O pó do touro branco

O sol é um sujeito estranho quando você está de ressaca.

“Nada mais conveniente do que beber novamente”, ele dizia, com seu fulgor excessivo. Eu segurava meu copo americano com aquele líquido amarelado e sabia que a vida era isso mesmo. Um cigarro, outro copo gelado; nada verdadeiramente interessante prestes a acontecer. A grande maioria pessoas são mais felizes do que eu, pensei, embora ainda pudesse segurar minha cerveja e me lavar sozinho.

Um careca forte, branco, com seus 90 quilos e olhos verdes passou por mim, agressivo, parecia um touro diante de um manto vermelho. Meus óculos impediam entreolhares constrangedores; sua pose indicava Pepsi Light. Ele chegou junto ao balcão de mármore e pude ver que em seu grande e ostensivo relógio marcava 11: 30h da manhã.

“Uma Pepsi light”, pediu.

Não que eu estivesse zombando dele quando gargalhei alto e o olhei FURTIVAMENTE, eu só havia acertado uma suposição e estava feliz por isso. Acertei a questão da Pepsi. Na minha vida foram poucas as conjeturas que obtiveram êxito; nunca ganhei nenhum sorteio, aliás.

Meu Pastor Alemão, Moody, era gay.

O cara careca decidiu que aquilo lhe pareceu um insulto e olhava-me do alto de sua montanha de músculos, bufando. Seus olhos permaneceram uns bons três minutos em minha cara enquanto eu saboreava a cerveja, olhando sempre reto, com um dos cotovelos apoiado sobre o balcão. O clima era de tensão. Esses caras com relógios grandes, cabeça raspada, músculos taurinos e tênis esportivos com meias-brancas altas, estão sempre dispostos a matar alguém. De dentro dos meus óculos, eu entortava os olhos esforçando-me para ver se os punhos do sujeito estavam cerrados; minha garrava seria certamente usada. O Zezão, dono do bar, aproximou-se e estendeu as mãos no ar numa tentativa de entregar o troco ao raivoso touro careca, mas elas permaneceram pairando diante da implacável obstinação do homem branco. As cadeiras começariam a orbitar o sujeito, eu podia sentir a energia; uma estrela estava se formando.

Quando ele finalmente percebeu que eu nada diria para corroborar nosso pequeno mal-entendido, pegou suas moedas que Zezão ainda segurava com o braço a lá fuher, hipnotizado, e caminhou lentamente à porta de saída.

Zezão aliviou-se.

Algumas pessoas que estavam acompanhando e torcendo pelo desenvolvimento da pequena desavença, praguejaram.

Eu levantei de súbito enquanto o bar silenciava-se e alternavam os olhares entre mim e o garotão forte e careca que já estava quase fora do bar.

O suspense tornava-se, até para mim, insuportável. Então, segurando a garrafa, gritei:

“Ei Touro-branco, esqueceu o seu cheiro de merda aqui dentro”.

Ele parou sem olhar para trás; ficou algum tempo contemplando á rua ensolarada e os carros que passavam. Todos estavam expectantes. Uma morte ali, numa terça-feira quente, livraria algumas cabeças do tédio terrível ao qual se encontravam aterradas. O touro branco rodopia e retrocede em minha direção. Pronto, um pouco de sangue e uns braços quebrados era tudo o que eu precisava. O gigante vinha lento. Estava com receio? Eu segurei firme a garrafa e já que iria morrer por que não morrer com classe?

Eu disse:

“Zezão, acho que dá tempo de abrir outra, não?” Os ébrios gargalhavam, queriam um pouco de ação, quem não quer?

“Vamos Zezão, o sujeito trás anabolizantes no cú, precisa manter certa prudência no andar”.

Quando finalmente estacionou o corpo rijo ao meu lado, atingi a parte inferior da garrafa no flanco esquerdo de sua face. A garrafa atravessou-lhe o rosto reduzindo-o, literalmente, em cinzas. O Sujeito careca estava inteiramente dissolvido. Pulei atônito para trás. As pessoas gritaram, aterrorizadas. O filho da puta se desfez de raiva. Não pôde suportar a ousadia de um ser inferior ofendê-lo publicamente. Seus restos mortais agora se misturavam com suas roupas esportivas. Uma senhora continuava a ler o jornal; os carros lá fora buzinavam sob um calor de 38 graus. Os beberrões logo lutavam pela posse das roupas do falecido. Dei de ombros, consegui ficar com a carteira do touro-branco.

Refestelei-me no maldito banco de madeira,

pedi outra cerveja

e

um pacotinho de amendoim.

JimMorrison
Enviado por JimMorrison em 06/12/2012
Código do texto: T4022278
Classificação de conteúdo: seguro