O MISTERIOSO FLORISVALDO

Era um homem muito triste, que vivia seus poucos momentos de paz ao visitar o túmulo da amada no final de cada tarde. Ali, falava com ela em pensamentos, relembrava momentos de felicidade e de alegria. Na verdade, até tinham sido bastante felizes, é certo que, pelos esforços da morta, poderiam ter sido muito mais afortunados no amor e mais prósperos no que diz respeito aos bens materiais. Porém, alguns de seus tropeços o viúvo preferia não recordar nesses diálogos mentais.

Há seis meses, dês de o dia do enterro, visitava diariamente aquela campa sem nenhum adorno artificial, somente uma grande variedade de pés de flores, que ainda não haviam florescido, plantadas por ele mesmo.

Chamava-se Florisvaldo Rosa, nome que sempre odiou. Talvez, influenciado pelo nome, nunca se encantou com as flores, nunca as havia cultivado antes e jamais presenteou a amada com uma delas, apesar das indiretas de Margarida, esse era o nome da finada, que sempre deixou bem claro o seu encanto por elas e o romantismo que representavam.

Poucos dias após o funeral sentiu uma necessidade imensa de plantar as flores, seria a satisfação tardia de um desejo da falecida. Por toda cidade procurou uma grande variedade: gardênia, rosa, camélia, crisântemo, margarida, antúrio, boca de leão, lírio, copo de leite. Dispensou as que não consideravam tão lindas a ponto de merecer um lugar naquele ambiente de devoção. Por uma semana essa foi sua principal atividade, até que nenhum espaço restava sobre o sepulcro.

Já não vivia tão infeliz, pois nunca havia conversado tanto com a companheira, como estavam íntimos agora. Aqueles encontros de fim de tarde eram, na atualidade, o objetivo de sua vida, esperava ansioso o fim do expediente em seu trabalho e seguia quase correndo pelos dois quilômetros que lavavam ao cemitério.

Finalmente veio a primeira estação de primavera após a perda da esposa. Ao chegar mas uma vez ao campo-santo, Florisvaldo teve uma surpresa que o fez soluçar de emoção, o jazigo estava completamente florido. No entanto, outra particularidade não o surpreendeu completamente, como se já esperasse, todas as flores eram margaridas. As margaridas nascidas na roseira tinham cheiro de rosa, as nascidas nos pés de crisântemo, tinham cheiro de crisântemo, as nascidas no pé de boca de leão, não tinham cheiro nem boca, nem cheiro de leão, mas, um doce cheiro de almíscar. Porém, as mais deliciosas foram as nascidas do pé de margarida. Essas sim, tinham o cheiro da sua Margarida, aquele cheiro que ficou na casa, no seu corpo, no travesseiro e no colchão. Essas foram as primeiras que ele comeu, e sentiu a maior felicidade do mundo ao comer a primeira margarida, uma felicidade que encheu o corpo de jovialidade e a alma de uma satisfação tão completa, que pensou que iria enlouquecer. A partir desse dia as flores do sepulcro passaram a ser sua principal dieta, e os brotos jamais deixaram de florescer, fez-se uma primavera perene sobre aquele jazigo.

Hoje é um homem realmente feliz, agora, orgulhoso do sugestivo nome que sempre carregou, grita para quem desejar ouvir: sou Florisvaldo Rosa de Margarida, ao seu dispor.

Ps. Os concidadãos de Florisvaldo consideram-no um exemplo de pessoa, íntegro e honrado, porém, jamais entenderam sua implicância com abelhas e beija-flores

Ernani Maller
Enviado por Ernani Maller em 10/06/2012
Reeditado em 24/06/2012
Código do texto: T3716908
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