PROSA MITOLÓGICA - CONTO 12 - TALOS O GUARDIÃO DE CRETA

A notícia chega aos ouvidos de Minos, governante de Creta. O minotauro está morto, Teseu fugiu da ilha com sua filha Ariadne. O rei cretense fica abismado com o acontecido. Dias depois, mais calmo e ponderado ele analisa a situação de outra forma. A morte do Minotauro há de trazer problemas sérios para Creta. Até então a ilha se firmava como senhora do Mediterrâneo, seus vasos de guerra eram temidos e respeitados. E a existência do monstro nos labirintos do palácio de Cnossos garantia que Creta poderia vencer qualquer batalha contra qualquer povo.

Agora, no entanto, os atenienses haviam derrotado o monstro, fruto da união de sua esposa Pasífae com um touro branco que durante algum tempo aterrorizou os cretenses. Logo Minos, hábil político, e homem de aguçada visão percebe que a derrota do minotauro, é em síntese a derrota da própria Creta. Logo os atenienses vão se insurgir contra o reino cretense, e outros também o farão, insuflados pelos próprios atenienses. Creta, seu povo, seu modo de vida correm perigo.

E isso exige medidas estremas. A primeira é proibir que estrangeiros aportassem na ilha, e a segunda proíbe os cretenses de saírem. Mesmo sabendo o quão impopulares são essas medidas elas se fazem necessárias. Mas há um problema, mesmo a poderosa marinha de Creta não tem como vigiar todos os possíveis locais de desembarque, afinal a ilha não é tão pequena assim. Minos chega à conclusão que Creta precisa de um guardião. E para isso ele entra em contato com Hefestos, o incrível artesão dos deuses.

Um pequeno barco cretense se dirige até a Sicília, onde fica a oficina do deus. Ele desembarca e leva consigo um grande número de serviçais, que carregam ouro, pedras preciosas, vinho e um sem número de iguarias que serão ofertadas ao deus.

- Entre. - diz a imperiosa voz do deus.

- Obrigado grande Hefestos. - responde o rei em tom respeitoso.

- Então, o grande rei de Creta precisa de minha ajuda? Fale mortal, para mim o tempo é escasso, mesmo sendo imortal.

- Que assim seja meu senhor. Venho lhe pedir ajuda. Creta precisa de um guardião, que seja invencível, jamais precise dormir, tenha força física para intimidar até o mais poderoso dos homens e que faça temer aos próprios deuses.

- Um guardião? Hum, e o que me dá em troca Minos?

- Trouxe esses presentes, espero que estejam de seu agrado. Se não estiverem posso providenciar.

Hefestos, manco desde que sua mãe Juno o jogou do alto do Olimpo, se aproxima coxeando das oferendas. Não dá muita importância ao ouro ou pedras preciosas, mas fica encantando com as frutas e vinhos.

- Muito bem rei de Creta, terá seu guardião. Mas precisa me arrumar 30 toneladas de cobre.

- Cobre?

- Sim, cobre.

- Pois o terá em um mês. - E Minos saí da oficina de Hefestos certo que em breve terá seu guardião.

Cerca de 26 dias depois barcos carregados com cobre aportam nas imediações do grande vulcão onde o deus trabalha. Os homens, temerosos, descarregam a carga na praia e imediatamente se lançam de volta ao mar. Logo um exército de homens mecânicos surge e carrega a preciosa carga para dentro da fornalha.

Trinta toneladas de cobre. Sim, o rei de Creta honrou sua palavra. Hefestos sorri, aquela será uma tarefa árdua, mas seu gênio anseia por isso, desafios que homens e deuses não ousam enfrentar. Ele fecha a oficina, não permitirá contato com o mundo externo, ninguém, nem mesmo sua belíssima esposa Afrodite poderá entrar, e nenhum de seus serviçais poderá sair. Minos tem pressa, e o deus vai trabalhar até o limite de suas forças para honrar o seu compromisso.

Os dias passam e Hefestos vai aos poucos criando o guardião. Ele faz um molde gigante, onde o cobre, depois de derretido será colocado para esfriar. Uma vez feita a estrutura o deus trabalha nos detalhes. O poderoso guardião terá uma inteligência um tanto rudimentar, e para isso ele pega o cérebro de um de seus homens mecânicos e o adapta na enorme cabeça. A força física necessária o gigante terá graças as suas próprias proporções. São 18 metros de altura, 32 toneladas de peso, pois além do cobre há os mecanismos incluídos por Hefestos que farão o gigante se movimentar de forma rápida e compassada. O guardião tem uma gigantesca espada, também de bronze, que usará para expulsar eventuais invasores, sua força física há de permitir que lance pedras a grande distância, ficando ele mesmo seguro na costa da ilha e em caso extremo ele poderá aumentar a temperatura de seu corpo e se lançar como uma pedra arremessada indo de encontro aos invasores. De qualquer forma a vitória é garantida, pois jamais homem ou deus viu qualquer coisa semelhante. Uma maravilha da técnica, mais um serviço perfeito do artesão divino.

No entanto um problema se apresenta. Para poder dar vida a sua criatura Hefestos o faz ingerir um pouco de ambrosia e mel, os alimentos dos deuses. Uma vez vivo o guardião e Hefestos se debruça sobre a única falha de seu projeto. Mesmo não tendo sangue ou um sistema sanguíneo fez-se necessário por uma veia humana na perna da criatura. Encravada na altura do calcanhar essa veia pode, se cortada, dar fim à vida da criatura. Não havendo tempo, nem material suficiente para fazer outro guardião o deus idealiza uma poderosa trava que protege a veia. Enfim, nada pode ser perfeito, mesmo para um deus.

