Uma velha história

A minha velhice já está bem avançada. Oitenta e dois anos, para ser mais exato. Por muito tempo escondi um episódio que aconteceu quando eu era jovem. Agora preciso escrever sobre o ocorrido, porque um acontecimento extraordinário destes não merece ir para os véus do esquecimento quando eu finalmente deixar esta Terra.

Eu tinha doze anos. Meu pai gostava de caçar e queria que eu aprendesse. Todo fim de semana ele pegava sua espingarda, colocava munição, arrumava nossas lancheiras, pegávamos o carro e íamos para a floresta mais próxima.

Não lembro direito o dia. Sei que foi em outubro do ano de 1941, acho que aconteceu no primeiro sábado do mês. Como de costume, arrumamos nossas coisas e saímos. Entramos na floresta e seguimos por uma longa trilha estreita que meu pai fizera há algum tempo atrás. Escondemo-nos atrás de uma moita e ficamos observando o lugar, à espera de algum alce para ser abatido. Lembro-me de termos esperado um bom tempo até que um aparecesse para beber água num riacho lá perto.

Esse dia eu iria atirar pela primeira vez. Depois de tanto observar meu pai, chegara a minha vez. Ele entregou-me o rifle. Um pouco nervoso, peguei a arma, mirei e atirei.

O meu primeiro tiro foi perfeito. Acertei meu alvo na região do peito. Ele caiu no chão e começou a agonizar. Eu era só orgulho e felicidade naquele momento. Meu pai colocava sua mão em meu ombro direito e dizia estar muito orgulhoso de mim.

Fomos até o animal abatido para leva-lo até a nossa casa e assar sua carne. A cabeça seria empalhada e a penduraríamos na parede de nossa sala. Este seria o meu primeiro troféu.

O alce estava em baixo de uma árvore. Quando nos aproximamos e meu pai se preparava para amarrá-lo começamos a ouvir passos e rapidamente estávamos cercados.

Os que nos cercavam eram parecidos com aqueles seres fantásticos dos contos de fadas, só que um pouco diferentes. Todos tinham uma aparência arbórea e seus corpos pareciam duros, parecidos com troncos. Seus olhos eram assustadores, porque revelavam uma estranha beleza que parecia vir de tempos muito antigos.

Alguns deles, com uma velocidade surpreendente, correram até nós e nos agarraram. Eram muito fortes e não conseguíamos nos soltar, uma verdadeira corrente de Hefestos, aquela mesma que prendeu o titã Prometeus.

Neste momento ele apareceu. Parecia um homem. Seus cabelos eram verdes e lembravam folhas de árvores. Era jovem e usava um manto marrom. Parou a nossa frente e fez um sinal para que eu fosse libertado.

Assim que me soltaram, ele, olhando-me profundamente, como se observasse minha alma falou-me numa voz tranquila, fria e cristalina:

-Jovem vil! O que fizestes foi grave, muito grave e merece uma punição.

Eu tentava fugir daquele olhar flamejante, mas era impossível. Todo meu corpo tremia. Tive medo, muito medo. Friamente ele continuou:

-Destruístes algo que é sagrado para mim e farei o mesmo com você.

Ele olhou para os seres que seguravam meu pai e disse:

-Esmaguem esse homem! Seu filho o verá agonizar até a morte. Assim pagará por seu crime.

Fiquei desesperado. Cai ao chão e comecei a suplicar:

-Por favor! Não faça isto. Posso fazer qualquer coisa por você. Dê-me uma chance? Por favor. Não mante meu pai.

Ele fez um gesto e os seres pararam. Sua voz fez-se ouvir novamente:

-Você faria qualquer coisa para salvar a vida de seu pai?

-Sim! Eu faria.

-Então tenho uma missão para você!

Ele aproximou-se do alce e observou seu peito. No lugar que o tiro pegou ele pôs sua mão e arrancou-lhe o coração. Olhou-me mais uma vez e estendendo-me a mão que segurava o órgão do animal me disse:

-Por sorte o coração não foi atingido! Como vê, ainda bate. Segure-o. Este será teu relógio.

-O que devo fazer?

-Você deve procurar a pedra da vida e trazê-la até mim! Se o coração parar de bater, significa que seu tempo acabou e o de seu pai também.

-Como acharei essa tal pedra? Como ela é? Esta floresta é muito grande.

-Você saberá quando achá-la! Agora, cale-se e ande logo se quiser poupar a vida de seu pai.

Comecei a correr desesperadamente com o coração do alce em minhas mãos.

Procurei em vários lugares, tive meu corpo ferido por espinhos e pelos muitos tropeços que dei pelo caminho.

Já estava escurecendo. Eu estava numa clareira. O coração batia mais fraco agora. Foi então que vi um brilho forte a minha frente. Corri até lá e parei amedrontado.

Aquela era a tal pedra. Não era muito grande, dava para carregá-la tranquilamente. Mas ao seu lado havia uma coisa terrível. Era uma enorme serpente que repousava em torno daquele objeto. Ao perceber que eu estava perto, começou a rastejar até mim.

Até hoje não sei como consegui, mas naquele momento tive muita coragem e peguei um pequeno tronco a minha volta. Dei com o pedaço daquela arma improvisada em sua cabeça e quando ela caiu, comecei a dar-lhe vários golpes até matá-la.

Peguei a pedra e toque o coração do alce. Ainda batia, mas estava muito fraco. Pus-me a correr, eu não tinha muito tempo.

Não sei como encontrei o local que estavam os seres e meu pai, porque sai sem observar o espaço ao redor para gravar um caminho de volta devido ao meu desespero. Mas sei que consegui chegar até que rápido, antes que o coração parasse.

Lá estavam todos eles. Aproximei-me, fui até o líder e entreguei-lhe a pedra e o coração. Com minha voz trêmula e cansada eu disse:

-Aqui está sua pedra, e o coração do alce ainda bate! Por favor, liberte meu pai agora.

-Vejo que ainda bate. Ele continua vivo.

Aquele ser que saiu dos primórdios da Terra colocou o coração de volta no animal e apontou a pedra em sua direção. Esta começou a brilhar e sua luz fez com que o ferimento cicatrizasse. Alguns minutos depois o alce abriu os olhos e lentamente levantou-se. Acenou com a cabeça para seu mestre e pôs-se a correr.

À ordem daquele enigmático ser, os seus auxiliares então libertaram meu pai e começaram a se afastar de nós. Aquele homem vindo dos tempos antes da criação olhou-nos mais uma vez e disse:

-Agora estão livres! Podem ir embora e nunca mais ponham os pés por aqui.

Rapidamente todos desapareceram. Ficamos sozinhos. Meu pai deu-me um forte abraço e disse:

-Obrigado por salvar minha vida meu filho! Vamos sair rápido daqui. Aprendemos a lição. A partir de hoje os dias acabaram para nós. Não quero problemas com esse povo novamente.

Pegamos o carro. Fizemos todo o trajeto até nossa casa sem dizermos uma palavra. Nunca mais tocamos no assunto. O medo sempre calava nossas vozes quando queríamos falar disso. Mas agora aí está o fato ocorrido.

Pronto! Agora posso morrer.

Daniel Tomaz Wachowicz
Enviado por Daniel Tomaz Wachowicz em 30/04/2012
Reeditado em 05/08/2012
Código do texto: T3642008
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