253-ARGOS, O IMPERADOR DE ATLÂNTIDA-Ficção

Por entre a nuvem de fumaça incensatória, que escondia os detalhes do imenso templo de Artleuz, o deus regente dos eventos por vir, a voz do Oráculo se fazia escutar, espalhando-se por entre as gigantescas colunas e ressoando pela abóbada e além. É uma voz feminina, com certeza, profunda e solene, impressionante pelo cuidado em pronunciar com clareza os seus agouros e premonições.

A corte se reunia ao redor do Imperador Argos, na cerimônia anual de consulta ao Oráculo. No primeiro dia da estação das chuvas, marco de um novo período anual, registrado pela passagem de treze luas cheias no céu profundo de Atlan, o Imperador ouvia o Oráculo. As constatações, premonições e adivinhações propostas pela sacerdotisa, intensificadas por conchas espalhadas pelo recinto de forma a intensificar a voz, serviam de orientação para o governo do império no período que se iniciava.

Dentro do recinto, o Imperador e sua comitiva constituíam um grupo numeroso: homens e mulheres trajados ricamente com vestes coloridas, usando capas curtas de tecido dourado. A capa curta era privilégio da nobreza, dos favoritos do Imperador. Sobre trajes ainda mais ricos, bordados com pedras preciosas e fios de ouro, o Imperador e sua mulher usavam capas púrpuras, longas, a se arrastarem pelos ladrilhos.

Fora do templo circular, a multidão aglomerava-se em todas direções. Mais do que as previsões e adivinhações, cujos significados poucos compreendiam ou se atreviam a interpretar, o interesse do povo estava no desfile do Imperador e sua corte, um espetáculo de aparato e solenidade que a todos impressionava.

A pompa e a solenidade da cerimônia impunham um silêncio dentro e fora do templo. Assim, sob um silêncio entrecortado de sussurros e farfalhar de roupas, a voz se fazia ouvir:

Será causa de dor, morte e destruição

Do homem maior a sangrenta mão

Pela morte do menor irmão

O Oráculo falava por metáforas, usando as palavras como peças de um jogo incompreensível. A interpolação de idéias e palavras do enunciado era um complicador, dificultando ou impossibilitando até, a compreensão ou interpretação das falas. Todos, na assembléia, permaneceram imóveis, calados, pois ninguém sabia o significado de palavras tão terríveis. Todos, menos um. O Imperador sentiu um calafrio, uma fincada mental. Sua memória voltou muitos anos atrás, lembrando-lhe de fatos que ele pensou estarem totalmente apagados.

Antes que suas memórias escusas continuassem, a voz do Oráculo prosseguiu:

Com fogo no céu e no chão,

Terror, morte, total destruição,

Finalizarão os dias de usurpação.

Silêncio profundo e sinistro envolvia a multidão, dentro e fora do templo. O Imperador prestou atenção, mas esta fala nada lhe significou. Respirou, a tranqüilidade restabelecida.

Subirão aos montes as águas

As terras e cidades inundadas.

Depois que o fogo passar,

O poder jaz no fundo do mar.

O Imperador respirou, plenamente aliviado de suas preocupações. Esta quadra final era mesmo de total descabimento. O Oráculo estava delirando, falando de um cataclismo, ou coisa parecida. Bobagens, pensou o Imperador.

Argos, o imperador de Atlan, não conseguia dormir. Insone, levantara-se e caminhava pelos corredores, sacadas e alpendres do majestoso palácio. Por mais que tentasse afastar seus pensamentos para outras recordações, as primeiras palavras do Oráculo insistiam em permanecer em sua cabeça, roendo e roendo, como uma ratazana maldita, trazendo à tona lembranças de tempos idos. Como sabe o Oráculo de algo que só ele conhecia? De fatos quase esquecidos mesmo por ele, o principal arquiteto de sua própria ascensão ao trono de Atlan. E, ainda que tendo a certeza da impunidade, devido à sua posição máxima no império, ainda assim as memórias o atormentavam.

Lembrava-se do último dia de vida do pai, o Imperador Angrios, em seu leito de morte. Preocupado em manter o Império indiviso, confirmou, em sua voz débil, perante os poucos escolhidos para assistirem o seu passamento:

— Governem juntos o Império. Não façam divisões. A divisão enfraquece, a união fortalece.

