Raça de deuses

A história me veio a cabeça num átimo de pensamento. Eu estava muito impressionado com o revival dos deuses na cultura contemporânea e queria escrever algo nesse sentido. Aquilo era uma afronta aos ditames judaico-cristãos sobre os quais estava alicerçada a nossa cultura. O que só tornava a minha tarefa mais empolgante. Como escritor de fantasia não poderia deixar passar essa oportunidade. Rsrsrsrs. Ajeitei os óculos no rosto e comecei a digitar:

Preâmbulo . Divindade Perdida e Encontrada

Arturian circulava em vôo, pela tangente da Abóbada Celeste esperando pelo chamado do Grande Celestial para iniciar a reunião com os treze guardiões. Como não fora chamado logo, começou a voar mais rápido por entre a tangente da Abóbada tentando verificar sua capacidade direcional em vôo para futuras necessidades. Arturian era o que os antigos chamavam, um deus. Ele provinha de uma raça alienígena que há muito povoara o planeta Terra com híbridos entre os terráqueos, os chamados semi-deuses. Nem ele e nem mesmo o Grande Celestial sabiam exatamente como tinha começado esse povoamento, apesar de seu tempo de vida ser bastante longo, girando em torno dos 1000 anos. Ainda restava-lhe uma eternidade para viver. Perdia-se no tempo as passagens das escrituras que relatavam Eva ter comido da maçã proibida, ou seja, ter copulado com um deles e assim ter começado a raça dos mortais do modo que é hoje. Com o dilúvio todos esses semi-deuses tinham morrido. Agora um novo início teria lugar.

– Arturian – chamou o Grande Celestial por telepatia aparecendo para ele como uma imagem holográfica na sua frente no meio do céu.

– Sim, ó Grande Celestial. Aqui estou.

– Não há tempo para reunir os treze guardiões. Você deve partir para o planeta Terra sozinho e cumprir o combinado. Você será o primeiro.

– Sim, ó Grande Celestial. Irei assim que me for dada permissão.

– Permissão concedida. Que bons agouros o acompanhem.

O tempo era tempestuoso e grandes nuvens negras aproximavam-se de Arturian quando ele partiu para a Terra. Decidido a cumprir a missão o mais rápido possível, foi veloz no seu vôo e chegou à estratosfera em minutos, vindo do espaço sideral. Porém, a sorte não estava do seu lado e vários raios, relâmpagos e trovões estalavam no céu. Ele não dava atenção à fúria da natureza e voava cada vez mais rápido quando um raio o atingiu em cheio, levando-o a inconsciência; caiu do céu como um pássaro ferido numa região desabitada do interior de Minas Gerais. Ele estava em Varginha e a origem da lenda urbana do ET de Varginha tem início a partir desse acontecimento. Digo isso, porque Arturian tinha perdido a memória completamente. O raio tinha lhe tirado toda a lembrança dos acontecimentos passados de sua vida e ele não tinha idéia do que estava fazendo no planeta Terra. Sentia-se como um enjeitado pela existência, não sabia quem era nem o que fazia para viver. Apesar disso tudo, sabia que tinha poderes, que podia criar coisas do nada, como deus que era (e não se lembrava). Criou então, uma criatura para caçar para ele, o que ficou conhecido como o chupa-cabras na região.

Com o passar do tempo, percebeu que podia criar coisas melhores do que um chupa-cabras, ele podia criar dinheiro, um carro, roupas, uma conta bancária, um cartão de crédito, todas essas coisas.

Dirigiu-se para o Rio de Janeiro, uma cidade grande, com inúmeras possibilidades, a fim de descobrir quem era e o que fazia nesse mundo.

Ao chegar lá, como podia criar o que quisesse, instalou-se na cidade como comerciante de antiguidades. Adotou o nome falso de William Lima da Silva. Prosperou por um bom par de anos. E até casou-se com uma humana, uma bibliotecária, de nome Beatriz. Eles tiveram um filho e Arturian, digo William, era feliz, apesar de não se lembrar de seu passado.

