Ela chorava sorrindo

Ela chorava sorrindo.

Toda expressão de dor se consumia num sorriso labial, numa expressão faceira, numa sombra de amor. Qualquer lágrima que viesse percorrer seu rosto se tornava uma intrépida descobridora, uma navegadora. Mas ela continuava chorando, e o sorriso que formava em seu rosto me dava alegria.

Inexplicavelmente eu sentia algo familiar em seu rosto, em qualquer das formas que se apresentasse em minha casa. E mesmo assim continuávamos estranhas.

Alguma razão em estar aqui? Algum propósito para estar em minha casa agora?

Porque ouvimos tão alto as coisas? Um olho em outro olho, para que você pudesse ver os discos rosados que nos lembrava-nos o que nós poderíamos ser neste momento, e onde poderíamos estar, neste momento, esperando por algo lá fora. Isto é o que falamos sobre você e eu, e sobre eu não estar sozinha.

Ela está novamente sobre mim, e novamente há algo familiar em minha casa, agora, me perturba. Podemos ficar dias sozinhas, e mesmo assim não iremos nos reconhecer.

A razão em poder tocar você faz isso me levar para onde eu vim. Apenas me responda: porque não estamos em casa agora? O que podemos ser depois disso? O que seremos depois disso? Porque estamos aqui? Espere, eu continuo dentro de você. Dentro deste corpo que não me reconhece e ao qual não me reconheço. Esse corpo, perto de mim, que me torna o contrario do que eu sou.

Eu consigo sentir as cores que passam em sua cabeça, e eu consigo entender o que se passa dentro da sua íris. É uma conexão, e eu não poderia te explicar, eu não saberia aprender. Essa é uma das formas que eu conseguiria explicar o que está acontecendo aqui, e ali fora. Esperando você e eu não estou mais sozinha. Tem algo do meu lado, e se tornando minha ilusão. Minha ilusão está tocando minha nuca, e acariciando meus lábios. Minha ilusão pega no meu braço e encosta carinhosamente seus dedos em meus cabelos. Eu sinto novamente aquela familiaridade. Eu reconheço a voz, a textura, o cheiro. Minha ilusão se torna então o que está sobre mim agora, e eu a acaricio como objeto real. Porque ela está em minha casa agora. Ela é menor do que eu imagino, e mais delicada. Minha ilusão não me machuca, seus dedos são frágeis e me dão a impressão de poder quebrar a qualquer momento. E minha ilusão me pergunta carinhosa, e quase silenciosamente: “porque estamos aqui? Porque não vamos para casa? Porque nós estamos aqui agora? Espere, estamos dentro desse corpo que está no nosso lado. Alguém perto de mim faz eu me sentir iludida”.

Minha ilusão está tendo ilusões. Ela se confunde sobre quem eu sou e me pede para não deixa-la jamais. Ela segura meu cabelo como se eu fosse um cavalo, e chora, fazendo seu rosto sorrir. Minha ilusão é a realidade que eu buscava no choro risonho daquele rosto. E eu reconheço então a familiaridade de minha ilusão, que está do meu lado, me implorando para que eu explique o que está acontecendo.

Ela está dentro do meu quarto agora. Minha ilusão fala comigo, e não entende porque ela está lá. Seu corpo espera algo de mim, e eu não posso me mover. Ela me implora explicações, gritando com as paredes. Como eu poderia dizer à uma ilusão que não está acontecendo nada? Que ela é somente uma ilusão?

Maria Aguilar
Enviado por Maria Aguilar em 16/02/2007
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