O velho Imperador expirou logo depois, ao entardecer. Os sacerdotes tomaram o corpo e o levaram para o Grande Templo, onde, após a exposição à visitação publica, durante a noite, o corpo seria cremado na Pira Sagrada.

Argos e Argion eram os herdeiros do império de Atlan. O velho imperador Angrios, viúvo há muitos anos, não procurara nova companheira. Restavam apenas os dois filhos. Argos, por ser mais velho e conhecedor dos labirintos do poder, anteviu que seria impossível governar com o irmão, alguns anos mais novo. É impossível governar com Argion. — Um primeiro pensamento atravessou-lhe a mente. — É jovem, irresponsável, nada entende da corte e menos ainda do Império. Não posso dividir o poder com ninguém, pois isso será a divisão do Império.

Tarde da noite, o palácio imperial imerso em sombras, a figura encapuzada caminhou furtiva por entre pilastras, colunas e reentrâncias, chegando, com agilidade incrível e sem ser percebida pelos guardas da mansão imperial, aos aposentos de Argion. O jovem dormia tranqüilamente, mas acordou súbito quando a alta figura assomou-se sobre o leito, o braço erguido e a mão empunhando a espada curta de oficial da guarda. Tentou segurar o braço que descia em sua direção. Em vão. A rapidez do golpe foi fatal. Emitiu um som cavo, baixo, ao sentir a lâmina penetrar-lhe as carnes e atingir o coração.

Argion afrouxou, já sem vida, enquanto a mão forte do vulto mantinha a arma fincada no corpo, aguardando com frieza o extinguir da vida do jovem. O sangue esvaiu-se pela ferida mortal, a rubra mancha se espalhando sobre a mão que empunhava a arma. Sangue morno, que esguichou, marejou e em seguida estancou. Só então a adaga foi retirada do corpo. O vulto limpou mão e arma nas roupas do próprio assassinado.

Do mesmo modo como chegara, esgueirando-se pelas sombras da madrugada, o assassino abandonou o local.

A morte de Argion, por mais misteriosa que tivesse sido, não causou impacto. Foi obliterada pela importante cerimônia fúnebre do Imperador. Argos, assumindo o poder, não deu importância ao fato. O desinteresse pelo assassinato dissimulava um mistério cujo desvendamento não interessava ao novo Imperador.

Nessa ocasião, Atlan era um Império fechado em si mesmo. A ilha principal, circundada por mais de uma centena de ilhas menores, jazia no centro de vasto mar, cujos limites já tinham sido contatados por antigos atlantes, em suas embarcações típicas. A tradição oral dava conta de intrépidos exploradores os quais, partindo do principal porto da ilha, haviam chegado a terras a oeste, a leste e ao norte. Em todas as regiões estabeleceram colônias. Muitas delas evoluíram e tornaram-se, por sua vez, grandes civilizações. Levaram os aventureiros as experiências e conhecimentos da cultura atlântida , acumuladas ao longo dos tempos. Os arquitetos transferiram para as novas terras as técnicas de construção de templos majestosos de colunas perfeitas, palácios amplos e imponentes e impressionantes tumbas sob a forma de pirâmides. Sábios, médicos, astrólogos e sacerdotes espalharam as sementes de novas cidades e novos núcleos de cultura onde aportassem. .

As colônias do leste foram absorvidas ou dominadas pelos guerreiros que vinham da região de Klã, de Xinia e Assudã. Com facilidade expulsaram os atlantes, que não eram um povo de índole guerreira. Uma série de vilas e cidades construídas ao redor de um grande mar interior, na área conhecida por Sar-ara, desapareceu quando um cataclismo transformou o grande lago de Triton num areal imenso, extinguindo toda a espécie de vida. A região desértica nunca mais foi repovoada.

Os estabelecimentos das terras situadas a oeste de Atlan foram abandonados pelos colonizadores, devido ao clima quente, às florestas insalubres e ao pouco interesse que proporcionavam a Atlan. Não obstante, as idéias e conceitos da civilização foram lançados e os habitantes locais, tribos e povos pouco desenvolvidos, também aproveitaram do conhecimento recebido. Quando os atlantes deixaram, espontaneamente, as colônias em terras e ilhas do oeste, cidades, vilas, monumentos e pirâmides já haviam sido construídos em clareiras no meio da mata ou em planícies quentes e desérticas.

