UM CONTO SOBRE SEXTA FEIRA SANTA

A quase necessidade de meditar, que nos nasce no espírito nas sextas feiras santas, quando há uma certa expiação na alma e a consciência dos nossos pecados são postos à esteira da razão, nos chamando para refletir em nossa condição espiritual e nos ensinamentos daquele que morreu neste dia, com o firme propósito de salvar a humanidade, reafirmar sua doutrina e nos deixar um caminho para chegarmos a Deus e consequentemente, a nossa salvação.

Neste dia de folga em que o pijama reafirma o feriado e permanece no corpo pelo dia afora, acaba sendo perfeito para que as ideias sejam recompostas e nos põe a pensar sobre a vida, o nosso papel no mundo e outras divagações filosóficas.

Depois de vários assaltos à geladeira, das jornadas de relaxamento nos sofás e pelos sites de entretenimento, eu acabei por enveredar pelo sentido da sexta-feira santa com respeitoso interesse e assim abri a porta estreita de minha consciência espiritual, cujos caminhos são sempre imprevisíveis, abortáveis e rasos. Fui tateando aqui e ali, na expectativa de encontrar alguma luz nos meandros dos parcos conhecimentos que disponho sobre o assunto, principalmente sobre a representatividade exata que a morte de Cristo e seu exemplo, tem para mim e para o mundo atual. Tendo isto como objetivo, fui adentrando pelo assunto, com a ajuda inestimável do Google.

Depois de muito pesquisar e caminhar pelo tema e suas incontáveis variantes, acabei por ser bruscamente interrompido pela queda da energia elétrica, nada raro, onde moro, que acabou por deixar a mim e à casa na mais completa escuridão.

Sem alternativas, deitei-me no sofá mais próximo e ali permaneci quieto e solitário como um verdadeiro eremita abrigado pela quietude das montanhas. A falta de luz, fez com que todos os sons da minha rua também sumissem. A escuridão é sempre acompanhada pelo silencio, vivem juntas, são inseparáveis. Pude comprovar isso. Fiquei portanto, ali prostrado, refletindo sobre a data santa, a morte de Cristo, com as várias informações colhidas, ainda quentes, formando redemoinhos na minha cabeça.

A mente desacostumada com o longo período de escuridão, o silencio absoluto, começou a gerar as fantasias e ou alucinações, se quiserem e levou-me a se fixar com grande foco, como num transe, no martírio de Jesus, sua determinação e sua coragem e então introjetei-me nos detalhes do cenário da época como o suplicio da via crucis, as paredes e ruas de pedras sujas, o sofrimento do filho de Deus na cruz, os centuriões cruéis e seus rostos endurecidos, a omissão odiosa dos sacerdotes, os olhos de súplica e terror dos que lhe amavam. Devo ter ficado assim um bom tempo que acabei por dormir e penso que emendei minhas divagações com os sonhos, propriamente ditos.

Tudo estava ainda meio turvo, mas de repente, aquele cenário de dor, não mais existia e eu vi um vulto, parecia um altar, onde o remorso dos homens ardiam numa fogueira quase terminada. Era representado por vultos brancos com rostos medonhos.

Sob a luz do fogo tênue, num átrio de pedra, lá estava eu, sentado olhando aquele quadro dantesco. Foi ai, que vi, que no altar havia um homem, pregado na cruz. Pensei ser eu. Fui tomado pelo medo. Mas não era. O homem pregado à cruz, era mesmo Jesus. Era uma crucificação recente, pois o sangue ainda vertia do seu corpo e estranhamente escorria também pelas minhas mãos.

Alguém assinalou, que eu era o crucificador. Fiquei horrorizado e notei que tinha vestes romanas e um solidéu negro na cabeça, destes utilizados pelos sacerdotes Judeus. Fiquei mais desolado ainda, quando descobri que ele iria morrer e que eu seria apontado como o responsável por sua morte. Assim chorei com remorso e pedi que ele descesse da cruz e que fosse embora comigo, que eu cuidaria de suas feridas, mas ele não me obedeceu.

Serenamente, Jesus sorriu e me consolou. Disse que me perdoava, que me compreendia e me disse também que minha redenção e salvação estaria na minha capacidade de amá-lo mesmo morto e amá-lo estaria na razão direta da minha habilidade de amar o meu semelhante e que eu o procurasse sempre nele, pois somente nele, estaria Jesus e somente no meu amor ao próximo, ele poderia sobreviver.

Feito isto, acordei assustadíssimo e voltei a minha consciência com os defeitos de sempre e bem perturbado com o sonho que acabara de ter. Contudo, haviam as lágrimas! Elas eram verdadeiras! Ao enxuga-las senti-me bem mais humilde, mais solidário e com vontade enorme de ser mais humano, mais piedoso, mais justo. Ainda estava escuro. Mas eu não maldisse a escuridão, como de costume e ao olhar para a vela que me guiava ao quarto, lembrei-me das palavras de Jesus, que nós somos a luz do mundo e que somente pela luz podemos ver a verdade.

Já na cama, rezei com devoção e humildade, pedi perdão pelos meus pecados, rezei também pelos seres humanos e fui dormir com a alma leve e aliviada.

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 18/04/2014
Reeditado em 18/04/2014
Código do texto: T4774069
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