Uma noite estava dormindo em seu casarão e teve um sonho. Sonhou que era um deus e que tinha uma missão a cumprir determinada pelo Grande Celestial. Mas a missão era realmente incrível, algo que ele não podia sequer imaginar. Acordou esbaforido, suando frio. Sua esposa acordou também e perguntou-lhe o que tinha acontecido.

– Nada, Beatriz. Não foi nada. Só um sonho ruim. – disse Arturian.

Mas levantou-se naquela madrugada e dirigiu-se ao quarto de seu filho. O rebento dormia calmamente. Ao olhar para o rosto da criança lembrou-se da sua missão. Agora ele sabia o que tinha vindo fazer na Terra.

Pegou papel e caneta e pôs-se a escrever para Beatriz.

“Minha esposa,

Não peço que você entenda os reais motivos da minha partida hoje. Até para mim mesmo, esses motivos são novos. Recuperei minha memória à poucas horas e ainda não processei tudo na minha mente. Porém tenho que dizer que ter um filho com você foi a melhor coisa que pude fazer aqui na Terra. Beatriz, eu sou um deus, eu sei que é difícil para você entender isso, mas enfim, é a verdade. Meu nome é Arturian e não William como você me conhece. Só conto isso agora, porque só agora me veio à mente a recordação desses fatos.

A essa hora, milhões de outros deuses da Abóbada Celeste estão sendo enviados como mensageiros. Logo a Terra estará povoada de híbridos e quando assim for, retomaremos o seu controle. Uma nova era de deuses cultuados pelos homens estará iniciada. E o homem respeitará os ciclos dos deuses como na Antiguidade.

Cuide bem do nosso filho. Ele deve saber do seu pai somente quando atingir a juventude . Aí eu e os outros deuses retornaremos, a fim de que se cumpra a vontade do Grande Celestial.“

No dia seguinte, Arturian já não se encontrava mais no Planeta Terra. Voltara para os seus na Abóbada Celeste. Sua missão estava completada.

FIM.

Quando acabei de digitar, me veio à cabeça que Arturian, assim como os outros deuses, estavam retomando um terreno que era deles em primeiro lugar e que a religião dogmática do Deus único tinha retirado de cena. Tomei um café e me preparei para escrever um romance. Aquele seria um início perfeito para uma aventura em três tomos de duzentas páginas cada um. Infância, Juventude e Maturidade de William Júnior, ou melhor, Arturian Júnior.

Os dias foram se passando com enorme rapidez prá mim e eu não via a hora de retomar os meus escritos. No entanto, quando finalmente estava sentado em frente ao computador, as horas passavam mais rápido ainda. Eu mal conseguia digitar alguns parágrafos e já era hora de voltar aos estudos da escola. Mas mesmo nesses poucos intervalos, eu escrevia. Aqui está o resultado:

Tomo 1 . Infância

Os três primeiros anos de vida de Arturian Junior, ou melhor, William Junior passaram-se sem atropelos. Ele era uma criança alegre e feliz e sua mãe Beatriz era muito cuidadosa e contente com o filho, embora um pouco triste com a partida do esposo. O homem deixara-lhe uma carta muito estranha no quarto da criança. Isso foi tudo que ela teve de William e já tinham passado dois anos. Não que a moça não acreditasse no que dizia a carta, ela fazia força para acreditar, mas, por vezes, duvidava da sanidade mental do seu marido.

O tempo de William ir para escola chegara. Ele já contava com 6 anos de idade e estava no ano da sua alfabetização. Mostrou-se um excelente aluno, tanto que aprender a ler e a escrever não era bem o que dava-lhe sentido para ir à escola. O que mais movimentava a sua cabeça era a análise dos textos, a sua compreensão. E quanto mais complexos, mais o menino saia-se bem.

