Meu Herói

Só sei dizer que os olhos azuis e profundos, a pele branquinha e delicada e o sorriso meigo e encantador da minha princesa amada eram as únicas coisas que me levariam a enfrentar os perigos que assolavam nosso reino naquela primavera. Lembro de tudo como se fosse hoje. Eu a via lá no alto do balcão do palácio, junto ao rei, quando ele anunciou a todo o povo reunido no pátio do castelo:

– Meus fiéis súditos, fui informado por meus conselheiros de que uma grave ameaça paira sobre nossos lares. Um monstro poderosíssimo que traz a doença e a morte está se aproximando de nosso reino. Talvez já esteja entre nós, espreitando para atacar-nos durante o nosso sono.

Um murmúrio de espanto e medo percorreu a multidão que se aglomerava para ouvir o comunicado real. Todos queriam saber o que fazer para ficar protegidos do perigo.

– Meus fiéis súditos, temos que permanecer vigilantes em nossas próprias casas. Eu ordeno a formação de brigadas de guarda que deverão defender nosso reino contra essa terrível ameaça. Todos os jovens rapazes corajosos que quiserem ser voluntários para esse combate, dirijam-se ao chefe da guarda do palácio.

Nesse momento, o murmúrio que percorreu a multidão foi de aprovação.

Eu prontamente me alistei como voluntário nessas brigadas. Sentia uma vaga esperança de que uma façanha contra o monstro elevaria meu conceito diante de minha dama. Mas não sabia o quanto essa decisão iria exigir de minha coragem e dedicação.

Para meu espanto, foram poucos os jovens valentes que se apresentaram na brigada. Éramos apenas eu e mais dez rapazes os voluntários. O chefe da guarda não se intimidou:

– Meus bravos jovens, a segurança do nosso amado reino está em suas mãos. Vocês receberão agora um treinamento. Prestem muita atenção a tudo que aprenderem, pois podem ter que se lembrar de cada detalhe na hora dos combates.

– Mestre, como reconheceremos esse maldito monstro que tanto nos assusta?

– Esta é uma boa pergunta, padawan. Dizem que esse monstro demoníaco é um dragão das montanhas, ou pelo menos se parece com um. Vocês poderão reconhecê-lo pelo seu tamanho impressionante, pelo seu longo bico, seus quatro braços e duas pernas, e pela sua cor marrom escuro com pintas brancas. Ah, e também pelas suas poderosas asas.

– Mas, mestre, então teremos que enfrentar um monstro voador?

– Sim, meus bravos campeões. E, até onde sabemos, ele é capaz de se deslocar muito velozmente. Tivemos notícia de sua presença em uma aldeia no norte, e poucas horas depois tivemos notícia de que estava em outra aldeia no oeste. Preparem-se para enfrentar um inimigo poderoso e de muitos recursos.

Frente a essa revelação, eu e alguns dos rapazes sentimos nossa valentia diminuir sensivelmente. Uma coisa era enfrentar um perigo, e outra coisa era enfrentar um perigo voador! Uns quatro companheiros se tornaram ex-valentes, e deram um passinho para trás, depois outro passinho para trás, e por fim fugiram correndo. Ficamos apenas seis.

O treinamento incluiu todas as artes mágicas de reconhecimento e de combate da pavorosa ameaça. O rei em pessoa convocou Gastal, o mago mais poderoso do reino, para preparar os agentes de combate. Seus ensinamentos se mostraram muito preciosos.

– Valentes guerreiros, vocês estão prestes a enfrentar uma ameaça sem precedentes em toda a história de nosso amado reino. Vocês deverão ser capazes de encontrar e eliminar esse perigo com coragem e sabedoria.

O mago Gastal pigarreou um pouco, como a conferir ainda mais importância e dignidade a suas próprias palavras. Mais tarde, pudemos perceber que suas palavras eram de fato preciosas.

– Minhas artes mágicas me revelaram um ponto fraco desse monstro maligno.

– E qual é ele, grande mestre mago?

– O maligno descansa de suas jornadas de maldades e recompõe suas energias repousando em água parada, água limpa e parada.

– Mas então, grande mestre, como poderemos combatê-lo?

– Meus bravos, adotem esta estratégia: eliminem todos os focos de água parada que vocês encontrarem em nosso reino. Confiarei a cada um de vocês um frasco desta poderosa poção mágica, que elimina a energia que a água pode conceder ao dragão. Não permitam que esse monstro tenha nem mesmo um único momento de descanso dentro d’água. Isso reduzirá em muito as chances dele fazer mais mal às pessoas.

Com esses preciosos conselhos do sábio mago Gastal, partimos, cada um em direção a uma aldeia do reino, em busca do terrível malfeitor.

Coube a mim vasculhar a pequena aldeia sediada em uma das ilhas da região do Delta do Rio do Reino. Enfrentei dificuldades impostas pela natureza até mesmo no trajeto do palácio até lá. O sol que torrava, a ventania que assobiava, os animais que atacavam, o bote que desequilibrava, tudo no trajeto representava ameaças. Mas me mantive firme e consegui chegar até a aldeia.

