O  sorvete


 
 
                        Ele não conseguia se livrar do tédio dos domingos. Passou a odiar os domingos. As horas neste dia teimavam em não passar. É como se o mundo parasse. Parecia que levava três dias para a noite chegar.
                        Num desses domingos, resolveu vasculhar seus diários de adolescente. Todo  primeiro de janeiro, começava um diário. Anotava o que fazia no dia. “Hoje, joguei peteca na praia do Leme”. “Fui ao cinema São Luís, no Largo do Machado, ver Melodia Imortal.” “Tomei sorvete na Praia de Botafogo". Indo ao cinema Trianon, saltei pela primeira vez do bonde em movimento. Caí de bunda no chão, em frente ao Teatro Municipal".
                        As anotações eram desse tipo, nada de importante. Mesmo porque os maus passos ele não anotava. Incursões nos jardins da casa da namorada da época, na calada da noite, não anotava. Ficava só na cabeça...
                        Esses diários não passavam do mês de março. Mas ele achou um, só um, que foi até dezembro. E havia um dia com a anotação "sorvete", mas o tempo apagara o resto da anotação.
                        Aquela lacuna deixou-o nervoso. Tinha que se lembrar. As incursões nos jardins da casa da Therezinha não poderiam ser. Só guardava na mente, nunca no diário.  Inclusive a tabela da menstruação dela, para saber os dias férteis. Acho que foi um japonês que inventou essa tabela ( nossa, como falhava...) Claro, a Therezinha do Chacrinha,  também não era.
                        À noite, já desesperado, vê um programa de televisão onde eram apresentadas as mulheres frutas. Está na moda isso. Antigamente, só se falava em mulher-violão (formato que a mulher fica até os 25 anos) depois, não se cuidando,  ela perde as “curvas da estrada de santos”.
                        Mas de repente, o apresentador mostra uma mulher-pêssego. “Caluda”, “Aleluia”! O nosso amigo se lembrou do que havia feito naquele dia em que seu diário estava em branco.
                        Veio até a imagem da sua namoradinha gordinha (futura diabética). Ele estava sentado num bar da Praia de Botafogo, perto da Casa Sears, tomando um sorvete triplo chamado Peach melba. Um enorme sorvete com um pedaço grande de pêssego. Passou a semana inteira tomando esse sorvete.
                        A gordinha exigira dele que engordasse, para animar o namoro, já que ele era muito magro. Só tinha nariz, o comportado rapaz.
                        A mente da gente é prodigiosa. Acabara o mistério. E, o mais importante,  acabara também o tédio do domingo. Já era noite.


Gdantas