As Provas

Naquele tempo, a iniciação de um cavaleiro incluía uma espécie de jogo. Por isso, tive que enfrentar aquele ritual de passagem. Posso dizer com certeza que eu realmente preferiria que esse processo fosse diferente e mais simples. Mas era como era, e todos que buscavam esse objetivo tinham apenas que se adaptar. Quanto a isso, meus mestres magos sempre deixaram bem claro:

– Não vai ser fácil, mas você tem que confiar em si mesmo e treinar muito.

Não ia ser fácil mesmo. O que eu teria que enfrentar na batalha final eram simplesmente dez monstros aterrorizantes, que eram verdadeiramente os principais terrores do mundo ocidental.

Treinar era tudo o que eu poderia fazer, e foi o que eu mais fiz, durante dois meses, um ano, três anos!

O treinamento era dureza: o programa oficial incluía cinco horas diárias de exercícios e orientação dos mestres. O treino incluía explicações e exercícios incessantes, que contemplavam as diversas especialidades que poderiam ser necessárias na batalha. Além dessas horas diárias de treino, os mestres magos também recomendavam fortemente treinar ainda mais um tanto em casa, para desenvolver um melhor condicionamento. E eu me dedicava sempre mais cinco, mais seis, mais sete horas.

Eu tinha alguns companheiros que buscavam o mesmo objetivo. Treinávamos juntos e tentávamos nos incentivar uns aos outros no meio daquele estresse todo. Mas no fundo cada um sabia que a sua batalha seria individual, cada qual tendo que superar seus próprios limites. Assim, cada um se dedicava como se fosse a coisa mais importante da sua vida.

Assim como todos os outros aspirantes, tive que estudar, nos mínimos detalhes, cada um dos dez adversários. Era um mais apavorante do que o outro. Eles eram capazes de atacar com uma variedade impressionante de golpes diferentes. Os mestres explicavam:

– A regra do jogo dizia que os aspirantes a cavaleiros só podem utilizar no máximo trinta e cinco golpes contra cada monstro. Então vocês têm que aplicar muito bem seus golpes, de maneira muito objetiva. É absolutamente necessário fazer render as poucas horas de disputa, para eliminar cada um dos inimigos tão cedo quanto possível.

Um companheiro lembrou que poderíamos ter dificuldades e indagou:

– Mestres, também aprendemos chutes e outros golpes baixos. Podemos usá-los?

– Não sejam ingênuos! Chutes e outros golpes baixos não são nem de longe tão eficientes quanto os golpes oficiais que vocês aprenderam. Deixem para usá-los somente em último caso, quando não houver outra alternativa.

Outro companheiro sentiu esperança com o uso de magia e perguntou:

– Mestres, nós também aprendemos magia. Podemos usá-la contra nossos inimigos?

– Não sejam ingênuos! Mesmo que os mestres tenham ensinado a usar magia, ela exige tanto gasto de energia, que só poderá ser utilizada contra apenas um dos monstros. Por isso ela deve ser reservada somente para o mais terrível dos seus inimigos.

Para mim, o pior dos inimigos sempre foi aquele conhecido como “o português”. Mas é claro que todos os outros eram atemorizadores do mesmo jeito. Tinha que conhecer cada inimigo como eu conhecia a mim mesmo, e isso não estava sendo nada fácil.

Para aprender a aplicar os principais golpes e dominar o uso da magia, tive vários mestres magos especialistas em cada um dos inimigos. Muitos e muitos detalhes precisavam ser dominados e estar bem claros na mente, porque na hora da batalha, os inimigos poderiam atacar com qualquer arma de seus vastíssimos arsenais.

Passei por diversos testes, constantemente, periodicamente. À medida que fui sendo confrontado com esses testes, percebi que tinha mais habilidades com alguns dos monstros e menos com outros. Ao mesmo tempo que isso trazia alguma tranquilidade em relação a uns, também trazia o maior terror em relação a outros, pois todos eles tinham que ser derrotados. Se qualquer um deles me derrubasse, eu não poderia prosseguir a formação de cavaleiro, e tudo estaria terminado.