Tudo isto era do conhecimento dos sacerdotes, a cuja casta incumbia a manutenção da tradição oral. Eram lendas e histórias maravilhosas que circulavam restritamente entre os próprios guardiões da tradição de Atlan, entre a realeza e os nobres. Muito pouco dessas informações chegavam ao povo, que, entretanto, vivia feliz em sua ignorância de um passado de glória e de realizações.

A escrita e o registro histórico em peças de madeira e de pedra, esculpidas com os sinais de misteriosos, estavam sendo feitos há apenas algumas centenas de períodos de treze luas cheias. Por isso mesmo, os registros se mantinham restritos à história recente e aos registros reais, às orações e às biografias dos últimos imperadores e expoentes da corte.

A ignorância popular quanto ao seu passado era conveniente aos sacerdotes e ao Imperador. O poder temporal do Imperador refletia-se na própria religião, voltada mais para o aspecto materialista. Afirmavam os sacerdotes que a morte era simplesmente uma passagem de um lugar, neste mundo, para outro lugar, em outra ilha do outro lado do mundo, onde a parte invisível de cada pessoa viajava para assumir outro corpo. Portanto, os mortos deviam ser acompanhados do necessário para o restabelecimento de uma nova vida, tal qual a que vivera em Atlan. Alimentos, bebidas, vestuário, bens de uso diário, jóias e até mesmo animais de estimação (previamente sacrificados) eram encerrados com o morto em tumbas imponentes, sob a forma de pirâmides.

A religião, assim ensinada pelos sacerdotes de Artleuz, um deus de presença muito remota, era conveniente ao Imperador. Bastava cumprir o preceito de um enterro rico em provisões para a próxima vida, e tudo se resolvia, de maneira simples e confortável até mesmo para os ímpios ou injustos.

O despotismo e a crueldade de Argos revelaram-se tão logo assumiu o poder de Imperador de Atlan. À sua ânsia pelo poder juntaram-se as preocupações que lhe envenenavam a mente. A força das predições do Oráculo se fazia presente a cada minuto da vida do Imperador. Atormentado, perguntava-se: Saberia alguém de seus passos na noite da morte de Argion, enquanto todos veneravam o falecido imperador? E o que significariam aquelas palavras de morte e destruição, proferidas pelo Oráculo? Estaria se referindo à destruição de Atlan? Isto levaria ao fim de seu reinado. Estaria próximo?

Em suas viagens pelas cidades de Atlan, e pelas outras ilhas mais importantes, Argos visita todos os oráculos. Consulta sacerdotes, astrólogos, videntes e sábios, na procura dissimulada da verdade das previsões temíveis. Por conveniência ou por ignorância, nada lhe é revelado.

Entretanto, na distante ilha de Antils, um jovem se apresenta ao Imperador, dizendo ser capaz de interpretar todas as predições que o preocupavam tanto. É um rapaz do tipo comum entre os habitantes: estatura média, magro, compleições bem feitas, cabelos negros e ainda imberbe.

— Quem é esse que se diz intérprete das falas misteriosas do Oráculo?

— Chama-se Delian, Eminente Imperador. É inculto e vem do interior. Nada sabe sobre as tábuas escritas, jamais saiu de sua vila.

— Um ignorante atrevido. — O Imperador procura esconder sua impaciência em ouvir o rapaz. — Mas vamos ver o que tem a dizer. Se mentir ou tentar me enganar, sua morte já está decretada.

Delian é recebido pelo Imperador. Precavido, recolhe-se com o jovem em seus aposentos particulares.

— Os guardas fiquem à porta. A qualquer chamado meu, atendam rapidamente.

Do jovem Deliam irradia uma empatia muito grande. É simples, traja-se como um camponês, limpo e bem cuidado, causa boa impressão no Imperador. Podia ser meu filho. Mas se souber de algo que não deve saber... Os olhos profundos parecem dois lagos escuros, de onde, a qualquer instante, o Imperador teme, refletirão a verdade.

Delian fala com desembaraço. Não aparenta temer o poder imperial nem a ameaça que paira sobre sua cabeça, se desagradar ao Imperador.