Finalizado o projeto o deus se põe no ombro do gigante que criou e ele nada da Sicília para Creta. Uma vez em solo cretense se dirige diretamente para o palácio de Cnossos. Ao ver o espanto causado em todos, o artesão sorri, satisfeito consigo mesmo.

- Aqui está rei de Creta apresento-lhe Talos, o seu guardião. Instrua-o naquilo que deve fazer e sua ilha será protegida. – Dito isso o deus nem espera resposta, simplesmente desaparece da frente de Minos que olha o guardião com um misto de admiração pelo trabalho assombroso do deus e também há temor em seu olhar, pois como todos os homens ou deuses ele nunca viu tamanha obra-prima da engenharia.

- Talos é seu nome? – Minos acredita poder falar com o guardião e para sua surpresa o mesmo responde.

- Sim meu senhor, Talos é meu nome, assim batizado pelo meu criador.

- Pois bem, sabe para que foi construído Talos?

- Meu criador me chamou de guardião de Creta. Creio que deseje isso de mim.

- Sim, quero que vigie a ilha, percorra-a ao menos três vezes por dia. Se avistar navios estrangeiros querendo desembarcar deve impedir isso, e se ver cretenses tentando sair, também não deve permitir. A segurança desta ilha, de seu povo, de sua civilização depende disso. Acha ser capaz disso?

- Meu senhor, com toda certeza posso fazer isso.

E assim o guardião de Creta começou a prestar seus serviços para Minos. Incansável ele percorria toda a costa da ilha, seus olhos conseguiam ver embarcações estrangeiras a distância, assim como daquelas naturais da própria ilha. Algumas semanas depois e ninguém poderia falar que o guardião não cumpria aquilo para o qual foi projetado. Logo nenhuma embarcação não autorizada deixava Creta, nenhuma embarcação estrangeira tinha permissão para desembarque, e ninguém ousava desafiar essas ordens, pois Talos era tido como imbatível. Às vezes em que combateu comprovam isso.

Minos ficou feliz, seu povo poderia viver em paz, sem o risco de uma invasão de atenienses e seus aliados. E assim os anos se passaram.

Anos depois Jasão, filho de Jasão e Alcimede, legítimo herdeiro do trono de Iolco está em uma expedição à procura do Velocino de Ouro. A bordo do navio Argos viajam com o príncipe um grupo de guerreiros, heróis e pessoas dotadas de alguma capacidade acima do normal. A bordo o estoque de água potável está no fim e Creta está em seu caminho. Sem pensar duas vezes o grupo se dirige para a costa cretense, no intuito de reabastecer-se de água e outros víveres que também estavam no fim.

Eles desembarcam, e tão logo começam a se aventurar por uma trilha que os levará até fontes de água ali existentes e são vistos pelo guardião da ilha. Talos aproxima-se correndo, cada passo provoca um tremor de terra e logo ele está diante dos invasores.

- Meu senhor, o rei de Creta, o poderoso Minos decretou que nenhum estrangeiro pode desembarcar na ilha, voltem para seu barco e sumam da costa, ou enfrentem as consequências.

Jasão se aproxima do poderoso guardião e tenta argumentar.

- Poderoso ser meu barco carece de mantimentos, estamos com nossas provisões de água e mantimentos no fim. Nenhum mal faremos a qualquer cretense, vamos pegar apenas o suficiente para seguir viagem e podemos pagar por aquilo que necessitamos.

- Sinto estrangeiro, as ordens de meu senhor são bem definidas, saiam já daqui ou terão de enfrentar minha ira.

Jasão logo percebe que não adianta argumentar com o gigante. O que Talos não sabe é que ele percebeu a trava no calcanhar do gigante, e logo associou aquilo a alguma fraqueza que ele e sua tripulação poderiam se aproveitar.

Talos ergue a poderosa espada e ataca destemido. Os argonautas se espalham na tentativa de atrapalhar o gigante. Afinal ele teria diversos adversários para combater e poderia ficar indeciso a qual dedicar sua atenção. E assim acontece. Distraído por alguns homens que se posicionam a direita dele o gigante não percebe que Jasão tem um plano.

Enquanto combate diversas frentes ao mesmo tempo Talos nem percebe o perigo que corre, pois Jasão, muito sorrateiro consegue abrir a trava e descobre a fraqueza do gigante. Quando percebe o que está acontecendo é tarde demais para o gigante. Um golpe bem dado e a veia que alimenta a centelha de vida de Talos se rompe, o líquido vital que circula pelo corpo do gigante começa a escapar.

Ele ainda tenta atacar os estrangeiros, mas não há mais como. Logo ele cai ao chão, provocando com isso um leve tremor de terra. E sua vida se esvaiu.

Uma vez derrotado o gigante, os argonautas se abastecem dos víveres e da água que precisam e partem no intuito de continuar sua missão. Na praia de Creta jaz o imenso guardião. Derrotado pela inteligência do homem.

Quando a notícia chega aos ouvidos de Minos o rei logo percebe que aquilo marca o início do fim de sua civilização. Creta ainda suportou cerca de um século, e enfim foi vencida e invadida pelos temíveis aqueus, pondo assim fim a maior e mais incrível civilização que até então existia. Logo os atenienses vão superar os cretenses, mas fica marcado para sempre que dois guardiões trabalharam para Minos, o maior dos reis de Creta e ambos foram derrotados pelo homem.