AS MARCAS DO TEMPO

Prefácio

Antonio Carlos voltou levemente a cabeça para olhar em direção à porta.

Aquela voz...

Era Dora voltando.

Tantos anos... mais de quinze.

Ele a guardava dentro de si. Os olhos intrigantes. Os cabelos de fogo. Abundantes, luminosos.

Ele a guardava, e ela estava voltando depois de todos aqueles anos fora do Brasil.

Pôde ouvir a voz da mãe:

─ Entra minha querida. Seu primo a espera.

─ Tia, senti tantas saudades.

─ Sua marota... sumida. Você nos abandonou...

I

Ele tinha seis para sete anos quando os tios morreram num acidente. Era um garoto de beleza excepcional, mas doentio. Os olhos negros eram morteiros. Os longos cílios e as sobrancelhas abundantes davam àqueles olhos um encanto especial. Os lábios cheios e o nariz bem feito se enquadravam no rosto quadrado. Um rosto muito forte para um garoto tão frágil.

Os cabelos negros possuíam um rodamoinho bem no meio da cabeça formando um topete que fazia com que os cabelos tombassem constantemente sobre seus olhos. Ora caindo de um lado, ora de outro. Ele o retirava num gesto de mão que o acompanhou pelo resto da vida.

Era uma criança quieta, introspectiva e os pais acharam que a pequena Doralice lhe iria fazer um grande bem, já que não pudera ter irmãos.

Ela era seis meses mais nova que ele.

Não era bonita. O rosto triangular, a boca estreita e o nariz levemente arrebitado não combinavam entre si.

Já os olhos eram uma coisa à parte. Quando aqueles olhos se voltavam para alguém tudo se modificava. Havia um encanto tamanho neles que conseguiam iluminar o rosto todo.

E os cabelos... aquela cascata de fogo esbanjava saúde, equilíbrio!

O primo ficou fascinado desde o primeiro instante por ela.

Aquela serelepe o entontecia. Corria todo o tempo e falava. Deus! Como falava!

Os tios também se apaixonaram por aquela menina que só haviam visto quando bebê.

O fato de Helena e Eduardo morarem em outro estado dificultava encontros.

O acidente deixou a pequena Dora órfã e Luís e Mariângela eram os parentes mais próximos. Helena era a única irmã de Luís, e Eduardo era filho único. Os avôs já haviam falecido de ambas as partes.

O casal em pouco tempo descobriu que aquela menina lhes vinha para completar a família. Era a alegria da casa.

─ Brigam feito cão e gato.

─ Eles se amam querida. Se amam...

II

O menino observava Doralice brincar. A incansável prima o encantava.

Nada o animava a levantar-se dali. Nem mesmo os insistentes chamados da garota.

O quintal estava de uma beleza estonteante... a primavera em toda sua magnitude se espalhava em cada canto.

De onde estava sentado podia observar a varanda, as cadeiras preguiçosas, a rede. Podia observar a priminha a se balançar, a correr como a serelepe que era todo o tempo.

Ele se recorda quando a trouxeram para a casa. Aquele acidente fatal com os pais da menina. Por sorte ela ficara na casa de Paulina naquela trágica manhã.

Era um garoto tão solitário. O casarão não lhe dizia nada. Na verdade lhe faltava saúde. Nada o animava e Dora lhe chegava com toda sua vitalidade, esperteza. Em pouco tempo se recompôs da fatalidade que abateu sobre sua vida.

Ela vinha puxá-lo vez ou outra, mas o garoto não se animava a se levantar dali.

─ Molóide. É um molóide você! Deve estar cheio de vermes. Por que não vem correr comigo? Não o suporto, sabia? Queria que por aqui se mudassem umas crianças vivazes, não agüento um palerma como você.

Ele não pôde deixar de sorrir e dizer:

─ Corra você. Deixe-me em paz. Prefiro olhá-la.

─ O que tanto olha?

─ Você.

─ Feio!

─ Linda!

Mariângela a chamá-los para o lanche.

─ Tia, por que não o leva para fazer uns exames? É muito mole este meu primo. Ainda bem que vou estudar este ano. Não agüento mais ficar nesta casa e não ter com quem brincar.

─ Ele fez todos os exames Dora. Não há nada errado com ele. Vai começar a fazer natação agora. Vamos ver se o ajuda a desenvolver.

A menina come com apetite e pede licença para se retirar. É inquieta demais.

O primo a observa. Os longos cabelos e os olhos cor de mel são todo seu encanto.

─ Por que a trouxeram para morar aqui?

