Campo de Luz [Parte 2]

Capítulo 2

O carro da família de Nohri e Megu estava parado em um interminável engarrafamento no meio de uma ponte. Estava quente, o sol brilhava sem qualquer timidez e as buzinas berravam enlouquecidas. Os motoristas já estavam impacientes e nenhuma informação acerca do que bloqueara o tráfego era divulgada. Contrastando com o nervosismo geral, o céu era o mais calmo e luminoso do ano. Cobria toda a cidade com seu corpo índigo e imperturbável.

- O que será que aconteceu? – o pai deles perguntou, voltando-se para trás.

- Deve ter sido algum acidente – respondeu Megu.

Estavam com fome e já tinha quase uma hora que estavam parados. A fila de carros não avançou nenhum um centímetro.

Uma carreta descontrolada veio na direção do carro deles. Estava em chamas e destruía tudo o que estava em sua frente, como um monstro de metal estridente, de pneus e fúria. Muitos carros foram empurrados para fora da ponte por ela, deixava um rastro de terror por onde passava. Não havia ninguém no volante, ela avançava sem qualquer controle pela pista, completamente desgovernada. O desespero tomou conta de todos, alguns tentaram saltar dos carros, outros tentavam correr e se esconder. Nohri viu quando uma mulher parou diante da carreta e de costas para o carro deles. Ela tinha a parte de trás do cabelo curta e a franja longa. Usava um vestido esvoaçante e uma máscara de porcelana que cobria seu rosto e o substituía por um semblante estático, pálido e lânguido, mas ainda assim misterioso, como o sorriso oco de uma imperatriz. Ela ergueu a mão direita lentamente, tinhas as unhas compridas e pintadas, mirou a carreta com um par de olhos penetrantes e no mesmo instante a carreta começou a diminuir a velocidade, como se tivesse medo da mulher que a enfrentara. Uma infinidade de fios de prata haviam se amarrado na carreta e a puxavam para trás impedindo que ela continuasse. A mulher manteve-se imóvel e concentrada no que fazia, como se já soubesse que aquilo tudo aconteceria. Um ar cintilante a envolvia, como uma aura mágica, como um sonho. Quando a carreta parou, antes de atingir o carro deles, ela desapareceu.

Levaram algum tempo para se recuperar do susto. Nohri percebeu que somente ele havia visto a mulher. Eles foram para casa e agradeceram a deus por estarem todos vivos. Naquela noite Naoko foi visitá-lo. Ele pensou em contar para ela sobre a mulher. Mas preferiu ainda não dizer nada. Quando estava voltando do jardim, havia ido levar Naoko até o portão, a mulher que apareceu no acidente estava sentada no balanço do velho carvalho. O mesmo olhar profundo, seus olhos eram amarelos da mesma cor do mel. O vento fazia seu cabelo serpentar, como se estivesse vivo e faminto. Ela parecia ter sido esculpida em um grande cubo de gelo, tamanha a brancura e rigidez de sua pele. Suas unhas estavam pintadas de vermelho e eram tão longas quanto garras. Em seu rosto havia uma máscara de porcelana que só permitia que seus olhos fossem vistos. Seu corpo se perdia dentro de um vestido muito longo que cobria mais da metade do gramado do jardim com seus babados, fitas e caldas. Ela se levantou graciosamente, tirou uma mexa de cabelo que estava em seus olhos e mirou no rosto dele.

- Você agora trabalha para mim – sua voz era firme e cortante, como a espada de um samurai.

- Está falando comigo? – Nohri perguntou espantado.

- Salvei a vida de sua família e o que quero em troca é que você seja meu escravo – ela disse calmamente, como se aquilo fosse a coisa mais normal e justa de todo o mundo. – Meu nome é Luhzia e a partir de agora você trabalha para mim – ela sorriu maliciosamente. Balançava os dedos com se estivessem arranhando alguma coisa. Seus olhos emitiam um brilho psicopata que competia com o brilho perolado das estrelas.

- Não irei com você – ele recuou. Olhou ao seu redor e não havia nada além da noite.

- Você não tem outra escolha, garoto.

Os fios de prata surgiram novamente e prenderam o pobre Nohri. Ele tentou resistir, esperneou e se debateu. Mas não adiantou, quanto mais se mexia, mais os fios apertavam sua carne. A noite escondeu tudo aquilo em sua escuridão e Nohri foi levado para a Loja de Máscaras.

Fillipe Evangelista
Enviado por Fillipe Evangelista em 11/02/2007
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