Coisas de Colégio

Não sei por que quem é velho gosta de lembrar da infância. Eu não tenho saudade de quando era criança, nem um pouquinho. Tinha algumas coisas boas, isso tinha sim. Quando meus Pais não se xingavam era bom, quando Vovó esquentava a cama pra mim quando eu tinha medo do velho bêbado do saco. O meu Vô que comprava bonecos e me dava sorvete. O cachorrinho Caolho e o lobo Tom Jobim, que chamei o primeiro de Caolho porque não tinha um olho e o segundo porque de quem conheço só eu gosto de Tom Jobim. Disso eu tinha saudade. Mas não tinha saudade de quando mataram o Caolho, de quando deram o Tom Jobim e me disseram que tinha de ser assim. Não tinha saudade de rezar no colégio porque nunca entendi isso direito, quando Vovó faleceu e eu rezei, ninguém respondeu.

Do colégio eu não tinha saudade porque nunca me ensinaram a tocar violão, ser astronauta, policial que é herói, ser piloto e lutador. Eu treinava muito para ser lutador e sempre apanhava. Não tinha fôlego, me chamavam de gordo, não sei se me batiam porque chamavam de gordo ou porque eu não tinha fôlego. Toda a semana eu ia pra casa com um bilhete de advertência por mau comportamento, mas a culpa nunca era minha. Lembro dos meus Pais chorando, não sei se era por causa dos bilhetes ou da lista de material escolar, porque os materiais eram todo o salário deles e os bilhetes toda a vergonha. Não sei o que é pior, ficar sem dinheiro ou ficar com vergonha. Acho que uma coisa dá na outra e vice-versa. Culpa daquelas freiras carniceiras, aliás, meu Pai estava muito triste e brabo porque eu chamei uma freira de carniceira e corri. Mas foi ele quem chamou primeiro, eu escutei do quarto, pelo que me lembro.

Mas agora estou ficando homem e vou ficar magro e fazer esportes, ser bom no futebol e tudo mais. Já fiz 12 anos e daqui a pouco vou ter 13, já vou ir rapidinho pro ensino médio. No apartamento que eu moro, não tenho pátio pra treinar esportes e não posso sair na rua porque é perigoso. Esses dias, meu Pai que ficou em casa por muito e muito tempo triste, brigou comigo porque sujei todo o chão encerado quando pratiquei esportes. Aquele tapa que ele deu na mesa, quando a mesa voo e voo também toda a comida, doeu mais do que se o tapa fosse em mim. E eu continuei gordo, não adiantou nada a comida ter voado.

Ainda me batiam no colégio, dá última vez quebrei meu dente da frente permanente, jogaram meus tênis fora. E eu levei a culpa. No outro dia não queria ir no colégio por nada do mundo, meu pai tinha que ir pra conversar com a freira. Liguei para o colégio de um telefone da rua e disse que tinha uma bomba lá, todo mundo tirou férias e ninguém foi pra aula. A polícia descobriu sei lá como que fui eu. De novo apanhei de todo o mundo.

No outro dia, depois da bomba que eu inventei, cheguei no colégio. Me esperavam do lado da porta, um me deu cadeirada no estômago, outro me derrubou com os pés. Me carregaram pro banheiro, nenhuma freira viu. Pouco antes, quando eu reclamava com medo pra as freiras, diziam que Nem Jesus agradou a todos, que Deus quis que fosse assim. Não entendo deus, porque ele queria que eu tomasse tanta porrada. Pegaram meus cabelos e bateram minha cabeça na pia. Aí tudo ficou escuro e eu me senti bem, fiquei forte. Não sei como saí de lá, mas fui pra casa.

Quando cheguei em casa minha Vovó tinha esquentado toda a cama, tinha o sorvete do meu Vô, eu comia e não continuava gordo. O Caolho balançava o rabo e o lobo Tom Jobim uivava como se cantasse uma música linda que eu nunca tinha ouvido. O Pai não ficava mais triste porque o chão estava encerado e a Mãe almoçou comigo na mesa que voava. Nunca mais apanhei de ninguém porque eu era inteligente, fazia todas as coisas que o colégio mandava e, até deus, que sempre quis que as coisas ficassem daquele jeito, estava sorrindo e era meu Professor. Ele me ensinava a rezar numa língua diferente, dum jeito que eu podia entender.