Platonicidade realizada! (EC)

José sempre foi um bom sujeito.

Devidamente entrosado no sistema dado como normal sob o ponto de vida da sociedade vigente, sempre agiu decentemente em todos os setores de sua vida.

Embora não sendo o melhor em nada do que realizou na vida, Zezinho, como era conhecido, saiu-se bem em tudo o que teve como meta realizar. Porém, no seu íntimo carregava uma grande frustração!

Ela sempre foi e apesar dos longos anos passados, continuava sendo o grande amor de sua vida...

A dona Suely... Professorinha risonha, amável, competente e, muito bonita que o cativou, embora muito criança, em seu curso fundamental!

Literalmente ficava hipnotizado, olhos fixos, platonicamente observando a lânguida maneira com que ‘sua musa’ transmitia seus ensinamentos para aquela petizada... Em seu ‘inocente’ pensamento imaginava que quando ‘ficasse grande’ ia namorar e casar com a galante educadora!

Inexorável o tempo passou e com ele carregou a infância, a adolescência e muitos sonhos de Zezinho, dentre os quais, sua musa, sua inspiração, seu platônico amor...

De vez em quando, em medição que o levava aos tempos remotos de sua infância, seu pensamento voltava ao interior daquela sala de aula, onde desfilava todo o seu charme, toda a sua sapiência, todo o seu carinho, todo seu carisma, toda a sua jovialidade e, acima de tudo, todo o seu encanto, a jovem e linda mestra! Zezinho sorria e sempre se indagava:

..... Por onde andará a mestra Suely? Será que mantém toda

aquela formosura daqueles felizes tempos de minha

infância?

Remoendo seus pensamentos, fazia a contas:

..... Eu estava com 9 anos e creio que ela tinha lá seus 19...

Considerando que hoje estou com 26, minha meiga e eterna

mestra está com 36... Daria ‘metade de minha vida’

para vê-la, falar com ela, com coragem dizer o quanto a

queria e a quero bem...

A bem da verdade, Zezinho não era muito feliz em suas incursões amorosas... Foram poucos os relacionamentos que tivera e em quase todos tivera decepções tremendas, sendo a mais traumática o relacionamento que tivera com ‘outra’ Suely, que, pura e simplesmente o abandonou para ter relacionamento com uma amiga comum!

Zezinho até dirigiu-se até o grupo escolar onde havia realizado seus estudos fundamentais e refugou em solicitar informações, receoso de que houvesse algum ‘barramento’ mais intempestivo das pessoas que agora trabalhavam naquela secretaria, negando-lhe qualquer informação acerca de seus antigos mestres.

Alguns amigos daquela época com quem mantinha ainda algum contato, quando indagados de forma velada se tinham noticia de seus antigos mestres, sempre negaram dizendo que não se ligavam muito nas coisas que deixaram no passado...

Zezinho, entretanto, mantinha em seu interior, uma esperança de que ainda teria oportunidade de reencontrar sua ‘adorável professorinha’!

Com o advento das facilidades oferecidas pelo mundo internautico, com a consequente proliferação dos sites de relacionamento, Zezinho que havia adquirido certo know-how nas navegações afeitas às pesquisas e comunicações com pessoas de diversas partes do mundo, de vez em quando adentrava um dos mais requisitados sites e estabelecia comunicação com um grande rol de amigos que conquistara.

E foi em uma dessas ocasiões em que estava enviando e mensagens que sentiu um tremor e uma ansiedade própria das grandes emoções, quando leu em sua caixa de mensagens texto com o seguinte teor: “Prezado José Porto Seguro Gonçalves! Soube de sua presença por aqui através de um nosso amigo em comum e me chamou muita atenção seu nome, haja vista haver lecionado há algum tempo para um garotinho que tinha exatamente este nome. Será que se trata da mesma pessoa? Se possível gostaria que me enviasse alguns detalhes de sua época de estudante do ensino fundamental para verificar se se trata da pessoa que há muito procuro...”!

