Terror
Estava cansada e a noite, silenciosa. Os vizinhos repousavam em suas casas enquanto seus filhos voltavam murmurando da farmácia com remédios pro mal da ressaca.
Lá fora, o silêncio se tornava mais denso, e aqui dentro, no meu quarto, há um tempo já ficara palpável. Não que eu pudesse provar isso. Meus braços estavam tão moles que não conseguiria nem levantá-los para o sentir.
Toda essa quietude foi quebrada quando um carro estacionou na porta de casa. Não qualquer carro, não. Aquele era o meu. Abriu-se uma das portas com a mesma delicadeza que papai costumava ter nessas horas e comecei a suar frio. Impossível. Estavam todos - pai, mãe e minha irmã - em casa, e nosso carro já estava guardado. Ouvi, quase podendo enxergar a cena, os ecos do cadeado se destrancar e do portão se abrir, revelando a única vaga da garagem. A porta do carro se fechou novamente. O mesmo ritual de todo domingo à noite, depois do culto.
Tentei me lembrar de como havia chegado na cama depois da ida à igreja com o resto da família.
Mas eu não havia.
Limpei as mãos suadas no pijama e ouvi uma voz reclamando. Não qualquer uma, não. A minha. Ouvi o outro meu pai ligando a TV no primeiro andar, a outra minha irmãzinha brincando, minha mãe cozinhando, e também a intrusa.
Odiei-a! Como teve a audácia de roubar o meu lugar?
Mas então, escutei mamãe dizer:
-Ana, vamos subir, filha.
"Ana", "filha". Mamãe nunca errava, não importava qual fosse. Talvez - não, efetivamente a intrusa não era a garota que vinha vindo. Não, aquela era a legítima. Logo...
Assimilei, recusei e então temi a realidade enquanto minha mãe e a outra subiam as escadas. Vinham para assistir à minha vergonha, à minha existência de mentira, e para destruir. Destruir a mim, o parasita. "Uma intrusa em casa! Na minha cama!" quase como a insensata de cabelos dourados de outrora. Passos se dirigiam para o meu quarto, não, o dela, e nisso eu entendi que não podia fazer nada, tão incapaz quanto minutos antes, quando não tinha forças nem para sentir o silêncio. Fechei os olhos em busca de um último momento de paz. A violência da luz, uma vez acendida, atravessou meus olhos.
Gritei.
-'Tá tudo bem, filha?