— Vejo coisas em sonhos. Não sei explicar o que são, mas sei que se relacionam com o Imperador e com este local onde vivemos. — Explica, inicialmente, o jovem.

— Vamos, diga o que vê em seus sonhos, que acha tão importante.

Delian descreve a cena noturna do assassinato. Não sabe quem são os personagens do seu sonho, mas a descrição detalhada do palácio e da ação entre os dois homens, não deixa dúvidas ao Imperador. Ele sabe o que aconteceu. De alguma forma, sonha exatamente com aquela fatídica noite.

Em seguida, resolve o enigma do Oráculo, quando falou da destruição, pelo fogo e pelas águas, do terror total e do desaparecimento da ilha, afundando no mar. Descreve com tal realismo a chegada de uma grande lua em chamas, que clareia as noites como se dia fossem, e do calor do sol, incendiando cidades, florestas e campos. Grandes buracos se abrem nos montes, pelos quais uma lama de fogo se escorre, como rio flamejante, tudo destruindo em sua passagem. O encontro do fogo da terra e do céu com as águas do mar provocam um furor nunca visto: ondas imensas varrem o terreno firme, e quando voltam ao mar, levam consigo palácios, templos e pirâmides.

Não suportando o terror que lhe causam as palavras do jovem Delian, Argos o segura pelos braços, balança-o de um lado para o outro, exigindo respostas às suas perguntas:

— Quem é o assassino? Quem foi morto naquela noite?

Delian silencia-se, pois não tem nomes.

— Quando será essa destruição? Vamos, garoto, fale!

Novamente se cala. Não sabe precisar a ocasião,quando acontecerá o que vê em seus sonhos.

Depois de alguns momentos, ainda preso pelas manoplas do Imperador, continua:

— Vi o Imperador correndo de um lado para outro, tentando segurar as colunas com suas mãos. Mas tudo será destruído e arrastado para o mar. Finalmente, o fogo será extinto pela força das ondas gigantescas, que levarão todas as ilhas para o fundo do mar.

Argos se enfurece ante a revelação, ainda que velada, do crime que cometera e da visão do futuro destruidor. Então, eu também serei destruído, com meu Império! Tal constatação deixa o imperador insano. Leva as mãos grandes e úmidas de suor mórbido ao pescoço de Delian, apertando-o num paroxismo fatal. No último instante, porém, libera-o de suas garras. O jovem tomba ao chão, tossindo, sem ar, desfalecendo-se.

— Guardas!

Os dois vigilantes à porta adentram-se ao aposento.

— É um louco! Não merece nem a morte. Cortem-lhe a língua e levem-no para Hadesilia.

O moço sonhador, vidente de coisas passadas e futuras, é enviado para Hadesilia, a ilha onde são recolhidos os loucos, malucos e inimigos do Imperador. Lá são largados à sorte, completamente abandonados. Para sempre, até a morte.

Os escribas e sacerdotes registraram em suas tábuas e pedras o aparecimento da Lua Vermelha. Quem primeiro notou o novo astro rubro foi o mago e astrólogo Martlan, que vivia entregue aos seus estudos no topo do Monte Eblo. A notícia da rápida aproximação do corpo celeste espalhou-se pelas ilhas. Com a apreensão natural suscitada pelo aparecimento do misterioso corpo celeste, começaram as divagações. Muitos da corte imperial lembraram-se das palavras misteriosas proferidas pelo Oráculo no início do reinado do Imperador Argos.

No palácio imperial, Argos via a confirmação das palavras do Oráculo, interpretadas pelo jovem Delian. Os sonhos do maldito garoto estão se tornando realidade. Sentindo-se impotente ante a ameaça de destruição total de seu império, o Imperador entrou em delírios. Mandou escavar em um dos altos montes que se erguiam a oeste da ilha, uma caverna que deveria ser um verdadeiro palácio subterrâneo, onde ele ficaria abrigado durante os terríveis momentos de destruição. Os ajudantes diretos notaram a confusão mental do Imperador, mas nada podiam fazer. Aliás, as atenções estavam todas voltadas para a Lua Vermelha, agora já mencionada como Lua de Fogo.

Estranhos acontecimentos tiveram início: o ar tornou-se extremamente seco. As noites eram iluminadas por riscos de luz, os quais atingiam as ilhas como pequenas pelotas incandescentes. Focos de incêndio surgiam nas florestas. O mar era agitado por repentinas e violentas marés, com ondas gigantescas. Alguns portos foram destruídos.

