Quasímodo

Estrábico, magricela, com uma leve corcunda. Era essa a figura de P..., auto-apelidado de Quasímodo, um jovem solitário, que vivia em uma casinha alugada, atrás da igrejinha da cidade, quase esquecida por Deus, lembrada apenas uma vez por mês pelo pároco da cidade vizinha e por uma ou outra beata.

Quasímodo vivia sozinho, dormia sozinho, comia sozinho e criava sozinho... Era carpinteiro, biscate, entregador, encanador... E nas horas vagas, dava azo à imaginação e se dedicava ao que realmente amava: esculpir.

A imagem dos doze apóstolos, o cristo crucificado, a virgem Maria e a Santa Terezinha, padroeira da vila, foram todas esculpidas por ele, que, no entanto, jamais havia entrado na igreja. Algumas velhas carrancudas diziam que era um mistério que “aquela coisa” houvesse feito algo tão bom e que devia ser algum rebento do diabo, pois nunca haviam escutado uma oração saindo de sua boca.

A sua principal obra, no entanto, não era nenhuma imagem sacra, mas uma cigana, esculpida em pedra. Os detalhes eram tão ricos que alguns meninos, que entraram na casa dele para provar sua coragem, diziam que a estatua estava viva e dançava alegremente.

A imagem, entretanto, não tinha rosto. O padre, que aparecia lá depois da missa para cobrar o aluguel, uma vez o indagou porque nunca terminava a obra:

- Estou esperando, padre. Estou esperando.

E assim, passavam-se os dias naquele lugar devagar, com a vida besta. Até que finalmente algo interessante aconteceu. O circo chegou!

Um circo aparecia naquele fim de mundo a cada geração. Os mais velhos contavam as crianças sobre palhaços, malabarista, cães adestrados e engolidores de espada. Devido ao tempo e ao tédio da vida comum, transformavam a fantasia circense em algo ainda mais espetacular e por isso quando o sujeito com nariz vermelho gritou para todos os cantos “Hoje tem marmelada?”, todos correram para responder “tem sim, senhor!”.

Todos, todos não. Um ficou. Quasímodo. O feio observou toda a balbúrdia pela fresta da sua janela. Nunca ouvira falar em circo. Fora criado por ninguém e por um monte de gente e pessoal alguma tinha lhe falado sobre palhaçadas e mágicas.

A música alegre o fascinava. Uma equilibrista que se divertia com um guarda-sol também. Por um momento, ele quase correu para a calçada para ver aquela mulher mais de perto e junto com as crianças responder à pergunta do palhaço “E o palhaço o que é?” “É ladrão de mulher”. Mas foi só por um momento. Ele se olhou no espelho horrorizado e decidiu ficar.

Ao invés disso, pegou suas ferramentas e esculpiu o rosto de sua Esmeralda na pedra. Retratou, de maneira sublime, a beleza, a inocência e a alegria daquele apaixonante rosto.

Desejou dançar, desejou abraçar, desejou beijar aquela imagem e por mais um momento algo fantástico lhe ocorreu. A cigana de pedra dançou, o abraçou e o beijou. Mas como o outro, este era só mais um momento, que passou. No instante seguinte, estava sozinho de novo e a imagem era só isso: uma imagem e talvez uma recordação do que poderia ter acontecido.