─ Porque os pais dela morreram. Está cansado de saber.

─ Mas justamente aqui?

─ O que tem contra ela?

─ Nada...

─ Meu filho, é uma pobre órfã.

─ Pobre? É um capeta!

III

Antonio Carlos nunca chegou a ser um aluno brilhante. Na verdade não passou de razoável. Amava a piscina e em pouco tempo passou a receber prêmios nas competições.

Já Dora era excelente aluna e se sobressaía na escola. Os professores se encantavam com aquela garota que lia livros clássicos aos nove, dez anos.

A tia, que tinha mania de horóscopo, dizia que ela vivia muito à frente no tempo por pertencer ao signo de Aquário.

Todos gostavam de conversar com ela, porque era muito precoce e parecia uma moça. Fascinava a todos e o primo morria de ciúmes dela.

De longe a observava a conversar com colegas da sala e sentia um desejo louco de se aproximar, mas não o fazia. Vivia pelos cantos.

Os boletins da menina causavam enorme orgulho aos tios, enquanto os do filho só os decepcionavam.

Quando ele chegava da piscina se refugiava no quarto. No enorme quarto. Ouvia os risos e as vozes da menina e aquilo o deixava ainda mais aborrecido.

Dora adorava a cozinha da casa. Aquela cozinha toda branca, a varanda e o quintal eram seus lugares preferidos. Só entrava no quarto para dormir. Não gostava da mobília pesada da casa toda.

Aqueles cortinados pesados, a semi-escuridão a entristecia. Já a cozinha a fascinava com os azulejos brancos, o enorme vitral por onde tanta luz se infiltrava.

Na varanda é que se sentava para ler e os tios comentavam entre si que ela só ficava quieta quando mergulhava num bom livro.

Enquanto isso, no quarto, o menino remoia sua tristeza, sua frustração. Só o esporte o animava e fora das piscinas se sentia um zero a esquerda.

IV

O tempo corria. O corpo espigado de Dora se transformava num corpo de mulher, e mulher desejável. Era uma bela exemplar de fêmea. Os rapazes não lhe davam trégua e isto fazia com que o primo se afastasse cada vez mais, e ao mesmo tempo que se afastava mais ela o atraía.

A puberdade chegava lhe cobrando e ele se enfiava no banheiro por longo tempo.

Isto irritava Dora que vivia a lhe insultar.

Se na infância brigavam, na puberdade não se toleravam mais.

Luís e Mariângela assustavam-se quando os dois se pegavam a tapas.

Aos quinze anos Dora era por demais atraente e nesta ocasião mudou-se para a mesma rua um rapaz um pouco mais velho.

Fernando era lindo. Loiro, olhos extremamente azuis. Charmoso, ele se fazia notar.

Antonio Carlos também era muito bonito, sempre fora e a natação lhe dera também a beleza corporal.

Mas Fernando era novidade.

Em poucos dias conseguiu conquistar Dora.

Ela pediu aos tios permissão para namorá-lo. Os tios negaram afirmando que era muito jovem.

Contrariando as ordens dos tios ela se encontrava com o rapaz e perdeu a virgindade em pouco tempo.

Da mesma forma que chegou, o tal de Fernando acabou se mudando e não souberam mais dele. A mocinha ficou uns dias amuada, e logo se esqueceu.

No mês seguinte já estava de namorado novo e não ficava muito tempo com um.

O primo aos dezessete ainda não havia namorado ninguém. Vivia a suspirar por ela, mas em sua presença era intragável e mais pareciam dois inimigos.

Ele vivia a alertar os pais que a prima era uma namoradeira e que iria se dar mal.

Ela ria e os tios se preocupavam.

Neste meio tempo muitas garotas suspiravam por Antonio Carlos e ele não se interessava por nenhuma delas. Queria a prima, mas escondia dentro de si os sentimentos. Ela riria em sua cara se soubesse e papel de bobo ele não iria fazer.

V

Aos dezoito anos Luís e Mariângela choraram de emoção na formatura de ensino médio dos garotos. Agora cada qual iria cuidar da própria vida.

Como moravam numa cidade muito pequena teriam que procurar cidades que oferecessem maiores recursos.

Dora foi aprovada nos exames vestibulares. Prestou Jornalismo e o cursou com louvor.

Antonio Carlos acabou por fazer advocacia.

Neste meio tempo os dois quase não se encontravam mais. Uma semana ela aparecia para visitar os tios, na outra alegava que tinha que estudar, que precisava ficar acompanhando uma amiga e coisas do gênero.

