Herege- O ultimo Arcano.

I

Soube que viriam desde noites atrás, não deixariam barato um herege como eu, sim heresia, é do que estou sendo acusado, por deixar claro em público não seguir doutrinas tais como as pregadas por aqueles homens de túnicas belas e moram em construções monumentais. Sei que logo viram os seus carrascos e poderá ser a minha morte uma lição, um aviso para que outros não façam como faço; vila após vila já atravessei, pelo visto os boatos sobre minha presença chegam rápido, correndo pelo vento e assim não sou recebido como hóspede. Na noite passada, veja só, dormi em um estábulo velho, nem sequer animal existia ali, apenas palha semi seca, a madeira da qual era a construção estava podre, mesmo assim, quando o dono daquela velharia imunda chegou, expulsou-me sob a ameaça de um pedaço de pau.

Espero poder alcançar o limiar dessa terra-de-almas-podres-em-busca-de-salvação, antes de ser alcançado pela cavalaria-santa, o senhor rei dessa espelunca deve de ter cedido soldados para a caçada ao Pecador a pedido daqueles ditos Servos-de-Deus. Pobres dos animais que carregam seu peso. Quantos devem ser? Cem? Nunca vi tropa menor para buscar ‘foragidos’, exagero. Veja, as vilas estão um caos, casas caindo aos pedaços, quando feitas de madeira, podres, quando feitas de pedra, esburacadas, contudo, em todos esses lugares sempre há um imenso templo luxuoso, veja só! Eu sou o herege?

Um calor imenso cresce em minha alma, o desejo de usar meu dom, prometi não fazê-lo e não farei. Sou o ultimo Arcano, não deveria permitir que um descontrole qualquer levar os planos por água a baixo. Mas se eu for pego. Se eu morrer?

II

O Arcano, sua túnica prateada finalmente arrastava para fora das terras sob o domínio de seus carrascos, a lua acabara de subir alta no céu, o cheiro verde e a liberdade escura da noite alimentavam sua esperança. À frente via as colinas, com seus topos calvos e imaginava as concavidades entre todas elas como covinhas de bochechas das moças jovens e esbeltas quando sorriem e ao longe o Lago, descê-lo-ia para finalmente se preparar para a o novo confronto, vingar sua classe que fora assassinada, enforcada, queimada e pegar de volta o Tesouro.

Fizera seu acampamento no topo de uma das colinas, ascendera uma fogueira e dormiria ali, usando a túnica para apoiar a cabeça, não estava frio a ponto de precisar estar coberto por tantos tecidos. Assim que se deitara para ler as estrelas, ouviu um rumor de terror delas, algo estava errado, não demorou para sentir o pequeno tremor na terra causado pelos golpes dos cascos dos cavalos que vinham há três direções.

Os soldados não deveriam ir até tão longe, não deveriam, embora ali estivessem chegando, com suas lanças e espadas, armaduras de metal, um peso exagerado para homens e animais, -Sou tão perigoso e valioso assim? Pensava o homem no topo da colina.

-Faça, Faça, Faça. Diziam as vozes, se negou, embora a raiva que nascia em seu intimo quase o fazia perder o controle.

Uma ventania violenta começara, assustando os cavalos, alguns cavaleiros caíram, outros apenas recuaram um pouco, assombrados com a demonstração de poder do homem ao qual estavam à caça, os mais experientes e corajosos seguiram o caminho até o topo e ali se depararam com o ser de estatura média, cabelos negros acinzentados tal como seus olhos e pele pouco morena segurando seu manto prateado.

-Não o olhem nos olhos! Gritou um dos soldados, o mais experiente e líder do grupo.

O turbilhão de vento cessou. O homem parado então, sem reagir fora amarrado e levado arrastado pelo caminho, pois não era o suficiente a captura, necessitavam humilha-lo.

III

Fora torturado durante dias afinco, preso numa cela sob o grande pátio do sacerdote primordial do país, ali todos os acusados de crimes tais como o dele, heresia, bruxaria, complô e outros eram castigados e interrogados. Os gritos duravam dia e noite, os calabolsos nunca estavam vazios, os carrascos pareciam ter prazer em castigar a todos, independentemente de qualquer razão que os colocasse ali.

