Os Filhos De Araendys - 03

Os olhos mergulhados no mais puro ódio exibiam riscos vermelhos de veias que pareciam saltar de sua alma. Até um homem bom se padece do lamentável sentimento da ira frente a uma injustiça. Quem dirá ele que estava no centro do agressivo furacão.

Apesar da estatura aparentemente frágil, devido ao aspecto magro, em um rosto cujas covas marcavam uma história de cansaço, fome e fuga, sua força vinha do espírito combatente e combativo. Forjado nas mesmas condições que dilapidavam seu corpo físico, sua alma se tornara robusta e vigorosa. O sentimento de sobrevivência era sólido e se refletia no seu comportamento, em suas virtudes e atitudes que garantiam a sobrevivência de sua família em tempos como aqueles.

Ele tinha assumido a segurança da pequena criança Tita, que agora seguia junto de seus filhos. Muitos teriam decidido largar Tita à triste história impelida às crianças abandonadas. Se ainda houvesse ordem e as instituições funcionassem, assim como em qualquer outro lugar do infinito universo, então não haveria motivos para que nenhuma criança fosse abandonada, conhecesse a fome e o frio da desesperada insegurança e vulnerabilidade do abandono, na tenra idade onde tudo que haveriam de conhecer era o acolhimento e os sonhos.

Mas ali, os antigos herdeiros de Araendys experimentavam em Heuteria, seu mundo, a abominável experiência de assistir suas crianças rastejarem em troca de um pouco de comida. Presas fáceis do perigoso veneno colhido, por repugnantes homens, próximos às lágrimas de dragões, plantas que floresciam próximos à região dos vulcões e que recebiam esse nome porque eram constantemente cobertas pelos rios de lavas expelidas pelas erupções vulcânicas. Um veneno que ocultava a fome à medida que aproximava a mente da morte.

Um bilhete havia sido enviado para Tita, através de um pequeno grupo de homens que acreditavam agora merecer uma recompensa. A família que cuidava da pequena garota não tinha nada para oferecer em troca do favor feito. E por causa disso, aqueles homens espancavam cruelmente o pai que protegia os filhos e Tita.

Com o corpo dolorido das pancadas que recebia e um talho de sangue que irrompia da sua testa o pobre homem indefeso clamava aos deuses por proteção. Os agressores divertiam-se com sua maldade. Não era incomum encontrar pessoas que tentavam tirar proveito dos indefesos que, juntos, fugiam dos mercenários. O velho homem, protetor de Tita, caia sobre os joelhos implorando.

Os olhos sedentos dos seus agressores já pousavam sobre suas crianças que poderiam ser vendidas por um bom preço, como escravos.

- Não se aproximem dos meus filhos, ou eu mato vocês! - Disse o homem, apoiado com uma das mãos no chão com uma voz fraca, mas invencível.

Seus agressores riram. Uma barra de ferro levantada em uma das mãos contra a cabeça do pobre homem era o golpe final. A mão descia com velocidade, um punho firme direcionado por um coração frio constituía a exata descrição de uma arma fatal. Instrumento sórdido criado para tirar a vida.

Malditos sejam todos que fabricam armas!

A pobre mulher, agarrada às crianças via o marido próximo à morte. Sabia que não era o fim. A grande Mãe poderia ter planos para ele no plano espiritual. Quem sabe? Mas ela fazia em silêncio uma poderosa prece.

Sem saber de onde vinham forças, a robusta mulher avançou sobre o miserável que desejava matar seu marido, antes que a barra pudesse tocar sua vítima. Enfiando-o um tamanho e poderoso tapa na cara, viu o agressor, rodopiando, cair desacordado, estatelado no chão.

Os comparsas se assustaram, mas em menos de um segundo já se preparavam para avançar sobre a mulher.

