TEMPORAL
 
 
 
— Papai! Papai! Socorro!
 
— O que aconteceu, filha? Por que esta gritaria? — acudiu o pai, correndo.
 
          — Olha! Aquele bicho feio.
 
— Onde? Não estou vendo.
 
          — Ali, bem embaixo da árvore, na folha.
 
Levantou a folha e viu uma borboleta colorida, batendo asas. Colocou-a na palma da mão, levando-a até a criança.
 
            — Veja, querida, é apenas uma borboleta. E é tão linda! Está assustada, com teus gritos. Olha bem. Está triste, porque foi chamada de “bicho feio”. Logo ela, que é vaidosa, que gosta de desfilar, exibindo as belas asas.
 
            A menina observava. Ainda parecia um bicho feio, apesar das palavras do pai. Mas ele era tão corajoso. Sempre a socorria, quando precisava. Era bom olhar melhor.
 
            — Voa e sabe caminhar na tua mão. Veja!
 
            — Verdade. Vamos soltá-la? Vais ver como é bonita, voando.
 
            Ergueu a mão e soprou levemente. O inseto saiu devagar, sobrevoando um arbusto, depois pegando altura, distanciando-se.
 
            — É verdade, papai, é linda, mas quando está longe.
 
            Deu risadas. A filha era uma graça. Sempre tinha alguma saída triunfal. Sentou-se no tapete verde, formado pela grama do jardim, e ficou contemplando-a. Já desinteressada na borboleta, brincava.
 
            Lembrou como fora importante a chegada dela em seu lar.
 
            Conhecera Talita quando ambos já não eram jovens. Solteiros, sentiram-se atraídos e, embora, até então, ariscos a relacionamento amoroso que os prendesse, mudaram de opinião e resolveram se casar logo.
 
Foi uma surpresa para os amigos e parentes.
 
            Viveram a paixão. Mas, aos poucos, deixaram sentar a poeira, acalmando-se. Já não havia a mesma vibração do início. Foram-se afastando um do outro e, sem perceberem, o casamento já ia terminando.
 
            Então, surgiu a gravidez. Não fora planejada. Mas aceitaram a ideia. Foi com alegria que viram Taís nascer. Renovou-lhes a vida. Da paixão que morria, nasceu um forte amor, vivido entre os três. Taís foi o elo.
 
Quando a observava no colo da mãe, sugando-lhe os seios e agitando as perninhas, o coração se enternecia.
 
            Menina alegre e sadia, era o orgulho do casal. Esperta, exigia a presença dos pais nos brinquedos. Ambos passaram a aprender brincadeiras, estórias, jogos e cantigas de ninar, para desenvolverem com a criança.
 
            Assim cresceu.
 
            Adorava o pai. Achava-o um super-herói. Apertava-lhe os braços e imaginava quantos bandidos já teria derrotado. Nas fantasias de criança, ele era presença constante. O mocinho que a salvava dos bandidos e espantava as feras que se aproximassem dela.
            Crescia com esta imagem. Nunca o viu chorar. Mesmo por que, pai não chora. O sorriso era diferente. Nunca viu outro pai sorrir tão lindo. Até cantar sabia. Colocava-a nos braços e cantava alegres canções para adormecê-la.
 
            Os amigos sabiam que o pai era um valente. Não cansava de contar as aventuras vividas por eles. Claro que não sabiam que tudo fazia parte da fértil imaginação.
 
            Certa vez, ainda no jardim da infância, quando reunidos para contarem as vivências do final da semana, relatou:
 
            — Domingo, fui com papai ao jardim zoológico. Saímos cedo, pra aproveitar bastante. Visitamos tudo. Cada bicho estranho. Vocês nem fazem ideia. Quando olhava para os elefantes, um saiu do cercado e veio em minha direção. Saí correndo, e ele atrás. Então, papai correu mais rápido, pegou o animal pela trompa, rodou no ar e derrubou no chão.
 
            A criançada em silêncio. Pareciam ver a cena narrada, como num filme. O enorme elefante girando do ar. Era o máximo. Admiravam o pai de Taís, através dos relatos de aventuras. Queriam ter um pai assim corajoso.
 
