MEIO CONTO DE FADAS

A mulher nua fitava o teto com um olhar distante, enquanto o marido a penetrava com algum esforço por causa da barriga: “Ai, vinte anos de casados e tudo o que ele consegue é me fazer sentir dor, se ao menos o infeliz tomasse banho antes” pensava consigo mesma.

O romantismo morrera já no primeiro ano de casados, aos poucos seu marido fora adquirindo aquela imensa barriga e ela própria, após ter parido dois filhos, também não era mais a mesma. Os peitos estavam flácidos, e por mais que não gostasse de admitir, havia pés de galinha no canto dos olhos. Por isso deu graças a Deus quando o cônjuge, depois de ter ejaculado, saiu de cima dela, virou-se para o outro lado da cama e bem depressa começou a roncar.

O quarto estava mergulhado na escuridão; a senhora que agora vestia uma velha camisola, fechou os olhos e quando voltou a abri-los, viu uma pequena luz branca diante de si. O brilho ia paulatinamente aumentando de tamanho até que de súbito, o túnel luminoso que se formara a tragou.

A mulher deixou o modesto quarto de sua residência e agora se encontrava em um amplo salão, onde os convidados estavam ricamente vestidos. Ao fundo, uma orquestra produzia agradáveis valsas, enquanto os convivas dançavam. Ela permanecia imóvel no centro do salão observando tudo maravilhada. ”Nossa! De quem será esta festa”? Nesse momento a música parou e alguém gritou:

— Vejam, nossa estrela chegou; uma salva de palmas, por favor! Todos os convidados fixaram o olhar na direção da dama de camisola e começaram a aplaudi-la freneticamente.

De repente um jovem alto, louro e garboso caminha até ela, toma delicadamente suas mãos e solicita:

— A senhorita me daria o prazer e a honra de me conceder a primeira dança?

— Meu Deus! Você é um perfeito cavalheiro e parece um príncipe, mas eu sou apenas uma rã. O rapaz sorriu e disse:

— Ora, Raquel, pare com isso, o baile é seu. Vamos, deseje.

— Eu não entendo — respondeu a mulher confusa.

— É simples. O que você gostaria de ser neste instante, Raquel?

— Uma linda jovem para dançar com o meu belo príncipe.

A força intensa do desejo fez com que Raquel se transformasse como num passe de mágica. O rosto se tornou liso, sem rugas, os seios firmes, o corpo esguio e formoso. Vestia agora um lindíssimo vestido azul de festa e seu pescoço estava ornado com um precioso colar de diamantes. “Sim, dizia de si para si, estou na berlinda; sou uma estrela; eu vou brilhar nem que seja só por essa noite”.

Raquel ficou surpresa novamente quando a orquestra começou a tocar sua canção preferida, amava Smoke Gets In Your Eyes.

A jovem e seu príncipe deslizavam suavemente pelo salão e logo os demais passaram a acompanhá-los na dança.

Raquel tinha a sensação de estar flutuando nos braços do hábil dançarino e seu coração exultava de júbilo. Não mais se contendo de tanto amor e felicidade, a moça por fim se rende aos encantos do galante cavalheiro e balbucia em seu ouvido:

— Beije-me, meu príncipe.

O rapaz aproxima seus lábios aos de Raquel, mas um grunhido horrendo os afasta. O túnel branco se abre de novo e em fração de segundos, Raquel está de volta ao acanhado quarto.

— Acorda, mulher! Anda, vá preparar o café antes que eu me atrase para o trabalho.

Raquel soltou um prolongado suspiro, foi apenas um sonho afinal. Entretanto, as palavras do príncipe ainda produziam uma forte impressão em seu cérebro, “vamos, deseje”.