Já o rapaz religiosamente passava todos os finais de semana com os pais. Ele morava bem mais próximo, o que facilitava as coisas.

Dora estava sempre trocando de namorado e Antonio Carlos apenas namorou duas moças. Ficou uns seis meses com uma e cerca de um ano com outra. Descobriu no final das contas que nenhuma lhe agradava e que a solidão o satisfazia mais. Mas no fundo ele conhecia o verdadeiro motivo, não conseguia esquecer a prima.

Ambos formados trataram de viver a própria vida. O rapaz voltou a morar com os pais e montou um escritório com um amigo.

Dora apareceu certo dia comunicando a eles que estava se mudando para os Estados Unidos. Aparecera-lhe uma oportunidade de emprego lá.

A tia a apoiou e disse:

─ Está certa em partir para um país desenvolvido. Eu sempre lhe disse que estava muito à frente no tempo. É num lugar assim que se dará bem. E o coração como está? Desocupado?

─ Tia, eu nunca me amarrei em ninguém.

O primo de longe a olhava. Ela estava mais bonita do que nunca. Os cabelos tão bem cuidados, os olhos maquilados. Vestia-se muito bem e o corpo que era por natureza muito bonito chegava a incomodá-lo.

A desejava e reprimira este desejo por toda a vida.

Ela partiria e ele jamais diria o que sentia por ela.

Não teria jamais a coragem de se abrir.

─ Você a acompanha até o aeroporto meu querido?

Cabisbaixo ele fingia não ouvir o pedido da mãe.

─ Leve-a de carro até o aeroporto meu filho.

─ Eu a levo sim. Claro que sim. Papai nos acompanha também?

─ Seu pai não anda bem, nós ficamos aqui. Vão vocês.

VI

─ Está mesmo certa que deseja viver nos Estados Unidos?

─ Claro que sim. Por que não estaria? Sempre sonhei em me mudar para lá.

─ Nunca comentou.

─ Nem tudo eu digo. E você também nem tudo diz.

─ O que não digo?

─ Que me ama...

Antonio Carlos corou e quase perdeu a direção.

─ O que está dizendo sua maluca?

─ Pare o carro.

─ Por quê?

─ Quer nos matar?

A mão de Dora pousando delicadamente sobre a coxa do rapaz bastou para que ele estacionasse no acostamento e a abraçasse num abraço aguardado a tantos anos.

Como um louco começou a beijá-la e descobriu que ela correspondia com igual ardor.

─ Dora! Dora! Quer me deixar maluco? Eu a amo. Sempre amei. Eu a amei desde quando era um toquinho de gente e vivia fazendo estripulia.

Ela se afastou um pouco e o olhou nos olhos. Afastou a mecha de cabelo que lhe caía sobre os olhos negros e disse:

─ Estou partindo. Não iria comigo, iria? Não tem sentido nós dois... somos primos. Não daria certo.

─ Quer me deixar louco? O que quer fazer comigo?

─ Vamos?

─ Não deixaria meus pais, ainda mais agora que meu pai anda tão doente.

─ Não faria isso por mim... claro que não faria.

Ela o olhou com aqueles intrigantes olhos e ele sentiu desejos de lhe dizer que a acompanharia até o fim do mundo, mas só pôde balbuciar:

─ Sabe que não posso.

─ Então é um adeus?

─ Pensa morar definitivamente lá?

─ Posso ficar só uns dois anos e depois volto.

─ Está brincando...

─ Falo sério. Vou ligar sempre. Vamos, não quero perder meu vôo.

Ele pediu só mais um beijo. Um beijo para que ela não o esquecesse.

─ Seu bobo, nunca vou esquecê-lo.

─ Mesmo?

VII

Os olhos do rapaz ficaram a olhar o céu até que o avião que a levava não era mais que um ponto no ar.

Ele a amava mais que a vida e ela partira. Prometera voltar. Cumpriria a promessa? Só podia esperar. Esperar pelos telefonemas, pela sua volta.

A mãe quando o viu chegando tentou animá-lo.

─ Mãe, você sabe que eu a amo? Não sabe?

─ Sempre soube meu filho. Mas é um amor sem futuro. Vocês são primos e Dora não é para você.

─ Mas por que não consigo me interessar por outras mulheres? Ela me enfeitiçou desde que era um só um menino.

─ É uma obsessão. Tire-a da cabeça. Agora se acha mesmo que a ama tanto vá ao seu encontro. Lute por este amor. Ela lhe deu esperanças, não deu?

─ Vou esperar mãe.

─ Esperar o quê?