À medida que o astro se agigantava no céu, dobrando de tamanho em apenas dois períodos lunares, o desespero foi se implantando no povo atlante. O calor do dia era insuportável. As plantações secaram, as florestas incendiadas, o céu foi se escurecendo devido à fumaça. As noites eram totalmente clareadas, num clarão vermelho, pela grande bola de fogo, aproximando-se a cada dia.

Os topos dos montes a oeste da ilha principal estouraram, transformando-se em vulcões, acrescentando mais fumaça no ar já escuro, e deixando derramar, por entre as fendas da rocha, rios de matéria incandescente. A imensa caverna que deveria ser o refúgio do Imperador encheu-se de detritos e suas paredes desabaram. O mar encapelava-se constantemente, às vezes duas, três vezes ao dia.

Um violento tremor de terra percorreu todo o arquipélago, atingindo tanto as ilhas importantes como as ilhotas e rochedos de alto mar. Alguns templos, palácios e construções importantes vieram abaixo. O palácio imperial, sólida construção, sofreu alguns estragos, mas permaneceu de pé, enquanto o rei, nos seus acessos de loucura, abraçava colunas e vigas, na tentativa de mantê-las eretas.

Era uma situação jamais imaginada e nada havia que pudesse ser feito para amenizar o sofrimento ou evitar novas catástrofes. Os habitantes reuniam-se nas praças. Evitavam as casas, os templos e os lugares fechados. Clamavam a Artleuz e outros deuses, maldiziam o Imperador e os governantes, gritavam impropérios e se agitavam. Não eram mais pessoas, indivíduos, mas uma massa humana, disforme, aterrorizada. Vítimas dos desabamentos, muitas pessoas já haviam morrido. Os que haviam perdido seus entes queridos entraram em desespero.

O mar passou a ficar constantemente agitado. As praias, os portos, os rochedos do litoral eram varridos por ondas violentas. Barcos e cais de atracação desapareceram. As terras mais altas sofriam abalos intensos. O calor gerava mais e mais incêndios. Muitos morriam de esgotamento ou asfixiados pela fumaça. Não havia mais um lugar de refrigério nem mesmo água fresca para beber.

As ilhas baixas, ilhotas e partes espraiadas das ilhas maiores foram tomadas pelas águas. Do céu caíam grandes pedras incandescentes. O palácio do Imperador, a estrutura mais forte de todo o Império, começou a rachar nos alicerces. Algumas colunas caíram, arrastando grande extensão paredes e teto.

O povo (ou o que restava da numerosa população da cidade de Atlan) foi reunindo-se na grande praça defronte ao Palácio, lugar elevado, plano, aberto e onde, misteriosamente, caíam poucas pedras deslocadas da imensa Lua de Fogo. Os dias se confundiam com a noite, tamanha era a claridade difundida pela imensa lua, tingindo de vermelho toda a extensão que se podia divisar do alto do montes. Rubro também era o mar noturno, que se levantava em ondas cada vez mais altas, figurando-se como se as águas estivessem em fogo, enormes labaredas incontroláveis.

Não havia mais comunicação entre as ilhas, sequer entre as cidades ou vilas do Império. Mas era sabido que a destruição já percorrera toda a periferia do Império, e restava apenas a ilha principal. Atlan estertorava.

A lua assomava-se no céu, ocupando quase todo o hemisfério norte, e aumentando de tamanho a cada instante. Sua aproximação era visível, como se caindo estivesse da abóbada celeste. O calor era insuportável, tornando incandescentes até mesmo os tecidos, as roupas. Pessoas tombavam ao solo calcinado, desmaiadas ou mortas.

E foi na claridade rubra dos últimos momentos de Atlan que o povaréu, gritando e clamando na extensa praça, viu o Imperador, completamente louco, correndo de uma coluna a outra, tentando segurá-las, num último esforço de manter seu Império.

Então, uma onda gigantesca, infernalmente rubra, ascendendo sobre o mais alto dos montes, de um só golpe, engoliu o que restava da ilha .

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 12 DE NOVEMBRO DE 2003

CONTO # 253 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 25/06/2014
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