De imediato, Zezinho começou a elaborar texto detalhado acerca de seus estudos à época do ensino fundamental, não sem demora acima do que normalmente gastava, pois, devido a tremenda emoção de que estava apossado, constantemente tinha de refazer frases e palavras que digitava de forma errada. Enfatizou o período que frequentou, o nome completo e correto do Grupo Escolar e até solicitando informações acerca de alguns de seus mestres, veladamente enfocando com maior ênfase sua inesquecível mestra.

Enviou a mensagem e, angustiado ficava ‘de olho’ em sua caixa de mensagens para verificar se não havia resposta à mensagem enviada. Quase adormeceu em frente ao seu monitor e resposta para a sua ansiedade, nenhuma... Até que tentou ‘cutucar’ encaminhando alguns e-mails para o endereço recebido, porém, tentativa infrutífera! Por mais que remoesse seus pensamentos, não conseguia lembrar-me se havia alguém com o nome Yleus, que foi como assinou o encaminhante da mensagem, nas turmas que frequentou em sua formação fundamental, porém, foi tudo infrutífero...

Ansioso, durante toda semana pesquisava no site de comunicação, dentre seus e-mails e até no sistema de mensagens de seu celular se havia alguma mensagem de retorno àquela comunicação interrompida. Embora com reticência, num repente, resolveu olhar entre os spans que possuía em sua máquina e, exultante e ao mesmo tempo acabrunhado, constatou que lá estava, respondido no mesmo dia em que havia enviado a sua resposta, um e-mail do ‘misterioso’ Yleus...

Sem dar a mínima atenção se havia ou não algum vírus que pudesse infectar seu PC, abriu o tão aguardado e-mail/mensagem onde leu: “Prezado José Porto Seguro Gonçalves! Logo após receber sua resposta, contatei vários antigos alunos da época em que lecionei para turma do curso fundamental e com os quais tenho contato e eles ficaram ouriçados quando lhes contei que havia descoberto o paradeiro do Zezinho... rs... Não sei se recorda, no entanto, mantenho contato com alguns outros mestres da época, que também foram seus professores... Embora esporadicamente mantenho contato com o Prof. Emilio, com o Prof. Radamés, com o Prof. Nabucodonosor, com a Professora Lúcia (aquela que lecionava ciências para a turma masculina e para a feminina), com a Professora Matilde, com a ‘braba’ Inspetora de alunos Dona Judite, com o Professor Nassif e até com nossa Secretária, a Clarice, hoje uma dedicada vovó... rs... Estou contando os minutos para poder vê-lo pessoalmente para constatar como está meu especialíssimo aluno...".

Com sofreguidão, Zezinho parou a leitura do e-mail neste ponto não acreditando naquilo que seus olhos viam e sua mente lia... Decifrou o enigma de quem verdadeiramente lhe estava escrevendo... 'Assinando' os e-mails como Yleus, era na realidade sua 'deusa' e inesquecível mestra Suely, bastando ler de trás para frente!

Seu inesquecível amor platônico queria vê-lo, queria falar com ele...

Bastante trêmulo, cometendo vários erros de digitação, apressadamente redigiu um e-mail respondendo àquele que acabara de ler, reticente no sentido de que, demandado ‘tanto tempo’, sua adorada eterna Mestra não houvesse levado como um desinteresse e não lhe respondesse mais. Ao teclar no enviar, mentalizou positivamente para que nada desse errado, logo agora que havia conseguido uma tênue esperança de ver a musa de, até o momento, sua existência!

Naquela tarde e avançando pela noite adentro, não saiu da frente do seu computador, variando acessos em sua caixa de mensagens e nos spans gerados em esparsos recebimentos...

Com júbilo e extrema emoção, notou quase que simultaneamente ao envio efetuado, o ‘cair’ de uma nova mensagem em sua caixa de entrada, que extremamente ansioso percebeu ser aquele que tão angustiadamente aguardava.

