VINCENT E A PRISIONEIRA

- Não posso fazer isso! – disse Vincent, olhos esbugalhados de tanto terror. Ele olhava para seu mestre de maneira submissa, sabendo que teria uma dolorosa punição por desobedecer às órdens do soberano comandante do exército inglês, o Capitão Acker Hansel.

- O que disse? – rangeu o Capitão através de seus dentes podres.

- Meu senhor... – Vincent tremia de medo. - ... eu disse que não posso fazer isso...

O Capitão aproximou-se implacável, olhos a fuzilar seu discípulo e a jovem ao lado dele, sua prêsa. Puxou a espada de sua bainha e passou-a pela barriga da moça, fazendo com que seu sangue espirrasse pela cela e causando-lhe uma dor tão intensa, que limitou-se a gemer, morrendo lentamente.

Vincent presenciou o assassinato, estarrecido. O Capitão Hansel limpou a lâmina de sua espada na ponta de sua saia e olhou bem para Vincent.

- Pelo menos enterre o corpo, seu covarde!

O Capitão saiu da cela a passos firmes que ecoaram pelo corredor da masmorra na torre norte do castelo de Hamington. Vincent, ainda estupefato, olhava para o corpo inerte de Ilse, como que partido ao meio, expelindo o resto de sangue a empapar sua túnica, fazendo uma poça ao seu redor. Os olhos dela ainda tinham um brilho significativo, como se o último pensamento de medo ainda estivesse borbulhando em sua cabeça. Vincent sentiu o estômago, acostumado a guerras e sangue, embrulhar, e, sem que pudesse evitar, deu passagem a um vômito repentino, apoiado à parede fria da cela. Se re-erguendo devagar, ganhou forças e fitou mais uma vez aquele rosto alvo e belo.

Ilse havia sido capturada pelo Capitão Hansel e seu exército duas semanas antes. Tinha sido torturada para que confessasse suas práticas pagãs, mas a jovem, inacreditavelmente forte, suportou a dor em sua carne e em seus ossos, sem nada confessar. Depois de duas semanas no martírio, foi julgada e condenada pelo clero e sentenciada à fogueira. Ela seria queimada viva na praça principal do condado, naquela mesma tarde. Vincent, que desde o momento em que a vira pela primeira vez havia sentido uma insuportável piedade pela jovem, tudo fêz para confortá-la durante aqueles dias. Trouxera-lhe alimento e água às escondidas e prometera ajudá-la a fugir. Poucas horas antes do frio assassinato, porém, o Capitão Hansel havia ordenado que Vincent fôsse à cela da masmorra buscar a jovem para cumprir a sua sentença. Vendo que o tempo passava e que seu servo não voltava com a prisioneira, o Capitão decidiu ir até a masmorra ele mesmo, quando verificou a relutância de Vincent em cumprir à sua órdem.

Agora, Vincent se via por demais entristecido. Prometera salvar aquela linda menina, e até acreditara ser ela inocente, só podia ser, pois era tão meiga e cândida, que mais se passava por anjo do céu do que por pagã ou adoradora de Satã. Impotente, sentindo lágrimas silenciosas a escorrer pelo rosto largo, preparou a cova em que a depositaria, e, com a ajuda de alguns soldados, a enrolou em panos quaisquer e a arrastou até seu derradeiro leito, cobrindo-a com a terra. Não havia padre ou reza para uma herege, assim, ele improvisou algumas palavras proferidas a esmo, com uma desesperada e derradeira intenção de encaminhar aquela alma aos céus, ainda que indo contra a determinação da própria igreja.

O sol escondia-se quase por completo atrás das montanhas ao oeste, quando Vincent limpou-se e voltou para o castelo, onde, sabia, encontraria seu comandante e mestre esperando por ele.