─ Vou dar tempo ao tempo.

─ O tempo pode lhe atraiçoar...

Dora ligou duas vezes. Nas duas vezes que ligou ele não estava em casa.

Ele tentou várias vezes ligar para o número que ela havia deixado, mas nunca a encontrava.

Neste meio tempo Luís faleceu. O sofrimento, mais as responsabilidades de cuidar da mãe viúva e da casa, e o trabalho lhe tomavam todo o tempo.

Já passava de dois meses que Dora partira quando a mãe veio lhe contar que ela novamente ligara e lhe dera uma notícia. Conhecera um americano e se apaixonara por ele.

O mundo de Antonio Carlos caiu. Não haveria mais chances para ele. Não devia mais sonhar com a prima. Aqueles olhos lindos e aqueles cabelos de fogo pertenceriam a outro homem. Aquele corpo que tanto desejara não seria seu.

Apegou-se ao trabalho, à mãe, ao dia-a-dia e continuou a tocar a vida em frente.

Não desejou se unir a outra mulher e quando conhecia alguma que lhe interessava mantinha um relacionamento saudável. Encontrava-a de vez em quando até que a própria relação se desgastava.

Raramente Dora ligava e dizia à tia que não tivera filhos, que o trabalho ia muito bem. Que o marido a tratava com carinho.

Perguntava se o primo desejava lhe falar e ele dizia que não. Que desejava que fosse feliz.

Assim os anos se passaram. Ele exerceu a advocacia com bastante dedicação. Vivia pacatamente no velho casarão e assistia a mãe envelhecendo.

Não encontrara a felicidade, mas levava a vida como quem leva um barco em águas calmas. Não havia grandes momentos, não havia grandes emoções, nem tormentos. Era uma vida simplória a sua. A vida de um homem que vivia solitário. Um homem que cada vez mais se refugiava dentro de si mesmo.

Certo dia a prima ligou dizendo que estava de volta. Que se separara do marido e que voltaria a viver no Brasil. Cansara-se da vida fora.

Mariângela vibrou de alegria. Sempre sonhou em ter a sobrinha de volta. Era a filha que Deus lhe dera.

Antonio Carlos ficou olhando o nada enquanto a mãe lhe falava.

─ Não diz nada meu filho?

─ O que vou dizer mãe? É bom saber que ela está voltando.

─ Estará bonita ainda?

─ Deve estar. Tem uns quarenta anos agora, pouco menos.

─ Não está entusiasmado com sua volta?

─ Estou feliz.

─ Não parece.

─ Mamãe. Estou cansado.

─ Eu é que sou uma velha e você é que fica cansado...

Resmungando Mariângela se afasta.

VIII

Enquanto a mãe se afastava ele trouxe até o presente cenas vividas naquele casarão durante toda a infância, puberdade e juventude.

A menina que chegara tão indefesa e que em pouco tempo se transformara na figura principal daquele lar.

As vezes que brigaram. As vezes que Dora correra quando ele caíra, ou se ferira de alguma forma. Aqueles olhos voltados para ele.

Ela o amara em silêncio também e se calara. Guardaram o amor dentro do coração e só revelaram no dia de sua partida.

Por que não conseguiu segurá-la? Por que não foi encontrá-la lá? Por que deixou aquele avião levá-la para tão longe?

As mãos de Dora a lhe puxar.

─ Vem primo! Vem!

─ Não.

─ Vem...

Que menina feliz, e ele sempre tão preguiçoso! Mas era tão bom vê-la brincando. Vê-la a balançar, a correr, a pular, a dançar.

Ela lhe enchia a vida.

E quando elogiava as medalhas que ganhava!

Aceitava timidamente os abraços que ela lhe dava, sentindo um desejo enorme que ela não se afastasse de seus braços.

Mas no momento seguinte estava ela a criticá-lo. A zombar de uma coisa ou outra.

As risadas, os lanches. A mãe a defendendo o tempo todo. O pai a babar pela sobrinha brilhante.

Mais tarde o período escolar. Aqueles anos foram uma tortura para ele. Os garotos sempre a assediando. Ela sempre rodeada de amigos e ele tão só. Em qualquer lugar ela era bem recebida. Todos a adoravam. Todos. E ele ficava olhando... olhando e sofrendo.

A prima se tornando mais atraente a cada dia. Ele a desejando e sentindo-se culpado de a estar desejando. Eram primos... quase irmãos. Dividiam o mesmo teto. Dividiam os mesmos pais, brigavam pelo pedaço maior de torta.

E aquele rapaz novo na rua. A cobiçando.