Os treinamentos foram completados, aprendi tudo o que podia, e então chegou o tempo da batalha. Fui para o local do confronto portando todas as minhas armas e então, rangendo os dentes e controlando os nervos, aguardei soar o sinal para a peleia começar.

Um pavor alucinante tomou conta de mim quando vi que os monstros atacariam dois a dois. Tive que me valer de todos os treinamentos para derrubar os dois primeiros. Um usou todas as técnicas de combate que foram historicamente eficientes. O outro usava magias que agiam nos processos biológicos, me causando náuseas e quase até um desmaio.

Não sei se foi a absoluta tensão nervosa, ou se foi sorte de principiante. O certo é que consegui acertar todos os golpes nesses dois. E não gastei todo o tempo da disputa!

A segunda dupla parecia mais difícil, mas eu me sentia confiante pelo bom resultado com a primeira. Afinal, estava ainda de pé e prosseguia na disputa. O monstro que lançava armas químicas era o mais perigoso de enfrentar, pois suas armas causavam um entorpecimento que poderia durar dias. Já o outro usava golpes de uma tradição estrangeira, que tinham sido muito bem dominados nos treinos. Derrubei esses dois também, apesar de enfrentar agora muito mais dificuldades e ficar com sequelas pelos próximos dias.

Ainda sentindo um entorpecimento, enfrentei a dupla seguinte, que atuava usando técnicas de todos os lugares do planeta, e explorando o funcionamento dos elementos terra, ar, água e fogo. Posso dizer que esses foram fogo! Com nenhuma outra dupla tive que lembrar tanto das inestimáveis dicas do treinamento. Foi só assim que consegui derrubá-los.

Faltavam mais duas duplas, e então eu perdi completamente a noção do tempo. Por isso, precisei fazer vários cálculos, do contrário não conseguiria dar o ritmo certo aos golpes. Precisei também recordar tudo o que eu lembrava de ter aprendido. Realmente, com essa dupla, tive que recorrer aos chutes, porque era mesmo uma situação de último caso. Sem a noção de tempo, quase me dei mal com essa dupla, mas no fim consegui derrubá-los.

E faltavam então os dois últimos. Um deles era o temível português. Eu tremia e batia os dentes com o nervosismo do momento. Seria a última batalha. Se eu derrubasse os monstros, poderia sagrar-me cavaleiro. Se não, acabariam todas as minhas chances.

Voltei para a arena tentando me sentir confiante. Iniciei o confronto de maneira centrada e objetiva, e me surpreendi quando percebi que estava conseguindo acertar todos os golpes. Mas o meu maior medo se materializou quando o inimigo usou seus golpes psicológicos, obrigando-me a uma abordagem mais subjetiva. Esse era meu principal ponto fraco nos treinamentos, e agora estava miseravelmente sendo exigido na última fase da batalha. A confiança que eu sentia no princípio se desfez, do mesmo modo que um traço a lápis se desfaz com o uso de uma borracha.

Então lembrei de recorrer a um último recurso. Mesmo que fosse esgotar todas as minhas energias restantes, agora eu teria que usar magia, custasse o que custasse.

Quando lancei mão da magia, os efeitos foram parecendo bem diferentes do que tinham sido com todos os outros golpes em todos os outros inimigos. A magia fluiu e fluiu praticamente sozinha, conduzindo minha mão para o ataque. Percebi que sentia um incrível abalo em minha energia, cansaço, fadiga e no fim de tudo, um esgotamento terrível. Mas assim consegui derrubar o último monstro, e assim pude chegar vivo ao fim da batalha.

Alguns de meus companheiros também conseguiram chegar ao fim do desafio. Assim como o deles, o meu ritual de passagem foi, de fato, muito difícil, como os mestres magos haviam previsto. Mas também como eles haviam dito, precisei de muito treino, e foi esse treino, essa preparação, que me permitiu superar as inúmeras dificuldades da batalha.

Tendo passado por essa prova, que me exigiu toda essa dedicação, vejo que valeu a pena tentar ascender a uma vida muito melhor. Não encontro palavras suficientemente cavalheirescas para descrever o orgulho que sinto por poder agora ostentar o mais belo brasão do mundo.