Tita assistia a imagem de seu novo pai ajoelhado no chão, esforçando-se para não se entregar. Sua mãe e protetora momentânea, depois do movimento de explosão sem saber como agir, estava imobilizada pelo medo. Os dentes do grupo agressor surgiam como caninos num sorriso maldoso.

Um grito, que parecia um assobio agudo, então, irrompeu a floresta. Chegava a doer os tímpanos. Era Tita:

- Ninguém vai fazer nada? Vão deixar esses três homens nos atacarem? E quem será a próxima vítima? Olhem quantos somos?

O grupo reagiu ao apelo da menina como se acordassem de um torpor. Todos caminharam na direção dos três que ficaram acuados. Agora, a pequena multidão começava ficar inquieta e muitos queriam linchar os agressores. Vozes se faziam ouvir de dentro do agrupamento que avançava agitado:

- Estes covardes serão cada vez menos, sempre que agirmos juntos contra esse tipo de pessoas.

- Vamos acabar com eles!

Um outro grupo, liderado por um senhor de capas, cabelos e barbas longas e brancas, acabava de chegar ao local:

- Por favor! Não!

Todos voltaram para eles, intrigados. O senhor continuou:

- Não os ataquem, porque poderão matá-los. E a terra está saturada de sangue! A única coisa que farão é expulsar formalmente estes agressores do grupo. Se, por acaso, eles teimarem contra essa decisão serão carregados como prisioneiros, e serão trancafiados na primeira gruta que encontrarmos.

O grupo de covardes agressores aproveitou o momento de distração e saiu correndo em direção à mata. Imaginavam que a sua agressão ia ficar impune. Mas, sozinhos, logo encontrariam os mercenários Cruôres. A valentia ignorante lhe custaria nada mais do que uma morte dolorosa.

O homem de trajes claros como a neve que acabava de falar era um mago branco. Tinha em sua companhia um grupo de elfos e caboclos guerreiros. Todos haviam feito uma promessa de evitar o derramamento de sangue, que já era demais e sua terra já não suportava mais tantas mortes: espécies de animais eram extintas, famílias e clãs inteiros de pessoas eram dizimadas.

- Fomos atraídos por um som muito particular! – Disse, por fim, o mago branco analisando o sofrido agrupamento de pessoas à sua frente.

Um elfo deu uma bebida cheirosa e luminosa com gosto de chá de hortelã para o homem e a mulher que cuidavam de Tita. A pequena menina se aproximou do mago.

- Veja. Ela tem o sinal no pulso! – Avisou um dos caboclos ao mago.

Um dos elfos apontando para o braço de Tita mostrou o sinal. O símbolo, que emanava uma luz sutil, era um desenho de três luas em diferente fase lunar.

O mago observou o desenho com alegria. Porém, ainda com uma expressão séria no rosto disse em voz alta para todos:

- Muitos elfos, caboclos, gnomos, exus e anões andam agora pelas matas procurando conquistar a confiança dos humanos. Em três dias, devemos nos reunir em um local seguro. Se não nos organizarmos não poderemos inverter a situação atual. Não basta apenas esperar um milagre, é preciso, antes, que nós sejamos o milagre.

No entendimento do mago, aquele era o caminho para que os portais celestiais permitissem a liberação de algum milagre. Um fruto, que deveria nascer primeiro no coração dos próprios homens e mulheres.

- Veja meu bem! - Dizia a mulher e o homem que cuidavam de Tita.

- Estamos curados. Não sinto dor, não vejo nenhuma ferida. Aquela bebida nos recuperou a saúde. Estamos salvos.

Os ventos, todos, começavam a soprar em direção contrária e das matas e rios a antiga canção voltava a sussurrar entre as folhas.

O pequeno agrupamento que fugia do terror Cruôr, agora iria seguir aquele novo grupo que prometiam não somente segurança, mas a possibilidade de um novo mundo.

Gregório Borges
Enviado por Gregório Borges em 03/07/2012
Reeditado em 08/10/2012
Código do texto: T3758395
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