O Concílio dos Vilões

Cansados de sempre perderem as batalhas, os vilões resolveram unir-se para discutir uma estratégia de guerra, algo que pudesse lhes dar alguma esperança no sucesso de suas vilanias, na vitória do mal sobre o bem.
Lord Voldemort corrigiu:
– Não existe o bem e o mal. Somente o poder e aqueles que são muito fracos para possuí-lo.
– E o que isso quer dizer? – perguntou Malévola.
– Ora! O poder é a capacidade, o direito de fazer alguma coisa.
– Fazer o quê? O bem ou o mal? – insistiu a bruxa.
– Não importa. O que se decidir fazer.
Achando graça na confusão, Scar questionou, com sua voz de leão:
– Se só existe o poder e os fracos, onde é que eu me encaixo?
Algumas risadinhas. Ouviu-se mesmo um murmúrio “fracote” vindo do meio de um grupinho onde estavam a Madrasta, o espelho e Malvina Cruela.
Um rugido poderoso fez todos silenciarem, deixando bem claro que, de fraco, o bichano não tinha nada.
– Oh! Eu me expressei mal. É que há o poder, os fracos e, claro, os fortes e também...
– Falta-lhe perspectiva, meu caro Lord. – atalhou Anton Ego. – É claro que existe mal e bem. E também o poder. No meu caso, de decidir o que é bom ou mau.
– Senhores, senhores! Por favor! – interrompeu o Capitão Gancho, batendo o gancho na mesa. – Parecem um bando de meninos crescidos! Precisamos manter o foco!
– É verdade. – concordou Ratcliffe. – Sejamos objetivos e rápidos, pois tenho pressa. Soube que há ouro na reserva Ianomami e minha expedição para lá já está pronta.
– Mas, se é uma reserva indígena... – Scar estranhou.
– Ora! Que se danem os índios. Índio bom é índio morto. – disse o governador.
– E é um favor que me faz. – Odete Roitman aprovou. – Nesse nosso país atrasado, onde ninguém sabe usar um talher de peixe, ainda ter reserva para conservar a cultura desses selvagens. Que cultura? Uma gente que nunca foi à Paris! Que cultura?
Sméagol aproximou-se mais e mais enquanto ela falava, os olhos vidrados no lindo anel de brilhantes que ela ostentava no dedo.
– My preciouussss. – sibilou ele, fazendo-a saltar para o lado.
– Sai, criatura dos infernos! – disse ela, afastando-se dele. – Toma um trocado para a condução e veja se some lá pelos subúrbios, de onde nunca deveria ter saído. Aliás, tome mais algum e compre uns chinelos. Aff! Ô, linguinha de pobre esse tal de português!
– Uh! Não fale em pobre que me dá urticárias. – arrepiou-se Malvina.
– É, amiga! Em mim também. – riu Odete. – Mas, fazer o quê, se o mundo está cheio deles? E este seu casaco? Deus do céu! Não me diga que é mais uma daquelas suas ideias horrorosas de usar pele de cachorro?
– Não, não! Aquilo foi um deslize. Apaixonei-me por petit pois e a única pele que me parecia adequada era a de dálmatas. Mas depois que descobri as cuícas-de-colete...
– Cuíca-de-colete? Quando eu digo que o português é uma língua chinfrim...
– É uma espécie de roedor. Raríssimo! Cada exemplar me custa uma pequena fortuna.
O polvo aproximou-se das duas. Não estava gostando nada daquela conversa.
– Não está em extinção? – ele perguntou.
– Se depender de mim, podem desaparecer. Já tenho a minha coleção. – desdenhou Malvina.
Ele a encarou, ameaçador.
– Ora, peixinho! Não se faça de coitado. A natureza e os animais estão aí para nos servir. Aliás, uma coisa que eu adoro é um belo sushi de polvo.
O molusco agarrou-a com seus tentáculos e começou a batê-la contra a parede. Os outros se dividiram em dois grupos: uns queriam briga, os outros, queriam retomar a pauta. Lord Voldemort era um deles e, com um pequeno feitiço, reconduziu todos aos seus lugares. Malvina ainda reclamava sobre o casaco manchado pela tintura do polvo e este, irritado, segurou sua boca com um dos tentáculos.
