O Pestinha do cerrado

''Agosto, é o mês do cachorro louco’’, já dizia meu avô!

O espelho se quebrou, sete anos de azar, maltratou um animal, saci vem castigar.

E numa tardinha seca de agosto, sentado na sua poltrona verde, tomando seu café amargo, vovô Vicente nos chamou para sentar e sossegar o espírito porque já era de noitinha.

- Vou contar uma estória pra vocês, assim vocês ficam bem quietinhas até a hora do jantar.

Seu Tonho, era agricultor da região de Ladário, ele sempre amedrontava seus filhos contando as peraltices do saci. Jonas, o filho mais velho não sem importava muito com os causos contados pelo pai, mas no fundo não se metia a besta por ai de noite, só por precaução.

Era Juca, o filho caçula, que escutava com muita atenção as palavras do pai e se julgava pronto pra enfrentar qualquer assombração.

Rosavânia, mãe dos guris, cuidava o relógio quando a tarde chegava ao fim, primeiro para ajeitar a mesa do jantar para que quando Tonho chegasse do campo estivesse tudo pronto e também porque depois das seis horas não era seguro ficar perambulando por ai. O pessoal do campo acreditava que após o sol se pôr, todas as almas que não descansaram em paz costumavam ficar vagando sem rumo pelo escuro.

Seu Tonho voltava pra casa com as ferramentas de trabalho e de longe perguntou:

- Rosa, cadê Juca?

- Ah preto ele deve estar vindo, Jonas deixou ele lá perto do açude com os meninos.

- Pai, Juca não é besta de ficar enrolando por aqueles lados! Completou Jonas, se preparando para tomar banho.

Tonho esperou mais alguns minutos e nada de Juca voltar, ele calçou as botas para andar no mato e saiu bufando. Tonho embrenhou-se no matagal e ao longe podia ouvir os assovios tristes. Então ele parou de caminhar e atento olhou para todos os lados que nem bicho arisco.

De repente vinha do meio dos arbustos Juca gritando. E quando o menino viu o pai se jogou nos seus braços.

- Pai, o senhor ouviu?

- Onde você estava guri? Eu e sua mãe estávamos preocupados por demais.

- Estava jogando bola com os filhos do Zé e do Beto pra lá do açude. Pai estávamos jogando bola daí ouvimos uns assovios que cada vez se aproximavam. Foi quando o Fernandin falou que podia ser saci, então corremos desembestados.

Os dois voltavam pra casa e andavam depressa porque aqueles assovios que não cessavam e junto daquele som perturbador uma ventania levantava a terra do chão. As mangueiras carregadas de seus frutos sacudiam seus galhos sem parar, logo formou-se uma parede de poeira dificultando a visão, então um sorriso estridente passou pelos dois.

- Saci, saci, é saci! Gritou Tonho protegendo Juca com os braços. Mas a ventania se acalmou, Tonho catou Juca do chão e tratou de correr com o guri no colo para mais rápido chegar em casa.

Rosavânia estava apreensiva no portão esperando os dois.

- Jonas já estava indo atrás de vocês. Disse ela com as mãos na cintura. – Já pra dentro os dois e Juca trata logo de tomar banho, e sossegar.

O menino não conseguira nem dormir e sussurrava:

- Será que foi mesmo saci, Jonas você precisava ter visto, um redemoinho cobriu eu e o pai no meio dos mangueirais.

- Você é que não é mané de descobrir. Vai dormir assombração. Então Jonas virou as costas e dormiu.

Juca passou a madrugada encabulado, pensando, pensando...

Assim que amanheceu, Juca nem esperou o galo cantar, sumiu antes de todos acordarem.

Onde fora Juca?

Tonho e Jonas montaram em seus cavalos e foram procurar o menino sumido. Foram em casa em casa até chegarem na casa de Beto.

- Tonho, uma hora dessas?! Recebeu Beto sorrindo porque já era de almoçar.

- Pois é rapaz, Juca sumiu!

- Eita ferro, ele deve tá brincando por ai.

- Ele sumiu desde cedo...

