Sobre portas – talvez janelas

– A grande particularidade das portas, caro amigo, a grande particularidade delas é que podem abrir e fechar.

– Exato! E não podemos esquecer que isso não se dá ao mesmo tempo, digo, ou se está aberta, a dar a ver o outro lado, ou se está fechada, a tapar as vistas.

– Compreendo. Esqueces-te, porém, dos estágios intermediários da porta. Há que imaginar esta proposição, devido ao alto grau de dificuldade, que a porta pode abrir-se ou fechar-se de maneira incompleta.

– E é isso possível, meu caro?

– Pretendo, através dessa minha humilde conjectura, demonstrar que sim. Veja bem, meu amigo, veja bem se me compreende e, se não, interrompa-me. A porta pode vir, não irei arriscar-me a supor uma situação que provoque tal acontecimento, a abrir-se pouco, girar em seu eixo até poucas partes de seu percurso total. Ou, se pensarmos por outro lado, pode estar-se a fechar pouco, ou a percorrer pouco caminho até o objetivo final: manter a porta fechada.

– Porém, meu caro, porém pode-se dizer que é uma questão de via teórica – ponto de vista, trocando a miúdos. Pode-se dizer, então, que para uns pode a porta estar a fechar-se e para outros a porta estar a abrir-se?

– Ora, claro que não! Entendo como fechamento a interrupção da visão que se tem de outro espaço e abertura a possibilidade dessa mesma visão. Se uma porta fecha-se, fecha-se para todos e, se pode abrir-se, dá-se o mesmo.

– Oh! Fabuloso seu argumento. Muito me impressiona com suas capacidades questionadoras, muito me lisonjeia sua amizade...

– Ora, vá lá meu amigo...

– Mas, perdoe-me soar néscio, gostaria de fazer-lhe esta pergunta mais: as portas pensam deveras?

– Claro que sim, meu caro, e tu não soastes a néscio de maneira alguma. As portas pensam, a maneiras de portas, claro. Obedecem aos comandos que as pessoas as dão de abrir e fechar-se, ainda que sem propósito aparente. Estão ali para isso: obedecer-nos os comandos.

– Que belo! E diga-me, para que servem as portas afinal? Já pensastes sobre isto?

– Ah! Penso nisso anos a fio. Muito importante tal questionamento, por sinal, mas uma razão suprema não posso fornecer-lhe. Acredito que para isto mesmo que até então discutimos: abrir e fechar, nada mais.

– Mas as janelas me parecem semelhantes, fazem as mesmas coisas...

– São irmãs, não te esqueças. Irmãs mais novas, dotadas de uma certa deficiência em relação às portas, mas ainda assim compõem a mesma espécie – por tal razão a tamanha semelhança.

– Sim, tens razão mais uma vez.

– Mas agora veja, olhe ali. Observe como é interessante a interação entre seres humanos e essas figuras mitológicas. Ali aproxima-se uma moça, vai em direção àquela grande porta.

– Uma bela moça...

– Sim, mas atente-se ao que se dará. Como de costume, nós seres humanos, aproximamo-nos das portas – e também janelas – e as abrimos e fechamos. Talvez seja uma necessidade biológica, psicológica ou até mesmo cultural. As abrimos e fechamos justamente porque é isso que elas nos podem fornecer. Observe, meu caro, observe. A mão da moça girando aquela bela maçaneta.

– Intrigante!

– Pois sim! E muito interessante! E agora, por seguinte passo, ela irá abri-la e depois fecha-la. Veja, olhe que cena celestial e, ainda assim, corriqueira. Lá vai ela, abriu-a, vais a fechar agora. Mais um segundo.

– Ela está a caminhar...

– Sim, curiosa. Mas mire, anda a fecha-la logo.

– Ela está passando pelos batentes! Como é que faz isso?! Veja está a passar ao outro lado! Santo deus!

– Precisamos ajudá-la! Vais fechar a si mesmo dentro! Meu deus!

– Fechou-se! É o fim...

– O que contamos as autoridades?

– Que a moça atravessou a porta...

– Mas para quê contaremos isto?

– Para que possam resgatá-la!

– Ninguém há de acreditar! Imagine, uma porta dando passagem a outro lugar? Nos dirão loucos...

– Pensando melhor, tens razão...

– Além do mais, ninguém há de querer arriscar-se a atravessar também só para busca-la.

– Bobagem nossa...

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 23/04/2013
Reeditado em 23/04/2013
Código do texto: T4255268
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