E o vento dissipava-se

E o vento dissipava-se no horizonte, tamanha paisagem era oferecida por aquele cubículo.

‘’Talvez eu deva ser este vento, e como ele, dissipar-me pelas infinitas estradas do meu interior.’’ Pensou Clarice,enquanto olhava pela janela do seu quarto.

Era uma manhã de domingo, no céu algumas nuvens, a temperatura em equilíbrio,tudo indicava um dia tranqüilo e bonito.

Tomou um banho, desceu para tomar seu café. Quando levantou a xícara até a boca,caiu-se em uma introspecção repentina. – Quem me disse que é assim que se prepara um café? Quem me disse que isso é um café? Todos esses anos,foram apenas crenças cegas e comportamentos inquestionáveis. O que estou fazendo com meu projeto de vida?

No mesmo instante caiu-se em lágrimas,como se todos os instantes ,antes já respirados, tivessem perdido todo o sentido,foi uma desconstrução inesperada de todo o seu ser. Clarice passou horas deitada no chão da cozinha,olhando fixamente para um ponto vazio,como num delírio,aquele ponto,para ela,simbolizava o vazio que tornou sua vida. O telefone tocava,o relógio apitava,os carros aceleravam,as pessoas andavam,conseqüências de escolhas vagas do nada.

Num ímpeto,levantou-se e resolveu abrir a porta,o sol ainda brilhava nos céus,e era ele quem lhe chamava a atenção naquele momento perturbador. Sem trancar a porta,seguiu caminhando em direção a estrela gigante,aquele que algum antepassado nomeou de sol . Descalça,com vestido branco,descabelada,com os olhos inchados e o peito desacreditado,andava sem crença,sem lenda,sem existência. Todos da rua a olhavam, os olhos eram projetos de dogmas,vidas não vividas. Mas nada disso a incomodava,na verdade ela nem percebia,só tinha um sentido,o de seguir e se desconstruir a cada passo.

-Menina bonita pra onde é que você vai?

Disse um senhor,com olhar preocupado,ao passar ao lado da moça.

-Vou procurar o meu lindo amor,no fim do horizonte. Disse Clarice, sem deixar de fixar os olhos do sol.

O senhor ficou parado,observando a guria sumir no horizonte,sem entender a razão daquela situação diferente e curiosa.

A moça andava,andava sem sentir o queimado do asfalto,não pensava no porquê daquele ato,não ouvia mais a física,a biologia nem mesmo a filosofia,nada lhe pertencia mais,na verdade nunca pertenceu,foram apenas invenções emprestadas e compartilhadas,nada lhe traduzia,ela antes não vivia,apenas existia de acordo com a melhor teoria.

-Quero apenas ser,sem ter que sofrer,sem ter que chorar,sem ter que entender nem me arrepender.Sem acreditar,nem buscar o porquê. Quero ser o sol,a música sem teoria,os pássaros eufóricos na luz do dia. Não quero ter adjetivos,nem armas para me proteger,sem substantivos,nem trajes para me esconder. Quero sonhar sem analisar e classificar,quero amar sem materializar e nem trocar.

Enquanto dizia essas palavras,Clarice se despia e continuava a caminhada. No caminho surgiu um obstáculo,um precipício dificultava a passagem para o outro lado. Sem identidade e meias verdades,nua de corpo e alma,ela buscou a calma,infinita homeostase,jogou-se gritando:

-Vou perecer pela eternidade,ela sim é minha sanidade!

Flávia Borges
Enviado por Flávia Borges em 03/09/2014
Código do texto: T4947903
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