Meninos de rua – o brilho da lua

Uma palha de coqueiro era tudo o que ele tinha. O seu olhar contemplava os escassos raios de luar que se ofereciam preguiçosamente por entre as nuvens. O menino, numa contemplação inquebrantável, se oferecia para o astro. Um sorriso amarelo minava de sua boca projetada. Mesmo com todo o movimento nas proximidades ele permanecia só. Mal piscava seus olhos amendoados, evitando desperdiçar o fraco clarão que insistia em rasgar as nuvens daquele anoitecer.

Na sua frente quebrava com força as águas do mar, formando ondas em balé, num esforço inútil para livra-lo daquele transe transcendental. As espumas estouravam mais fortes rasgando e revirando a areia atlântica. Outras luzes e outros movimentos animalescos brotavam por todos os lados, numa tentativa em vão de quebrarem aquela mais que sublime comunicação.

Ao redor as vozes ecoavam como música. Tudo fazia parte do pano de fundo: o vento nos coqueiros, as palhas de coqueiros caindo e se aninhando a areia escura, as areias que se roçavam reproduzindo um fino maracá, pequenas folhinhas de cor marrom que se desprendiam com gosto de suas árvores mãe e tocavam um vento de mar que cortava a escassa vegetação no meio dos coqueirais. Tudo fazia um meio sentido, um meio som.

Inerte e na sua obra de contemplação, o menino que outrora se transformara em pintor de seu próprio quadro, também se fazia maestro, dando tom àquela noite escura, de poucas estrelas. O brilho da lua lhe fascinava. Dali debaixo conseguia mirar e matar o dragão, fincando-lhe um olhar espada de São Jorge, cravando-lhe o peito e imobilizando o astro. A lua sem o seu dragão protetor agora pertencia submissa ao olhar daquele menino. E ela e ele permaneceram ali parados. O corpo celeste perdera rotação, perdera a translação, envolvido num deslocamento minúsculo de retina. A presa estava vencida e não haveria mil dragões que pudessem liberta-la daquele transe quase que sem fim.

Por mais que ousasse desfechar raios de luar sobre o olhar hipnotizante daquele franzino menino, por mais brilho que emitisse, a lua era uma presa final daquele ser de brilho próprio e magnânimo, não restando outra alternativa senão de se rirem e se adormecerem ali naquele espaço infinito, unindo a carne e o brilho numa união fecunda plasmada no lençol da noite.