A frieza e ausência de qualquer marca que demonstrasse dor ou sofrimento no Arcano irritavam seus carrascos que tendiam a feri-lo cada vez mais, a ponto de deixa-lo à beira da morte. Durante as semanas que ficara ali naquele lugar melancólico e obscuro, ficava entre a beira da morte causados pelos espancamentos e o período atirado ao canto para que suas feridas se curassem e a tortura recomeçasse. Durante todo esse intervalo, no seu intimo uma força violenta crescia, assim como crescia seu ódio por aquelas pessoas, já não poderia mais conter sua fúria interna.

Seu julgamento? O mais ridículo possível. Sentados em seus tronos, as Altezas, Rei, Rainha e o Grão-Sacerdote; o povo fora convidado e estavam muitos no passo daquele verdadeiro palácio que em seu subsolo muitos estavam sofrendo naquele momento. Mal podia entender do que eles tanto gritavam em seu sermões ao povo, estava ajoelhado e ferido de morte, pouco conseguia abrir os olhos em sua face ferida e quase irreconhecível, sua mente estava focada, embora o corpo já não aguentasse mais o sofrimento pelo qual passava.

IV

Enfim chegara o ultimo dia. O dia da pena escolhida pelo Grão-Sacerdote para que ele pagasse por seu ‘pecado’ de nãos e submeter e ceder o conhecimento das artes arcanas aos seus homens. Seu corpo estava menos ferido, havia se curado ao pouco que ficara sem as lástimas da tortura, pois queriam-no reconhecível naquele momento, o momento de decapitá-lo em frente ao povo. A pena seria levada a cabo na mais populosa e majestosa cidade do reino, a servir de exemplo de poder dos que governavam. Grande parte população estava em volta da circular praça central, onde o homem fora levado arrastado por cavalos e preso humilhantemente à guilhotina.

-Tens a chance de redimir-te de teu pecado! Frente a todo o povo do Senhor, peça perdão e prometa obediência!

-O meu pecado será tirar a vida de todos vocês, que matam por seus desejos egoístas e os que vem com prazer ver o sofrimento alheio! Irei queima-los todos até que não sobre cinza desta cidade!- Gritou o Arcano mergulhado na profundeza de sua ira e todos sentiram um pesar em suas almas ao ouvirem tais palavras.

O Rei, assustado com a ameaça de seu prisioneiro assentiu com a cabeça em direção ao carrasco que libertaria a lamina da guilhotina por pavor de que aquele homem fosse poderoso a ponto de poder fazer o que falara. O grandalhão libertara a corda e a lamina da guilhotina descera, contudo parara antes de tocar a carne do homem e subira e fora lançada longe contra os que assistiam, como se um gigante arremessasse-a, o pânico tomou conta. O carrasco fora ordenado a cortar a cabeça do prisioneiro com seu próprio machado, contudo quando o ferro tocou a carne do mesmo, tornou-se em pó e o braço do agressor se incendiara.

Um brilho dourado nascera nas costas do homem ajoelhado, como asas da aurora, seus olhos negros que antes eram vazios agora brilhavam num fulgor, a chama acendera dentro de si e os olhos refletiam seu poder. Seus grilhões se despedaçaram e o que sobrara da guilhotina tal como o machado virou cinzas instantaneamente; a correria começara, os membros do alto escalão estavam fugindo catatônicos com a desgraça que se abatera sobre eles. Incêndio começou em todos os lugares, e trovões despencavam das negras nuvens acima, sobre a população, os limites da cidade se incendiaram formando um circulo de fogo, ninguém poderia sair, a chama consumia tudo e todos sem perdoar alma alguma. Nenhum sobrevivente e a famosa cidade branca agora era apenas cinza e pó, sob os pés do ultimo e mais poderoso Arcano que estava ali, no centro do caos, olhando para longe com seu manto de prata e olhos vazios.

Ariel Lira
Enviado por Ariel Lira em 04/04/2012
Código do texto: T3594147
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