         Taís sorria, maravilhada.
 
            À medida que foi crescendo, as aventuras também cresciam. Ele a salvava de bandidos ferozes, de índios perigosos, de sequestradores; mergulhava ao fundo do mar, quando levada por tubarões, jogava-se de para-quedas, com ela nos braços, pouco antes de o avião explodir.
 
            Mas um dia, o pai foi vencido. A realidade chocou-a. O pai não foi forte o bastante para sair do carro, quando a jamanta desgovernada veio contra ele.
 
            Foram meses de hospital. O pobre herói à morte. Os médicos fizeram de tudo, mas não conseguiram evitar que entrasse em coma. O corpo esquelético, nem parecia mais o seu querido papai.
 
            Então, quando já não havia mais esperança, decidiram desligar os aparelhos. Mas ele não partiu. Ao contrário, começou a reagir foi-se recuperando.
 
            Taís não se separava dele. Agora, sentia-se a forte. Precisava ajudar, protegê-lo, assim como a protegera.
 
            — Paizinho, vou te cantar uma cantiga de ninar. A mesma que cantavas, quando eu era pequena – disse, colocando-lhe a cabeça sobre as pernas. Cantava e fazia carinho. Quando viu, adormecera.
 
            Assim, com incentivo, alegria e brincadeiras, o pai voltou a sorrir. Dormia tranquilamente, alimentava-se, falava, caminhava, ainda que com ajuda, recuperando-se.
 
            Mas, para Taís, aquele era outro homem. O papai morrera no acidente. Via o homem frágil, trêmulo, inseguro, que precisava de ajuda até para caminhar. Amava-o, mas não era o mesmo. Ganhara outro pai, um pai que precisava dela.
 
            Fez-se valente. Quando o pai olhava, encontrava um sorriso encorajador. Jamais se cansava. Quando precisava dela, estava presente. Nunca chorava.
 
            Na tarde, o sol fora encoberto por grossas nuvens. Escureceu totalmente, como se fosse noite. Um temporal se aproximava. Taís tinha medo de temporal. Antes, seu herói a salvava, segurando-as nos braços, tampando-lhe os ouvidos com as mãos fortes, para que não ouvisse os trovões.
 
            Agora, olhava para o céu, e o coração ficava apertado. Sozinha em casa com o pai, precisava ser forte. Mas o temor era grande. Não poderia deixar que visse o medo em seu rosto, precisava se controlar.
 
            O vento parecia querer derrubar tudo. Sentada ao lado do pai, no sofá da sala, procurava distraí-lo, inventando estórias, contando bobagens, para que risse. Os trovões ensurdecedores. Na escuridão que se formou, somente os raios clareavam. Portas e janelas batiam, a casa era sacudida.
 
            De repente, um clarão seguido de estrondo. Uma árvore é partida ao meio pelo raio e cai perto da casa. O pai solta um grito e projeta-se para a porta, querendo sair. Agarra-se a ele.
 
            — Papai, não foi nada. Senta-te aqui, por favor, fica calmo. Vou te proteger. Olha, já está passando. É apenas uma árvore que caiu. Tudo vai ficar bem. Veja, está clareando. O vento passou. Fica tranquilo.
 
            Falava sem parar. Sentia-se desprotegida, com uma vontade enorme de chorar. O temporal lá fora acalmando-se, mas quem acalmaria seu coração? Quem poria fim ao temporal que lhe atingira a vida, revirando-a? Começou a cantar, com suavidade, deixando as lágrimas rolar.
 
            — Vou ser forte por nós dois, juro! De hoje em diante, não terei medo de nada.  Você me ensinou assim. Vou colocar em prática as lições. Enfrentarei a vida com a força e a coragem que herdei. Pode ter certeza, querido — dizia em pensamento, enquanto cantarolava.





MADAGLOR DE OLIVEIRA
Enviado por MADAGLOR DE OLIVEIRA em 28/05/2013
Código do texto: T4313708
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