O bispo, então, tomou a palavra:
– Vejo que temos aqui, naturezas irreconciliáveis. Gosto disso, mas prefiro que aconteça como impeditivo do amor entre um homem e uma mulher. Aqui, temos um objetivo mais nobre.
A madrasta, em pose sensual, sentou-se na ponta da mesa:
– Sim! Decidir quem é a mais linda!
– Eu! – gritou de lá o espelho.
Todos concordaram, menos Sméagol, que sibilava algo sobre preciosidade e não estava prestando a menor atenção na conversa.
– Acho que desse jeito, não vamos a lugar algum.
Vocês não fazem nada direito. Do jeito que a coisa vai, daqui a pouco arrumam jeito de se machucarem num fuso de fiar e adeus!
– Fuso de fiar!? Eu? – indignou-se Odete. – Veja se vou me meter com algo tão proletário!
– E eu, então, que nem dedos tenho? – disse o espelho.
– Diga uma coisa, cara Malévola, este tal de fuso é mesmo o seu melhor feitiço? – indagou Anton. – Não há nada melhor que possa ousar nos servir?
– Ora, seu! – disse Malévola, transformando-o num rato.
Malvina ao ver aquela criaturinha repulsiva correndo no piso, pulou sobre a mesa, seguida pelo bispo. Sméagol, aproveitando a confusão, agarrou-se ao anel de Odete que tentava livrar-se dele.
O cãozinho de Ratcliffe partiu ao encalço do pobre crítico culinário, seguido pelo governador que derrubava tudo por onde passava.
A visão daquele sujeito gordo, correndo abaixado, deu a Scar a nítica impressão de estar diante de um javali e seu instinto animal falou mais alto, fazendo-o saltar sobre o homem.
Capitão Gancho dava ganchadas sobre a mesa, pedindo silêncio e perguntando as horas. Ninguém lhe respondia.
– Ninguém tem relógio? – insistiu ele. – Então, o que é este tic tac que estou ouvindo?
O crocodilo que já lhe havia comido o pulso com relógio e tudo apareceu ao seu lado, ansioso por comer mais um pedaço e toca o Capitão a correr com o crocodilo atrás.
A madrasta tirava satisfações com o espelho que se recusava em declará-la a mais bela.
A rainha louca chegou atrasada e, vendo aquela confusão, gritava já da porta:
– Cortem-lhe a cabeça! Cortem-lhe a cabeça.
O bispo, encantado em perceber que Malvina, assim como ele, tinha horror a ratos, começou a observar que as naturezas do homem e da mulher podem encontrar conciliação em alguns pontos e tratou de roubar-lhe um beijo. Ela, furiosa, o empurrou para o chão.
Lord Voldemort, tentando mais uma vez conseguir alguma paz no ambiente, acabou acertando o espelho que lhe devolveu o feitiço, congelando-o imediatamente. Somente um canto de sua boca podia mover-se.
O polvo, finalmente, usando seus tentáculos agarrou a todos e os colocou de volta em seus lugares. Menos o Lord que, paralisado por poderosíssimo feitiço, não era possível mover.
– É por isso que nós sempre perdemos. – começou o molusco. – Falta-nos o foco. Parecem todos ofuscados por tintura de polvo, presas fáceis para as forças do bem.
– Não existe bem ou mal! Só o poder. – Lord Voldemort corrigiu de lá, com sua boca torta.
– Ah, não! Voltamos a isso? – resmungou Malévola.
– Eu preciso ir. – disse Ratcliffe. – Se já terminamos aqui...
O polvo, desanimado, foi liberando um a um os presentes, dando aos perseguidos alguma vantagem sobre seus perseguidores, para evitar nova confusão.
Em seguida, foi ele mesmo se arrastando em direção à porta.
– E eu? – gritou de lá “aquele cujo nome não se pode pronunciar”.
– Fique aí, com o seu poder, fracote! – e saiu também.
Lord Voldemort olhou em volta e deparou-se com o espelho, culpado de sua desgraça. E, chegou a conclusão de que não existe mesmo bem ou mal. Tampouco os fortes ou os fracos. Existe apenas o Eu, o maior vilão de todos os tempos. Aquele que tem o poder de realizar tudo o que deseja, mas permanece preso ao próprio ego, incapaz de interagir com seus pares em prol de um objetivo comum.



Texto escrito para o Desafio Literário da Câmara dos Deputados
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