Cena I - Primeiro Ato

Ato I – As cortinas abrem-se. A luz intensa desce sobre o palco; sobre o antigo soalho de madeira, um ponto escuro atrai o olhar, fazendo-a parar um instante. Volta-se, bruscamente, ao público no escuro que enche a platéia. Um súbito temor de seu papel faz com que permaneça em silêncio durante mais alguns instantes.

Precisa ser perfeita agora porque a platéia não liga ao prosseguimento. O que acontecerá com a história depois não importa.

A platéia espera ansiosamente a atuação da atriz principal. Nos instantes de silêncio que parecem intermináveis, uma tosse seca ecoa pelo teatro, como um ronco sombrio; murmúrios breves se escutam; um choro de criança começa, seguido de passos que se extinguem, saindo do teatro. Sem poder enxergar muito bem, a atriz sabe que os olhos estão postos nela. Baixa a cabeça em direção aos próprios pés, com um mal-estar de constrangimento. A estão avaliando, justo nas circunstâncias em que se encontra. Ninguém sabe de seus sofrimentos. Embora não consiga se concentrar na vida fictícia que precisa assumir, não pensa na sua, e ainda assim sabe que tem motivos para sofrer.

Então, ergue a cabeça abruptamente, tomada de uma coragem que nem parecia sua, um olhar que não era mais o seu, gestos que não lhe pertenciam. Começa a falar naturalmente coisas que não diria e talvez jamais pensasse; e quando fala não reconhece a própria voz, como se alguém estivesse falando em seu lugar. Mas é uma voz forte e viva como nunca tivera e desejara muito ter. Uma pronúncia firme de convicção irrefutável. Que, se admite que a revidem, não admite renúncia. Um homem entra no palco e fala também. Uma voz que ela desconhece e, no entanto, comunica-se com ela com a intensidade de quem sabe demais a respeito do interlocutor.

A mulher no palco dança com desenvoltura um ritmo flamengo. Canta como uma prima-dona. A mulher no palco vira o rosto rosado ao homem à sua frente. Escuta-o e dirige-se a ele com inteligência invejável. A mulher no palco enfim beija-o demoradamente, um beijo que não lhe pertencia, um que era tão distante e ousado como não vira nem veria além daquele instante.

A cortina se fechará. E tudo estará terminado. Um tremor agita seus dedos das mãos. Abre os olhos, com a boca ainda nos lábios do homem à frente. Não o vê, porém. Seus olhos vêem o palco. O palco. Com as luzes no teto oculto. Lágrimas começam a brotar e escorrem pelas faces rosadas. Um choro que era seu. Não o queria. Apertou os braços em torno do desconhecido, apertou os olhos. Que o instante não termine, por favor! Adivinha a platéia emocionada à frente. A mulher do palco era encantadora. O que fizera e dissera certamente cativara o público.

Sem conter as lágrimas, abriu novamente os olhos e viu o homem no canto do palco segurando uma corda. Estava prestes a puxá-la. Fitou o homem em súplica, esperando que a compreendesse. A expressão na face dele ficou séria, como se ele estivesse mesmo compreendendo. E foi com uma seriedade penosa de quem lamenta seu dever que começou a puxar a corda, lentamente. A platéia explodiu em palmas. Ela ainda pôde ver e escutar o barulho das pessoas levantando-se e gritando vivas! e bravos!. A euforia fez com que ela sorrisse de seu momento consagrado. Esticou a mão na tentativa de impedir que a cortina se fechasse. O pano escorregou de seus dedos trêmulos. Viu ainda o soalho com a mancha preta, e apagaram-se as luzes ao mesmo tempo em que a cortina acabou de fechar-se. Não viu mais nada.

Clarissa de Baumont
Enviado por Clarissa de Baumont em 08/02/2007
Código do texto: T373719
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