Novamente de maneira sôfrega, teclou duplamente sobre a mensagem enviada, denotando sob seu embevecido olhar os dizeres: ”Querido Zezinho! Fiquei extremamente radiante ao receber sua resposta... Em verdade, relutei em responder, haja vista ter ficado emocionalmente abalada com tudo o que por lá exprimiu... Como pode, não? Uma adulta como eu, lecionando para uma classe repleta de crianças, ter verdadeiras palpitações no coração quando me dirigia a uma delas em especial... Pensei por diversas vezes em tudo abandonar, pois não concebia aquilo que estava acontecendo comigo... Não podia e nem devia ficar alimentando uma querência adulta por uma criança em formação... Tanto no lado de uma querência masculina adulta em relação à feminina criança, quanto no vice-versa, ou seja, querência feminina adulta em relação à masculina criança, denotaria no mínimo pelas leis vigentes nos procedimentos normais de relacionamentos, pedofilia no mais puro grau... A vida, por vezes, nos prega algumas peças para as quais não temos explicação e, infelizmente ou felizmente para mim, veio em forma de um amor que tive de guardar platonicamente durante longos anos... Sufoquei em meu íntimo uma pura querência que tinha por alguém, inadvertidamente nascido em época muito posterior à minha... Guardei-me todos estes anos, sem ter coragem de tentar algum outro relacionamento que sei que nunca teria dado certo... Meus pensamentos, minhas ânsias, meus desejos eram direcionados única e exclusivamente para uma pessoa: VOCÊ! ... Não sem um misto de vergonha e pudor, tomei coragem em enviar-lhe este e-mail, rogando-lhe que me dê uma oportunidade de vê-lo ao menos mais uma vez para, prometo, desaparecer de vez de sua vida! Nem que seja à distância gostaria muito de ver a minha criança Zezinho travestido no adulto Zezinho da época atual. Sei que poderia muito bem solicitar que me encaminhe uma sua foto recente anexada a um e-mail resposta, no entanto, sei que isso não me satisfará, na ânsia que me acompanhou durante todos estes longos anos, de vê-lo, admirá-lo... mesmo platonicamente! Se quiser, puder e não tiver qualquer oposição quanto ao procedimento, gostaria que estivesse amanhã por volta das 20h00 na praça de alimentação do Shopping Amoreux próximo ao Empório do Francês para onde deverei me dirigir e, mesmo a distância poder observá-lo... ”.

O rapaz não podia acreditar no que estava lendo... NUNCA poderia sequer imaginar que tão criança houvesse despertado a atenção de tão bela e prendada moça que era sua Mestra! Às favas a pedofilia, às favas as regras impostas por uma sociedade sem sentimento e sem coração! Uma alegria imensa apoderou-se de seu ser e uma imensa paz, dantes nunca antes sentida aflorou em seu interior como um bálsamo para a sua ferida alma... Vê-la após tanto tempo... Desabrochada como uma autêntica mulher e sob sua vista, agora adulta e sabedor dos sentimentos recíprocos...

Para Zezinho, o tempo decorrido desde que leu pela centésima vez o e-mail ‘declaratório’ recebido até o horário definido por sua ‘diva divina musa’ mestra Suely, pareceu uma eternidade, sendo no momento atual, espera maior do que os dezessete anos passados!

Extremamente ansioso, transpirando sob a intensa excitação que se apoderou de todo o seu ser, chegou ao local definido com uma hora de antecedência, postando-se em uma mesa extremamente visível para quem se postasse em qualquer posição nos arredores.

Quando o relógio denotou as 20h00 estabelecidas para o tão aguardado e inolvidável evento, seus olhares ávidos por uma resposta positiva a todos os anseios guardados por tanto tempo, perscrutavam todas as cercanias em busca de qualquer indicio que denotasse uma presença que decerto não passaria despercebida à sua indefectível sensibilidade romântica...

Eis que, de um local próximo emergiu, sob a égide de uma avassaladora paixão guardada durante toda uma existência, uma figura que lhe soou resplandecente, iluminada... em passos lentos e cadenciados, repercutindo em seu interior, em seu âmago que repercutiu em sua mente como uma mensagem, como um e-mail enviado para uma recepção definitiva: “Olha quem vem vindo para estar ao seu lado, por toda uma eternidade...”.

Este texto faz parte do Exercício Criativo - Olha Quem Vem Vindo

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