa em uma cama, envolta de aparelhos. No momento que dobraram em um corredor para chegar à saída mais próxima, depararam-se com Júlia e alguns seguranças que tinham sido alertados pelo médico golpeado por João.

- O que vocês pensam que vão fazer com o corpo de minha irmã seus crápulas?

- A sua irmã não quer morrer injustamente por eutanásia. Ela está ao meu lado e se indigna com essa decisão.

Imediatamente, João, levado pelo amor que transcorria no âmago de seu coração pela jovem que estava prostrada na maca, abraçou-a aos prantos e beijou, indelevelmente, a rosa que avistou no rosto da enferma, dizendo-lhe:

- Este beijo é por todo amor que sinto por você!

Dito estas palavras, algo inexplicável surte no momento: A enferma dá um grande suspiro e desperta do mar de escuridão onde se encontrava. Estava atordoada.

- Meu Deus! O que aconteceu? Onde é que estou e quem é esse rapaz que está próximo de mim? Indagou a jovem fênix, cuja vida surgiu com o beijo caloroso.

- Você não se recorda do João?

- Não, infelizmente não o reconheço.

O arquiteto saiu na companhia do amigo, totalmente desolado por ter sido irreconhecido por Joana. Partiu para o apartamento, pegou todos os seus pertences e se retirou. Foi morar por alguns dias na casa do seu amigo Marcos.

*

Passados três meses, Joana já estava completamente Sã. Já havia reassumido o seu posto como cirurgiã no Hospital Dimenstain. De volta para casa, apreciou todos os compartimentos com os mínimos detalhes. Queria avistar minúcias presentes em todos os objetos. Na ocasião em que plaira seus olhos sobre um banco envernizado o qual estimava muito, avistou uma mancha circundante. Logo ficou intrigada com o fato, pois era muito escrupulosa com todos os seus móveis. Um raio de luz brotou, exalando um perfume de rosas que vinham da cobertura a qual fazia parte do apartamento de Joana. A jovem, revestida de mistério, resolveu seguir o facho de luz que emanava do ápice do prédio; quando dá os seus passos voluptuosos em direção à porta, abrindo-a. Parecia um presente de Deus, pois um inefável jardim pousara em sua vista. Joana, embevecida, dá um espasmo:

-Meu Deus! Esse Jardim é igualzinho ao que vi em meu sonho. Que maravilha!

Por de trás de uma roseira, apareceu um jovem, cujas mãos seguravam rosas. Aproximou-se, dizendo-lhe:

- Receba as mais doces rosas que foram plantadas no fundo do meu coração com todo carinho e amor.

Então os dois se abraçaram e beijaram-se como se o amor dos enamorados tivesses sido predestinado por Deus.

Raphael Arruda
Enviado por Raphael Arruda em 21/01/2007
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