Uma vida mal assombrada
 
  Tudo a assustava no interior daquela casa.
 Era tudo novo: móveis, eletrodomésticos e utensílios...
 Um casal recém-casado, dentro de uma casa velha que fora ajeitada, mascarada, dias antes do fechamento do contrato de aluguel.
Laura acordava cedo para trabalhar, mas o seu marido saía ainda mais cedo, o que a deixava angustiada desde o primeiro instante.
Ficar naquela casa era algo frio, sombrio, aterrorizante, o que a fez decidir em poucos dias que ao voltar do seu trabalho, ela passaria na casa de sua mãe e ficaria por lá por algum tempo, para que não corresse o risco de ficar só até que o seu esposo, Edgar, chegasse.
Por dias seguidos, quando ela estava só, da lavanderia ela ouvia passos pelos demais cômodos da casa, era como se alguém estivesse ali... Por algumas vezes, ela até se atreveu a perguntar:
- Tem alguém aí?  
Ninguém nunca respondeu...

Para agravar ainda mais o medo de Laura, o pior dia chegou, fazendo valer aquele velho e conhecido ditado:
- Nada é tão ruim, que não possa piorar...
Eis que o seu contrato de trabalho chega ao fim...
Agora ela teria todo tempo do mundo, para sentir medo no interior daquela casa.
As paredes eram limpas, bem pintadas e ocas, como se algumas coisas estivessem ocultas ali dentro...
Os fantasmas daquela “vida mal assombrada” sentiam-se tão à vontade dentro daquela casa, que Laura, sentia-se cada vez mais “uma estranha” em seu próprio ninho.  Aquele que deveria ser naquele momento o seu ninho de amor era simplesmente o seu ninho de solidão assistida...
Laura foi aprendendo o que era sentir medo à maior parte do tempo, porém, nunca se acostumou com aquilo.
Ela vagava pela casa durante os afazeres domésticos e tinha medo de sentir medo...
Ouvia passos, vozes a lhe chamar. E o que mais a intrigava, era que as vozes eram sempre conhecidas, o que a fazia responder sempre gentilmente:
- Já vou... E nunca havia ninguém ali!
Tudo acontecia quando ela estava só.
Era uma verdadeira afronta.
Aqueles fantasmas sabiam certamente o modo de agir...
Um desaforo após o outro... E no final de semana, os fantasmas pareciam se mudar dali.
Não se ouvia nada de estranho...
Nenhuma voz oculta, nenhum copo a cair sozinho da mesa, nenhuma panela estalando dentro do armário, ninguém a chamava enquanto estava na lavanderia...
Mesmo desconfiada, seu final de semana seguia aparentemente tranquilo.
Com o início da semana e da sua rotina, tudo voltava ao normal...
Era como se os seus hóspedes retornassem um a um, e se infiltrassem dentro daquelas paredes...
Os barulhos perseguiram Laura por algum tempo.
Ela limitava-se em conter o seu medo com o silêncio...
Ninguém acreditaria nela. Só ela ouvia as vozes, os barulhos, via as luzes se acenderem sozinha! Não havia ninguém mais no interior daquela casa, a maior parte do tempo.
Era ela – Laura, e seus fantasmas a viver a rotina dos seus dias...
A única vez em que falou seriamente com Edgar sobre o assunto, ele a ignorou:
- Coisas da sua cabeça, mulher! Desde então, ela decidiu que iria enfrentar os seus medos de cabeça erguida, até aonde isto ainda fosse possível...
Aos poucos, Laura foi aprendendo a conviver com seus fantasmas.
Eles estavam enraizados no interior daquela casa. Ninguém os via, mas Laura os sentia o tempo todo.        
Num certo dia, para a surpresa de Laura, coisas boas e surpreendentes começaram a acontecer:
Ela descobriu-se grávida e para sua alegria Edgar, seu esposo, concordara naquele momento com a mudança de casa, aceitando que esta fosse realmente um lugar de aconchego, onde Laura pudesse, enfim, sentir-se melhor para vivenciar aquele período tão especial de sua vida. Afinal, ser mãe era tudo o que Laura queria... Ela não ficaria mais sozinha! – pensava.        
A nova casa ficava num lugar mais tranqüilo e muito familiar à Laura, simplesmente ao lado da casa dos seus pais... O lugar em que nasceu brincou e aprendeu todos os significados da vida. Nada era mais confortável, mais familiar, do que morar ali...
Com estas mudanças, pouco a pouco, Laura se deu conta, de que os fantasmas não a acompanharam... Ficaram pra trás, estagnados, nas paredes daquela casa velha, da sua ex-vida mal assombrada!
Com o tempo Laura foi se apropriando de tudo, se auto-conhecendo, e percebeu que os verdadeiros fantasmas nada mais eram do que os seus próprios medos, da sua inadequação a uma vida solitária, na qual ela ainda não tinha maturidade pra viver... Eles eram representados em sua imaginação pelo medo da solidão e pelas vozes familiares que ela não tinha mais consigo...
As mudanças nas nossas vidas, por vezes são assim: Fantasmas nunca bem-vindos a nos assustar.