Logo o garoto foi levado para um teste de QI, onde constatou-se a sua grande inteligência. Fora matriculado, então, num colégio para superdotados. Lá pôde desenvolver todo o seu potencial.

Não raro dava aulas aos próprios professores os quais teriam que instruí-lo, acabavam é aprendendo com o menino. Beatriz era muito orgulhosa do filho e costumava dizer: “Esse é um menino de ouro.”

O garoto perguntara à mãe várias vezes sobre o seu pai. Ao que Beatriz respondia que ele tinha partido, mas não sabia para onde nem porquê. O menino aceitou aquilo como verdade e a partir de certa idade não questionou mais sobre o pai.

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Não me pergunte como fui capaz de escrever duzentas páginas dessa história. Simplesmente enchi o romance com relatos e estórias curiosas sobre as aventuras e desventuras do menino superdotado. Ao fim daquilo tudo, eu já estava enfadado com aquela narração. Sabe como é, as ideias novas sempre são melhores e as ideias antigas quase sempre não empolgam, nós, escritores.

Só fui recuperar o ânimo com a história depois que comecei o Tomo 2. Então, vamos a ele.

Tomo 2 . Juventude

Aqui é que as coisas começaram a se complicar mais para o lado de William Júnior. Porque foi a partir dessa idade, 17, 18 anos que o rapaz começou a experimentar os seus poderes de semideus.

Certo dia, estava jogando futebol com os amigos quando percebeu que, a seu comando mental, a bola vinha na sua direção, levitando. “A bola procura o craque” é o que costuma-se dizer nos meios futebolísticos, mas não era bem essa a questão. A questão é que William Júnior usava de telecinese.

Saber que era capaz de levitar objetos a partir de telecinese não era nada, comparado com saber que o rapaz era capaz de voar. E isso ele descobriu quando estava praticando esporte com o skate na arena da escola. Esperava ansiosamente a sua vez de participar. Quando chegou a sua vez, fazia manobras cada vez mais radicais com o seu skate e todos aplaudiam. De repente numa manobra arriscada perdeu o equilíbrio e parecia que ia cair, até que levitou e literalmente voou por sobre toda a arena.

A partir daí a sua mãe teve que dizer ao rapaz o que tinha acontecido com o seu pai. Contou o que tinha ocorrido numa certa noite e mostrou a carta ao jovem. William Júnior ficou bastante impressionado e perguntou à sua mãe se aquilo fazia dele um semideus? Beatriz confirmou e, diante do fato de que ele tinha certos poderes, aquilo tinha que ser a verdade.

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O Tomo 3 tinha que ser a conclusão fatual do que acontecia com Júnior, ele deveria formar um grupo de semideuses em torno de todo o planeta e tornar-se senhor do mundo junto com os outros. Porém um trágico acontecimento mudou a minha estória. Eu estava terminando de digitar a parte, justamente quando o pai de Júnior voltava para a Terra e estava para vir uma tempestade daquelas. Muitos raios, trovões e já começava a cair água. Foi quando um pico de luz, originário de um raio, como acontecera com Arturian, quando o deus veio para a Terra, pôs tudo a perder. Como eu não tinha instalado o meu estabilizador ainda, o pico de luz queimou meu computador. Eu tinha salvo a minha estória num pen drive e poderia recuperá-la facilmente. Mas aquilo me ensinara uma lição. Uma lição que eu esperava ter aprendido. Vamos ao Tomo 3.

Tomo 3 . A Maturidade

Aos 39 anos de idade, Júnior convivia com os seus poderes da melhor forma que podia. Escondia de todos e de tudo. Porque se a mídia ficasse sabendo daquilo, a sua vida teria tornado-se um inferno, disso ele tinha certeza.

