Os Filhos De Araendys - 02

Haviam caminhado alguns poucos dias. Andavam por dentro dos rios, escondidos nas sombras das matas fechadas que se ocultavam da luz do luar.

A pequena menina chorava entre tantos outras crianças amontoadas ao centro do acampamento improvisado.

- Calma pequena, vai ficar tudo bem!

A voz serena do homem que poucos dias atrás ameaçava abandoná-la no meio da cidade invadida pelos mercenários parecia oferecer um diminuto acalento à menina. Não fora culpa dele, pois agia em função da necessidade de se salvar e também, seus filhos. A mulher forte que não soltara a sua mão agora apoiava sua cabeça no colo e acarinhava seus cabelos. Seria sua nova família, mas não sabia até quando. Seus pensamentos pareciam fazer sua cabeça dar voltas, e causavam uma certa ânsia em seu frágil orgânismo.

- Dizem que há um grupo de guerreiros capaz de desafiar os mercenários. Dizem por aí que já caminham por nossa terra e se fortalecem. Não fique assim menina! Quem sabe um dia não será forte o suficiente para se unir ao grupo.

Sem responder nada, a pequena apenas suspirava. O casal se entreolhava e admirava seus filhos ali, todos juntos, aquecendo-se uns aos outros, enquanto escapavam do horror. O homem virou para sua mulher:

- Meu amor. Temos que dar um nome a ela. Ela ficará com nós, só a Grande Mãe sabe quanto tempo.

- A Mãe Natureza é sábia. Há de deixar a criança conosco pelo tempo que for necessário. Nos proteger, e indicar a melhor forma de cuidar dessa criança. Quem sabe um dia não será tão forte que poderá se tornar uma guerreira a insurgir contra esses terríveis mercenários.

O homem parecia retornar de um pensamento longínquo e disse quase num supetão:

- Vamos chamá-la de Tita. Esse vai ser o nome da menina, assim é que vamos chamá-la: Tita!

A mulher se riu ao ouvir aquele nome tão repentinamente. Mas o marido já parecia ter se decidido e ela não tinha nenhuma sugestão no momento. Não era algo que o motivassem a se gastar em alguma discussão. Tita, um nome que lembrava de longe, ou ao menos em som, iustitia, que em latim significava justiça. Algo já tão esquecido e apagado como o próprio nome que surgia na boca do seu marido. Um lamento, um clamor, que explodia em seu peito, se misturava e se confundia. Assim seria o nome daquela criança.

Para a pequena menina um nome que lhe ajudaria a se reerguer como uma nova pessoa. Fincada em suas forças e em novas que despertariam.

Naquele exato momento chegou até ela um pedaço de papel, um recado rabiscado.

- Veja, Tita! Uma mensagem para você! Você sabe ler? Ora... Deixe que eu leia para você, pequena.

A robusta mulher de traços angelicais leu com voz baixa o conteúdo da carta para a menina. Era de seus pais. Haviam escapado, caminhavam em outro grupo e sabiam que estava viva. Era possível que se reencontrariam em um dos entroncamentos por onde passavam, camuflados pela paisagem, todos que abandonando suas casas fugiam dos mercenários.

- Parece que é para a menina... Muito parecida com a descrição que deram. - Disse o homem que levara a carta, que aparentemente esperava algo em recompensa.

-Obrigado, meu senhor. Mas não temos nada para retribuir sua generosidade.

- Nada? Você tá louco? Eu tive o trabalho de trazer esse bilhetinho! Eu devia ter rasgado essa porcaria. É bom ter qualquer coisa para me compensar!

O homem que cuidava de Tita pediu para sua mulher se aproximar dos filhos, com a garota e protegê-los. Logo as pessoas em voltas se aproximaram para assistir a confusão. Alguns até se agitaram com aquela movimentação repentina. A tristeza, no entanto, inundava os olhares, que assustados, não compreendiam a força da ignorância que se instalava no coração de homens que mesmo fugindo do absurdo da violência, traziam pedaços dela prensadas à própria alma.

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 20/06/2012
Reeditado em 03/07/2012
Código do texto: T3735109
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