Terras Metálicas

Prólogo

Saturno

- Toma cuidado para não desmaiar viu!

- É, a gente não está a fim de te carregar para casa.

- Ah, calem a boca vocês dois! – Raquel gemeu em resposta.

- Tudo pronto para começar – uma quarta voz anunciou em quatro alto-falantes presos ao teto – Quando você quiser.

Raquel Onero fechou os olhos desaparecendo com a sala oval, respirou fundo porque a adrenalina já pegava carona na hemoglobina elevando seus batimentos cardíacos. Não queria batimentos elevados logo no começo ou acabaria desmaiando mesmo, como Tales dissera.

- Comece!

Assim que gritou, Raquel saltou sobre a estrutura trançada de metal. O vento imediatamente cortou seu corpo magrelo com velocidade suficiente para fazer as bochechas subirem, ficando iguais as de um buldogue. Os dentes brancos foram expostos, bem como a gengiva, e os cabelos dourados se espalharam como espaguetes no ar.

Foi nessa hora que Raquel abriu os olhos.

A sala oval de antes tinha um teto baixo, quase claustrofóbico, onde os alto-falantes ficavam pendurados um em cada ponto cardeal. Luzes neon cuspiam claridade cegante nas paredes quase inteiramente prateadas, salvo um ou outro ponto onde janelas ovais, as mesmas que os amigos usavam para vê-la, foram colocadas. Raquel estivera de pé sobre uma estrutura de metal trançada que afundava consideráveis centímetros sob seu peso, logo abaixo só a completa escuridão era vista, estendendo-se até o infinito.

Aquela sala havia desaparecido.

Agora o que a rodeava era o mais puro azul celeste. Uma vastidão imensa, estendendo-se para cima e para o horizonte, tão longe quanto pudesse ser imaginado; abaixo, tons variados de verde pintavam a superfície do planeta esquecido com precisão de pinceladas. Prestando atenção era quase possível ver a curva que esse planeta fazia no espaço, uma esfera gigante a ponto de ser confundida com um disco. O sol brilhava no alto, recobrindo de luz os pontos onde tocava. Raquel atravessou uma cortina de nuvens e quase pôde sentir a maciez descrita nos livros, o algodão úmido que vagaria pela atmosfera até concentrar-se o bastante para despejar toneladas de água em alguma região azarada.

Ela estava suspensa diante da visão, o corpo em sensação de queda livre em Saturno, o parque temático da Esfera. Raquel rodou e rodou, dando mortais e piruetas sem sair do lugar graças a grande corrente de ar na direção contrária. A sensação dava frio na barriga, atiçava a liberdade e mais... Sentia-se voando naquele céu artificial, como um peixe num oceano de pouca densidade, ficava fácil entender porque voar foi uma coisa tão cobiçada por povos de eras passadas...

E era algo que poderia ser experimentado a qualquer momento, pelo resto da vida, se a sorte estivesse a seu lado amanhã.

A sensação não durou muito, e após giros e giros que não embrulharam seu estômago, a potência do vento diminuiu. Raquel fez um bico quando o vento deixou de ter força para transformá-la num buldogue.

- Já acabou? – Ela reclamou com os alto-falantes, os joelhos dobrados pelo vento – Não durou quase nada!

Nenhuma resposta veio, o vento continuou diminuindo e o céu sofreu um espasmo voltando a se tornar a sala oval. A garota pousou de barriga sobre o gradeado tendo dificuldade para se recompor. No fim uma porta circular se abriu quando as múltiplas camadas de metal se sobrepuseram, expondo a saída que deveria ser seguida.

Mesmo com a experiência recém tida Raquel vinha com a expressão fechada. Caminhou desajeitada pelo gradil e saltou até a parte firme do outro lado. Ignorando os dois amigos e o tashi, tratou de concentrar sua raiva numa janelinha ali perto.

- Não durou nada! – Reclamou com o vidro fumê – E eu estava chegando na melhor parte!

Uma gaveta se abriu abaixo da janela.

- Mas a melhor parte dos seus créditos já acabou.

Ela pegou o pequeno cartão virando-o.

- Eu ainda tenho nove partes!

- Só que é preciso um crédito e meio para continuar.

- Isso é um roubo!

A gaveta se fechou anunciando que a discussão estava terminada.

- Vamos Raquel, você já queimou todos os seus créditos aí... Chega.

Ela virou para Ângelo e Tales.

- Não venha com essa, eu ainda não terminei!

Tales abraçou sua cintura, puxando-a.

- Mas seus créditos já acabaram. Vamos, você não quer ser expulsa daqui de novo...

Raquel se desvencilhou com certa dificuldade, os três tinham os mesmos doze anos e de uns tempos para cá disputas físicas começaram a se tornar um problema.

- Vamos embora Raquel. Vamos! Vamos! Vamos! – o tashi pediu com sua voz metálica, os circuitos azuis em suas costas iluminando as paredes conforme voava – Amanhã é a cerimônia de implante, vocês têm que estar descansados!

O tashi era uma pequena esfera um pouco maior que as extintas bolas de tênis. Metade de sua superfície era recoberta por metal e micro circuitos que emanavam minúsculos pontos e caminhos azuis, a outra metade era um visor côncavo capaz de reproduzir imagens, dar notícias ou acessar a televisão local, mas que na maior parte do tempo emitia um fundo branco com dois gordos pontos e um risco, numa imitação simplória do rosto humano. Haviam também as variações, faces tristes e felizes e o tremer da boca quando falava com sua dona Raquel. No momento o tashi reproduzia olhos finos e boca pequena, o voar agitado, a forma que a máquina tinha de demonstrar nervosismo.

- Sossega Tashi! Eu sei muito bem o que vai acontecer amanhã!

Tashi era o modo genérico como aqueles companheiros eram chamados, porém, quando Raquel o ganhou, era pequena demais para ser criativa e dar-lhe um nome diferente, tashi passou a ser Tashi desde então.

- A tricentésima cerimônia de implante – Tales falou enquanto o grupo seguia para fora do parque – Falaram que o próprio Vitor vai vir dar as honras. Vocês não ficam animados?

Pessoal esse é o primeiro capítulo de um livro que estou tentando publicar. Bom ou ruim, se puderem deixar um comentário estarão sendo de grande ajuda!

Até mais!

Gantz
Enviado por Gantz em 12/04/2012
Reeditado em 12/04/2012
Código do texto: T3608229