Dentro de si sentia que ela iria acabar se envolvendo e a seguia. Sabia que ela se entregaria.

Um namorado depois do outro e ele a assistir aquilo. Como lhe doía! Desejava esquecê-la e não conseguia. Ela estava ali a toda hora. Fazia parte de seu dia-a-dia.

Enfim formados!

Ambos partiriam. Ambos viveriam longe daquela casa.

As saudades que sentia! Toda semana vinha na esperança de encontrá-la e raramente a prima aparecia.

Estava cada vez mais atraente. Não havia uma só moça que o interessasse tanto.

Margareth era tão bonita e nos seis meses de namoro tentou de todas as formas se enamorar dela.

Seria até possível se Dora não existisse. Se pudesse apagá-la dentro de si.

Lena o segurou por um ano. Não era bonita, mas tão meiga! Também se enamoraria dela...

Formados... os pais tão orgulhosos dos dois!

Ele havia se decidido a ficar morando com os pais. Dora nunca comentara o que pretendia fazer. A mãe vivia a dizer que ela tinha asas fortes. Não era pássaro para vôos baixos.

Quando ela falou em partir para o exterior desesperou-se. A perderia por certo.

Queria que aquele percurso até o aeroporto fosse muito mais longo.

Ela estava tão linda.

Os beijos e abraços disseram todas as frases que haviam guardado todos aqueles anos. Ela também o amava com a mesma intensidade. Sentiu nos beijos que ela se entregava toda. Que ela o queria, como ele a queria.

Mas o avião a levara.

Nos primeiros dias fez planos de a encontrar lá. Mas não via sentido. Ela prometera voltar. Esperaria.

Depois o casamento. A dor de perdê-la. A solidão daqueles anos todos.

E a volta agora. Depois de quinze longos anos...

Como estaria? Como seria o reencontro? Ela correria para seus braços? Via diante de si aqueles magníficos olhos.

A ansiedade da espera causava-lhe uma dor física.

A mãe cobrando da empregada que enfeitasse a casa toda. A mãe tão velhinha e tão feliz.

IX

Quando Antonio Carlos a vê entrando se pergunta aonde, em que lugar foi parar aquela mulher de antes?

Os cabelos cor de palha e cortados bem curtos, os olhos apagados não lembram nem de longe a prima que ele tanto amou.

Muito sofisticada, claro! Afinal ela viveu tantos anos no primeiro mundo.

Ela verifica o quanto ele está bonito ainda. Os cabelos negros ficaram grisalhos, dando-lhe um aspecto ainda mais atraente. A mesma mecha incomodando os olhos. O mesmo gesto de mãos.

Ela se joga em seus braços e ele a recebe friamente. Até a afasta um pouco de si.

─ Não está feliz com minha volta?

─ Estou... claro que estou...

─ Não parece feliz.

Ele a olha e pensa como pôde tê-la amado tanto. Não existe mais nela a luz que o atraía. Aquela luminosidade dos olhos fora parar em que canto?

Ela a dizer:

─ Descobri primo, eu o amo. Por isso voltei. Descobri que minha vida sem você não tinha sentido algum.

─ Mas levou tantos anos para descobrir isso?

─ Meu querido, nós fomos criados como irmãos. Era difícil para mim enxergá-lo com outros olhos.

─ E por que agora mudou de idéia?

─ Eu me dediquei ao meu trabalho. Ao meu marido. É um bom homem. Na verdade eu tentei esquecê-lo. Por isso me casei e fiquei vivendo fora. Achei que entre nós nada daria certo.

─ Está pensando diferente agora por quê?

─ Descobri que não consegui ser feliz. E a vida está aí... ainda podemos viver a nossa história de amor. Eu o quero...

Dizendo isso ela afastou a insistente mecha e aproximou-se dele de maneira provocante.

Olhando-a nos olhos apagados ele não pôde deixar de pensar nas marcas que o tempo deixara naquele rosto.

Continua a fitá-la buscando aquele amor que foi a razão de sua vida e descobre que alimentara dentro de si todos aqueles anos um sentimento intenso. Um sentimento que já não encontra dentro de si agora que a tem diante dos olhos. Agora que ela está nos seus braços como sonhou a vida inteira...

─ Depois de quinze anos? Tarde demais para nós dois minha querida. Tarde demais... não acha?

─ Nunca é tarde primo. Nunca é tarde.

SONIA DELSIN
Enviado por SONIA DELSIN em 03/03/2007
Reeditado em 24/03/2011
Código do texto: T399624
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