LATEJANTES HORAS

A água fria de uma fonte escorria a sonorizar a tarde pela janela; os micos, pássaros e cigarras continuavam seu canto, formando uma paisagem peculiar de um lugarejo longe da agitação urbana. Mas, diante de toda calmaria, algo pulsava freneticamente das entranhas e todo ambiente se rompeu em uma hora latejante, como um martelo a destruir cada veia do cérebro com o seu barulho ensurdecedor. Assim, certo dia sentiu o homem que buscava nas montanhas de Minas refúgio para as preocupações cotidianas.

Mas afinal, o que era aquele ruído latente nos tímpanos que fazia a cabela doer além do insuportável, a ponto dos sentidos irem se esvaindo pouco a pouco? A sensação provocada era como de uma morte súbita: o coração a bombear mais sangue que o normal, a ponto de entupir veias e artérias. A pressão daquelas horas era demasiada e diante daquela dor flamejante, interrompeu-se o encanto da mata.

O que teria provocado aquela perturbante sensação? A resposta estaria nas águas, em alguma picada de um inseto peçonhento ou quem sabe teria sido provocada por uma outra pessoa? A evidência mostra que aquele homem em busca de refúgio nas Minas Gerais procurava também o que de mais precioso surge por estas terras, entre todas as belezas naturais escondidas pelas cidades e povoados montanhosos: a liquessência perfumada de uma figura feminina, capaz de provocar ao mesmo tempo paz e inquietude, como se os pulsos fossem cortados de uma só vez, mas a vida não se esvaísse neste limiar entre vivenciar o extremo de existir ou não neste plano e fosse necessário mais energia e fluído do que o corpo é capaz de produzir.

Diante daquela sensação provocada por alguns instantes de fulgor intenso, aquelas horas despertaram a plenitude capaz de elevar o corpo a estágios pulsantes únicos e desencarnar naquele momento não seria exatamente migrar para o paraíso. Como desejar livrar-se de um momento de permanência ou pelo menos de vislumbre da possibilidade de outros experiências sensoriais como esta? Só a recordação daqueles momentos já poderia provocar calafrios, despertar os sentidos mais íntimos, exalar cheiros e desencadear pulsações provocadas pela memória latente.

E neste ímpeto de recobrar o fôlego e o pulso, a respiração difícil foi voltando aos poucos e a dor se aliviando diante da visão da mulher que carregava dentro dela um rio, capaz de ao desviar de curso despejar tanto líquido, que alagava qualquer ambiente.

Assim, naquela tarde, diante da fonte de água, no meio do som de pássaros, cigarras e macacos, antes de mais um pôr-do-sol, depois do cérebro pulsar como um terremoto, a vida daquele homem não se foi, mas tampouco permaneceu sendo a mesma e jamais seria, desde que ele provou o suco daquela mulher, destilado de prazer intenso.

Foi necessário para ele nadar todo o Atlântico e atravessar continentes só para perceber que a cura para toda dor encontrar-se-ia no soro antiofídico, roubado do próprio veneno da víbora: a encantadora Lilith a perturbar para sempre seus sonhos e a lhe tirar do seu lugar, levando-o para o rio dos prazeres intensos, nos extremos onde todo o líquido corpóreo jorra e as pulsações alcançam o estágio em que a matéria e o tempo de tornam ilimitados. E neste novo estado de ser, não se pode explicar os limiares entre o deleite pleno e o sentir-se morto por um momento, uma pequena morte que leva a liberdade, ao respirar ao menos por uma horas, latejantes sensações.