Muita coisa tinha acontecido, ele tinha casado e descasado duas vezes. As suas ex-esposas sempre o largavam quando ele vinha com a história de semideus e de que seu pai era um deus. Ele quase tinha sido internado numa clínica psiquiátrica, uma vez, por uma das suas ex-esposas, por insistir naquela história.

Um belo dia, num ensolarado dia, recebeu um telefonema de uma pessoa que dizia estar em frente a porta do seu apartamento. Uma pessoa que dizia o conhecer de longa data, mas que talvez não fosse reconhecida. A voz não parecia estranha no celular e ele atendeu a porta.

Para sua surpresa a pessoa era uma semideusa que passou a narrar todas as descobertas da sua vida para Júnior, desde que era uma garotinha até a sua maturidade. A moça contava com 36 anos de idade. Tinha estudado com Júnior na mesma escola para superdotados.

A mulher disse também que havia outros como eles e que Júnior seria escolhido como líder deles na empreitada de, simplesmente, “sermos os senhores do Planeta Terra” nas palavras dela. Júnior achou aquilo muito estranho, mas a seguiu até onde estavam os outros semideuses.

Ao chegar lá qual não foi sua surpresa ao ver 20 pessoas com as mãos dadas formando um círculo num galpão abandonado do subúrbio da cidade. Eles diziam que Júnior deveria ficar no centro do círculo, porque tinha sido o primeiro deles. Júnior não gostou muito da ideia mas concordou. Uma grande luz foi se formando e pela janela do galpão via-se um enorme rasgo no céu. A luz emanada dos vinte e de Júnior também destruiu o teto do galpão e de lá surgiu Arturian, seu pai, juntamente com o Grande Celestial.

– Sereis os senhores desse planeta a partir de agora. Meu filho, você será o líder.

– Por que? -- perguntou Júnior.

– Porque assim se concretizará a volta dos deuses do Olimpo ao planeta Terra. – respondeu seu pai.

– Então eu sou o líder?

– Sim, meu filho.

– Então eu ordeno que parem com todo esse plano.

– Por que meu filho?

– Aos seres humanos deve ser dada a decisão do livre arbítrio.

– Os humanos são grotescos. Maldosos, cruéis, covardes e canalhas com seus próprios semelhantes. – retrucou Arturian.

– As pessoas não precisam ser inocentes para serem protegidas. – discordou Júnior.

– Protegidas por quem?

– Protegidas por quem detém o poder de protegê-las. Se nós somos os únicos ou se existe um Deus Todo-Poderoso, isso não importa.

– Mas, Júnior...

Arturian já ia falar de novo, quando o Grande Celestial o interrompeu.

– O seu filho fala com sabedoria, Arturian.

Mas, Grande Celestial..

– Não, Arturian. Ouça o seu filho. Podemos tentar de novo daqui a uma eternidade.

– Está bem.

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Mais 200 páginas e, estava, enfim, completada a aventura.

Tudo acaba bem quando termina bem. Mas peraí, não terminou nada bem. Eu ainda não publiquei meus três livros, não ganhei prêmios, não dei autógrafos, entrevistas, não fui considerado o Nobel da Literatura. Enfim, não fiquei famoso.

Bom, deixa prá lá. Tomara que, pelo menos, o leitor tenha aprendido a lição, porque eu aprendi a minha. Nunca escreva duzentas páginas se pode terminar a sua história em poucas linhas.

Mas ainda havia aquela história sobre vampiros. Sim, seres sobrenaturais, carregados de sombra na própria existência ou na não- existência. Isso daria mais 300 páginas de aventura em três tomos cada um. Ajeitei meus óculos no rosto e comecei a digitar.

Esta estória é dedicada à memória da professora Selma. Professora de Português do Externato João Caetano do Alcântara em São Gonçalo . RJ.

Mauricio Duarte (Divyam Anuragi)
Enviado por Mauricio Duarte (Divyam Anuragi) em 19/02/2014
Reeditado em 19/02/2014
Código do texto: T4697743
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