Os jardins de Felícia

Felícia já nasceu com sina.

No nome trazia o desfecho e o destino.

Devia ser feliz e pronto. O pai, quando escolheu o nome da menina, nem imaginava a responsabilidade que lhe dava.

Mas, seja por ironia ou por pura falta de compreensão, Felícia ignorava que tinha que ser feliz à custa da certidão de nascimento.

Era feliz quando era feliz e pronto. E não porque o pai resolveu batizar-lhe de Felícia ao invés de Sefisa.

Havia, portanto, dias também de pouca alegria porque é assim a vida dos mortais.

Entretanto, apesar de não fazer jus ao nome em tempo integral, tinha outras características e uma delas era viver a maior parte do tempo em um mundo de fantasia com unicórnios alados tão bem descrito por outra tão fora da casinha quanto ela. E neste mundo, gostava de arrumar.

Arrumar qualquer coisa. Podia ser uma caixa, um sapato velho, um caderno estragado, uma casa bagunçada. Não importava. O que ela gostava mesmo era de ver o “antes e o depois”.

Mas, assim como acontece com a roupa ou a comida, Felícia tinha uma arrumação preferida: gostava de plantas. Nada lhe dava mais prazer que um pedaço de terra para poder plantar.

Os olhos brilhavam, as mãos suavam e o coração saltava em galopes enquanto ela imaginava as flores coloridas que aquele espaço árido e cheio de ervas daninhas teria.

E doida de pedra de vontade de consertar o mundo através de plantas, imaginava pomares, hortas e plantações verdejantes a cobrir tudo o que a vista alcançasse.

Em casa já conheciam suas manias. Quando ela estava atacada, era um tal de arrumar a sala, decorar a varanda, trocar os quadros e é claro, plantar margaridas.

E ela se desdobrava. Era forte, implicante e insistente até que tudo estivesse como queria. A casa ficava linda e ela exausta e digna do nome: feliz.

Quanto aos jardins, eram outra história. Eles não precisavam de arrumação, precisavam de sementes e mudas que trouxessem cor e vida. Para eles, ela se dedicava com tanto ou mais afinco, porém com tanta gentileza e carinho que quem não a conhecia a tomaria como uma verdadeira fada.

Horas no sol, mãos na terra, cheiro de grama e eis as plantas a florescer no fim do dia.

Mas Felícia cometia um erro nesta vida de coisas simples: arrumação vira bagunça com o tempo e jardins um dia também acabam morrendo.

E por não prestar atenção a este simples detalhe, sofria.

Mas era coisa rápida, logo vinham outras arrumações, mais sementes, mudas e flores.

Nenhum jardim dura para sempre, repetia com firmeza, mas enquanto dura... são lindos de morrer!

Edeni Mendes da Rocha
Enviado por Edeni Mendes da Rocha em 04/02/2015
Reeditado em 05/02/2015
Código do texto: T5125676
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