O Regresso ao Lépi

Quando o primeiro vagonete chegou ao Lépi transportava quatro homens vestidos de branco, com capacete, que olhavam para grandes mapas abertos. Ela morava lá com os pais e irmãos e recordava que havia centenas de homens a alisar a terra, a partir pedra para fazer brita, a carregar o material e a assentar, em traves de boa madeira, as linhas do caminho de ferro. Nigerianos, senegaleses, indianos e alguns homens da região trabalhavam neste gigantesco empreendimento que nascera, por concessão ao escocês Robert Williams, em 1902, mas que, só dez anos depois, chegava ali. A vida da população mudara radicalmente e coisas inenarráveis ela pode ver acontecer antes de se tornar usual o trânsito dos comboios de minério do Katanga, o chamado Comboio Belga, O Internacional ou o Comboio Mala. Na altura trabalhavam nos Caminhos de Ferro de Benguela com os carros bóeres transportando os carregadores, andavam a cavalo ou conduziam camelos para levar água e materiais aos lugares inacessíveis do sertão. Entre esta gente toda ela descobriu o homem por quem se apaixonou e de quem teve todos os filhos. Sighili, estava com os engenheiros do vagonete e era um trabalhador alto, magro, de cabelos negros muito lisos. Viera da Índia para fugir a uma condenação e estava disposto a morrer sem lá voltar. Cabia-lhe gerir a tenda dos patrões, fazer as refeições, comprar na localidade frutos, legumes e água potável, tudo coisas que ela vendia antes de se encarregar também da lavagem das roupas. Por palavras nunca se entenderam mas ela amamentava o terceiro filho quando ele foi até ao Luau com os engenheiros e não voltou. Tudo mudara na terra mas os preconceitos acompanharam o crescimento dos filhos que tinham cabelos lisos como o pai e porte altivo. Nenhum outro homem a quis, muitos anos se passaram e ela, sozinha, envelheceu. De mágoa também se morre, se perdem as pessoas no caminho das lendas. Dalimbi, a mulher do negro de cabelo liso, começou por se alhear da vida da comunidade e, logo que os filhos saíram para morar na cidade, retirou-se de todos para viver longe a tristeza. Contam que todas as vezes que a viam ela estava menor, mais magra, mais ausente. Corria todas as carruagens que poderiam trazer-lhe Sighili e regressava, a gemer, seguindo pelos carris até ao lugar onde dormia. Um dia, disse quem viu, o indiano voltou e quando já desistia de a encontrar, percebeu que uma ave cor de terra poisava no seu ombro, em seus olhos se mirava, em seus cabelos brancos se aninhava e cantava, cantava, cantava.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 11/02/2015
Reeditado em 11/02/2015
Código do texto: T5134028
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