A Fé Trespassada - Parte II

- O erfel perdeu a fé? – perguntou um arqueiro, assustado. Tinha um olhar suplicante de quem se entregaria se recebesse uma resposta afirmativa.

- Não.

- O senhor mentiu?

- Não existe mentira à sombra da barbárie.

Desceu as escadas e parou diante dos Espadas de Glórienn. Havia dezesseis deles, todos com arcos, lanças e espadas limpos e abençoados. Seus cavalos foram trazidos. Eleandil montou e olhou para seus guerreiros.

- Qual o segundo lema?

- Minha morte é doce perante a eterna vida dos meus irmãos. Que eles vivam para perpetuarem a fé por quem amo e prezo acima de tudo. Que eles vivam para que eu seja lembrado como filho da maior das graças entre tudo o que é considerado divino.

Eleandil colocou o elmo.

- Preparem-se! Eles estão festejando e bebendo agora. Os portões serão abertos e eu quero uma carga cerrada rumo às catapultas. Dois grupos se separaram para dar a volta e causar distração. Os arqueiros começarão os tiros pouco depois.

As ordens eram simples. Assim os clérigos apareceram e os abençoaram, pedindo ótimos golpes, boa proteção e uma boa morte para quem não sobrevivesse. Esperaram até a costumeira baderna dos globinóides começar. Quando os portões se abriram, os cascos dos cavalos bateram na terra, levantaram poeira e os elfos dispararam na direção dos inimigos.

A guarda da frente portava lanças naquele momento. Foi como um triângulo que eles passaram enfiando as armas dos corações dos inimigos. Aqueles que sobreviviam aos primeiros caíam com as gargantas cortadas pelos outros. Logo atrás, as flechas eliminavam os inimigos na lateral, voando como anjos da morte e reduzindo os goblinóides a cadáveres afogando-se em poças de sangue.

O primeiro Espada de Glórienn caiu ao lado de Eleandil. Um hobgoblin gigantesco acertou-o com um martelo de guerra, arrebentando o peito do elfo e jogando-o contra o cavalo de trás. O estalo da caixa torácica se quebrando foi ouvido acima dos bater dos cascos dos cavalos. O sangue que encheu a boca do elfo sufocou o grito de dor.

O corpo se embaralhou nas pernas do animal do companheiro de trás. A criatura relinchou assustada enquanto seus ossos se quebravam e a cabeça do Espada de Glórienn era esmagada por um de seus cascos. Foi um com salto espetacular que o cavaleiro se livrou da queda e caiu com a lâmina elfa enfiada no peito do hobgoblin. Os milagres de guerra da Deusa permitiram que ele matasse três inimigos antes de chamar pelo cavalo do companheiro e montar de novo.

Os elfos das laterais abriam caminho e atiçavam a fúria dos bárbaros, atraindo sua atenção. Matavam a esmo, procurando apenas aumentar o sangue que manchava a terra. Eram quatro de cada lado e três desses elfos tombaram após quatorze mortes quando seus milagres de guerra finalmente se esgotaram.

Eleandil sentia as baixas no coração, podendo contar cada morte através da magia que o ligava aos subordinados.

- Por Glórienn – gritou o elfo a seu lado.

- Pela vida eterna dos Filhos da Graça! – gritou Eleandil.

O elfo que perdera o cavalo e montara há pouco os alcançou. Eles já estavam diante das catapultas. Eleandil arremessou a lança, atravessando a cabeça de um oponente. Sacou a espada rapidamente, enquanto dava a volta com três outros cavaleiros, cortando e gritando.

Outros quatro circularam pelo outro lado. Os três restantes continuaram rumo à catapulta. Guardaram os arcos, desprenderam as lanças dos cavalos e atravessaram a multidão de goblinóides com toda a carga. Caíram um a um na balbúrdia da batalha, chamando em vão por Glórienn. Quebrados por martelos, perfurados por flechas negras ou lanças toscas, tornaram-se corpos profanados por dúvidas e anseios.

O último desses elfos morria quando os grupos circulantes se juntaram no lado oposto e penetraram na defesa da catapulta. Destruíram os inimigos silenciosamente. Eleandial girou o cavalo, afastando os globinóides enquanto chamava pela espada da deusa. A lâmina do elfo brilhava arrancando sangue inimigo sem se manchar. Estava limpa quando parou de matar; tão limpa que poderia ser usada como um espelho. O erfel pressionou o caminho. Viu um dos companheiros tombar com o rosto assustado.

- Depressa! – gritou, assistindo a aproximação do último elfo sobrevivente que participara da distração.

O cavalo de Eleandil foi atingido, empinando para cair sobre um goblin. Eleandil se desvencilhou do animal e levantou-se cortando qualquer inimigo que encontrasse. Quando deu por si, estava ao lado da catapulta já destruída e com a lâmina coberta por sangue.

- Falta uma! – gritou desesperado, vendo quantos de seus homens já estavam mortos. Seis deles ainda estavam montados, todos com as lâminas avermelhadas.

- Abra espaço! – ordenou para um dos guerreiros mais graduados.

O elfo levantou a espada e girou o corpo, chamando por Glórienn. Penetrou na massa de globinóides como um furacão, com a lâmina circulando e matando. O sangue voava enquanto os outros elfos o acompanhavam, eliminando os inimigos agonizantes. Pararam de andar de repente, quando o guerreiro da vanguarda foi engolfado pela maré inimiga. Pedaços do elfo voaram sobre os companheiros que precisaram recuar de volta para a catapulta.

Eleandil olhou surpreso para os amigos ao redor, depois para a espada.

- Ela está suja – disse para si mesmo.

- O que faremos, erfel? – perguntou um guerreiro.

Eleandil não sabia. Sua única resposta seria morrer por Glórienn, mas quando tentava completar em sua mente as palavras do primeiro lema, a gritaria dos inimigos o impedia de raciocinar. Precisava apenas matar e sobreviver.