Inicialmente, imaginei que o monstro pudesse estar nas ruas ou mesmo em qualquer uma das casas da aldeia. Sem saber por onde começar, tive que procurar em todos os lugares. Vasculhei todas as ruas da aldeia, espreitando em cada esquina à espera do maldito. Procurei todos os focos de água parada onde o dragão pudesse estar recompondo suas maléficas forças, e destruí cuidadosamente cada um deles. Depois de muito trabalho, posso dizer que todos os espaços públicos daquela aldeia estavam livres da ameaça.

Restava verificar cada uma das residências. Eram mais de trinta moradias naquela pequena aldeia. Os ilhéus estavam todos assustados dentro de suas próprias casas. Então segui cuidadosamente as orientações dadas no treinamento, me identificando antes de agir.

– Moradores, vocês não devem ter medo. Sou um agente de defesa do reino contra a ameaça que paira sobre nossas famílias. Peço sua permissão para entrar em sua residência. Devo vasculhar com cuidado sua casa em busca dos focos de perigo.

E então procurei, revirei, vasculhei cada canto de cada residência. Em meio ao calor mormacento, descobri e destruí, com gotas da poderosa poção mágica, todos os possíveis focos da traiçoeira água parada que alimentaria o dragão. Em todas as casas, segui rigorosamente o mesmo processo. Insistentemente, eliminei todas as ameaças. Finalmente, em um galpão abandonado, depois da última casa da última rua daquela aldeia, o monstro maligno apareceu.

Era exatamente como o chefe da guarda havia descrito, inconfundível com seu longo bico, seus quatro braços e duas pernas, e suas pintas brancas características. Fiquei espreitando o maldito enquanto ele permanecia praticamente imóvel, apenas pulsando sua maldade em movimentos de que pareciam o de alguém arfando. Imaginei que ele certamente estava arquitetando alguma nova maldade contra os pobres aldeões de nosso reino. Observei durante algum tempo, até que ele se moveu.

Ele era realmente muito rápido, como o sábio mago e o chefe da guarda haviam avisado. Logo me refiz do susto e acompanhei seu movimento. Aparentemente o monstro estava cansado de algum ataque recente e precisou se dirigir a uma tina cheia de água parada. Ele ainda estava indo na direção do foco de água, quando eu gritei:

– Seu maldito! Agora você não escapa. Seus dias de ataques contra o povo de nosso reino estão contados. Saia já dessa água e enfrente agora o seu último combate.

O monstro apenas parou, virou-se para mim, e deu uma risadinha maligna:

– hihihihihi

E logo o desonrado prosseguiu seu caminho até a água, ignorando solenemente o meu desafio. Fui imediatamente em perseguição atrás dele, e tentei alcançá-lo antes que atingisse a água revitalizadora. Por pouco não consegui, e ele entrou no líquido revigorante.

– hehehe Agora vou aumentar minha energia, e você jamais conseguirá me deter.

Coberto de pavor, vi diante de mim o monstro se firmar em suas pernas, deixar de arfar, erguer seus quatro malditos braços e jogar a cabeça para trás em uma gargalhada maligna. Seu corpo aumentava de tamanho cada vez mais, parecendo ainda mais ameaçador do que antes.

Precisei me recompor do susto para poder enfrentar o dragão de uma vez por todas. Percebi que meus recursos de combate corpo-a-corpo eram desgraçadamente limitados nessa hora. Tive que pensar rápido para identificar uma estratégia de ataque fulminante e definitiva.

– Preciso usar a água em meu favor. É minha única chance.

Imediatamente entre em ação, antes que o monstro pudesse se movimentar. Lancei na água da tina a poção do mago, que caiu fazendo fumaça e soltando um chiado. Naquele momento, o dragão se assustou e pareceu começar a murchar. Mais do que depressa, aproveitei o breve instante em que o maldito parecia abalado. E então, com um único golpe da minha espada, cortei fora sua cabeça.

Retornei da aldeia carregando a cabeça decepada do monstro. Nesse momento, a tranquilidade me enlevava. O trajeto de bote, mesmo com o vento, mesmo com o calor, parecia muito mais suave. Quando cheguei aos salões do palácio, diante do rei, ofereci a ele a maldita cabeça.

– Meu bravo jovem, nosso reino está eternamente grato a você pela sua façanha.

Nas suas palavras de agradecimento, pude sentir a alegria e a paz que se espalharam por todo o reino com o fim do terrível perigo que nos ameaçava a todos.

– Nada poderia ser suficiente para compensá-lo pela sua dedicação e bravura. Então, como prova de minha gratidão, ofereço o que existe de mais precioso neste reino. Aceite a mão da princesa minha filha.

Quando ela sorriu, em concordância com a ordem de seu pai, uma indescritível sensação de elevação me surpreendeu. Eu, que apenas para me mostrar digno de um simples beijo dela, fui capaz de encarar até o mais perigoso dos inimigos, havia sido agraciado com o maior de todos os presentes. Só sei dizer que tudo valeu a pena.