A pedra de Ridha

Olá, caros leitores, podem dizer algo a respeito deste texto? Obrigado. Críticas são sempre bem-vindas.

A pedra de Ridha

Iérigo é o deus da luz e das inspirações. Habita o silêncio das mais altas montanhas, além dos campos suspensos. Desde sempre fora um grande dominador das palavras, e por esse motivo escreveu os primeiros Aghas, que logo seriam conhecidos como Cartas dos Deuses. Esses primeiros Aghas foram escritos por Iérigo com o objetivo de transmitir mensagens para seu velho amigo Mitro, o oleiro, que vivia aos pés das Altas Montanhas.

Grande parte das cartas a Mitro foram perdidas, restando apenas duas de centenas delas. Essas duas que restaram foram as últimas escritas, e eram de temas curiosos. A primeira delas dizia que ele, Iérigo, havia criado outra forma de escrita, uma mais singela mas misteriosa como as brumas. Com essa nova criação ele poderia descrever tudo que sentia e via e que o angustiava. Era uma escrita delicada.

A segunda carta trazia um pedido.

"Amigo de tudo que há, Mitro, o oleiro: Peço-lhe que me faça um pote de barro e que nele haja uma tampa permanente. Entretanto, antes de o vedar, gostaria que dentro dele fosse depositado uma surpresa de sua escolha. Peço-lhe também que me faça novos potes todos os dias. Iérigo."

Iérigo guardava esses potes em seu próprio aposento, e sempre que queria escrever, tomava um deles em suas mãos e o deixava cair propositadamente. Os cacos de barro se espalhavam e a tal surpresa de Mitro era revelada. Nesse momento, aquilo que primeiro lhe vinha à cabeça, Iérigo escrevia. O deus das inspirações surgiu assim.

Inúmeros potes foram feitos, e todos eles foram quebrados. Seu som ecoava por muito tempo, e todos os outros deuses já o reconhecia.

Certa vez, quando Iérigo foi buscar um novo pote de barro, teve um pequeno diálogo com o velho amigo oleiro.

— Mitro, amigo, o que é tristeza?

— Como posso eu, um simples oleiro, explicar o complexo ao deus da luz? A tristeza é algo grande e ruim, mas não tem forma nem peso.

— Não posso descrevê-la dessa forma. Você a conhece mais?

— Não entre por esse caminho, amigo. A tristeza é um passo sem volta.

— Agradeço. Mas peço a você, Mitro, que me faça um pote como os demais, entretanto, neste eu quero a tristeza dentro.

No dia seguinte Iérigo foi buscar o pote ansioso como nunca havia estado. E ao retornar às Altas Montanhas, não tardou nada em o lançar vigorosamente no chão. Quando os cacos se espalharam, entretanto, o deus da luz fitou os olhos naquilo que havia surgido e não sentiu a tristeza, como imaginou que sentiria. Ao contrário disso, sentiu algo extremamente bom, suave, que não conseguiu definir.

Iérigo, então, estendeu as mãos e tomou a surpresa de Mitro nos braços. Misteriosamente, a surpresa era uma criaturinha diferente de tudo que o deus da luz havia visto e imaginado nos potes. Iérigo acariciou seu rostinho e chamou aquele pequeno ser recolhido de Ridha, o achado. Depois apressou-se em descer as Altas Montanhas novamente.

— Mitro, amigo de tudo que há, esse singelo ser não pode ser a tristeza. Você errou.

— Nada começa com o triste.

— Então você confirma essa criatura como sendo mesmo a tristeza?

— Não. A tristeza não se toma nos braços.

Nesse momento, Iérigo mirou Ridha e o amou.

******

O tempo passou e a criatura cresceu. E com o seu crescimento, um mal lhe sobreveio. A pele de Ridha, de repente, começou a se decompor. E o motivo era a luz. Todas as luzes. Até mesmo o brilho de Iérigo feria Ridha.

E o que o deus da luz poderia fazer? Começou a entender a tristeza nesse momento.

Ridha lhe disse que deveria ser escondido num lugar escuro. Talvez numa caverna, onde a luz fosse barrada desde a entrada. Mas Iérigo repudiou a possibilidade sem hesitar. Disse que faria de tudo para manter Ridha vivo ao seu lado.

Mas não havia como.

— Só o escuro pode me manter. Estou morrendo e não tenho mais tempo.

Sem opção, uma caverna foi aberta imediatamente. E depois que Ridha entrou, uma enorme pedra cobriu a passagem. O lugar ficou conhecido por Túmulo de Ridha. Encontra-se o mais distante das Altas Montanhas.

Antes de a entrada ser coberta, entretanto, Iérigo pediu à deusa das jóias, Maima, uma de suas mais preciosas e perfeitas pedras. A deusa atendeu o pedido e exigiu apenas uma coisa: que ela fosse escolhida por ele como sua mulher. Iérigo aceitou e, então, a pedra foi transferida de mãos.

Mas o que ele faria com a pedra?

Iérigo arrancou seu coração puro e o aprisionou no centro daquela joia. Toda sua glória e esplendor e todos os seus sentimentos em relação a Ridha ele os aprisionou. E a luz que emanava do seu coração, antes tão forte, agora era acalmada pelas camadas da pedra.

Por fim, o deus da luz e das inspirações presenteou seu amado Ridha, o seu filho, com a luz que não o matava.

Hugo LC
Enviado por Hugo LC em 04/01/2015
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