- Seu Tonho tá procurando Juca?

- Tô sim, Bernardo, você sabe de alguma coisa?

- Então, ontem quando corremos assustados, Juca disse que voltaria lá no campo pra esperar a assombração aparecer...

Seu Tonho agradeceu a informação e o convite para o almoço.

- Eu vou com vocês, disse Beto, mas depois de almoçar. E vocês precisam comer alguma coisa.

Eram quase meio dia, quando os três saíram atrás de Juca.

Os cavalos estavam inquietos, os pássaros pararam de cantar, Beto percebendo o silêncio avisou:

- Está tudo muito tranquilo por aqui, vamos ficar atentos, olho aceso!!

Tonho ia na frente do lado de Beto e Jonas logo atrás fumando seu paieiro. O rapaz segurava seu chapéu, pois o vento começava a assoprar de longe. Jonas prestou atenção no silêncio que se estabeleceu após a rajada de vento, ele não via mais seu pai nem Beto.

- Pai! Chamou o jovem. Ninguém respondeu.

- Jonas! Uma voz doce chamou. – Jonas!

O rapaz ficara encabulado, de quem estava o chamando, não podia ser nenhuma moça que ele conhecia, pois o que ela estaria fazendo sozinha pelos mangueirais. Se ela estivesse em perigo, seu chamado não seria tão sereno.

- Jonas, venha me ver...

A voz se aproximava a cada silêncio que fazia. Jonas arregalou os olhos, deu meia volta e disse:

- Vou não! E cavalgou depressa pelo caminho que veio.

- Ô rapaz onde você estava? Perguntou Tonho brava que só.

- Depois eu conto, vamos caçar Juca.

- Eu estava falando pro seu pai, Juca deve estar escondido, esperando ver assombração.

A Tarde já se despedia, deixando o escuro se espalhar pelos campos. Os três pararam perto do açude onde Juca costumava brincar.

Tonho cabisbaixo, não deixava de pensar no pequeno, Jonas ajudava Beto a preparar uma fogueira.

Mas o vento apagava as chamas que se formavam, e não tinha jeito, a luta era contra o vento.

Uma parede de terra cobriu os três, que protegiam os olhos, o vento que assoprava trazia um redemoinho de folhas e galhos, e junto uma risada triunfante, era o pestinha do cerrado se divertindo com o pavor dos três, rasgando os galhos dos manguezais, levantando a terra branca até o céu.

- Sai pra lá, Saci! Gritava Tonho de olhos fechados.

E o Saci surgiu dos assovios e poeira.

- Suas crianças são danadas e Saci gosta de crianças travessas!

O Diabinho rodava sem parar no meio da ventania.

- Ô peste! Bufava Beto.

- Saci é pior que isso, respondeu Jonas.

- Não, ele não é tão ruim assim Jonas, eu tô falando daqueles guris. Fizeram coisa errada então ele veio castigar.

- O Homem sabe o que diz, sou justo, protejo a natureza contra todo o mal, peguei sua criança usando um elástico para matar os pássaros do cerrado, tentou acertar uma linda rolinha que se banhava nas águas do açude, não permiti, mas vi que ele aprendeu a lição.

- Cadê Juca peste?! Gritava Tonho.

A ventania cessou, e os três abriram os olhos, o redemoinho subira ao céu se espalhando entre as estrelas. Os três admiravam aquele fenômeno muito assustados, foi ai que Juca surgiu chorando arrependido, pois aprendeu que não deve maltratar os bichos da natureza.

Então Juca peste abraçou o pai, que avisou:

- Agora promete que respeitará a natureza, se não já sabe, o Saci vem te buscar!

Os três sorriram contentes, menos Juca peste que soluçava arrependido.

- Pai, o senhor contou essa estória para as meninas? Agora elas não vão dormir direito. Reclamou minha mãe!

Yzzi de Albuquerque

01/07/14

Estórias que o vô Vicente contava.

Claíse Albuquerque
Enviado por Claíse Albuquerque em 09/07/2014
Reeditado em 19/09/2014
Código do texto: T4875115
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