Maria

M A R I A

A BORRALHEIRA DO AMOR

Ela está viva e feliz, mas nem sempre foi assim. Chegou à capital migrando do sertão. Mulher cheia de carnes, de pele curtida de sol, cabelos negros lisos e brilhantes descendo em cascata sobre os ombros; seu orgulho. Maria nunca foi gorda e muito menos anoréxica, pelo contrario, alta, coxas grossas, braços fortes e cintura torneada. Bonita como a açucena do campo em plena primavera. Maria tem o rosto bem delineado, com traços rígidos, olhos amendoados, nariz de santa com lábios carnudos. Com espírito altivo chegou para vencer. Venceu!

Antes, porém, no sertão com os pais e irmãos, desde os 13 anos de idade trabalhou no eito da enxada de sol a sol. Ganhou força, ganhou coragem, tornou-se destemida. Aos 18 anos concluiu que aquela não era a vida que queria para ela. Com a seiva dos sertanejos muniu-se de ânimo, enfrentou a obstinação dos pais em lavrar a terra e disse adeus ao seu torrão natal.

Depois de todo um dia sacolejando dentro de um ônibus chegou ao Recife. Chegou só e desconhecida, como também sem a ninguém conhecer. Procurou uma pensão barata, pois tinha pouco dinheiro amealhado em anos de trabalho duro. Após duas semanas garimpando emprego, encontrou uma vaga de “baba”.

_Já trabalhou com crianças? Perguntou a futura patroa.

_Já, sim Senhora, lembrando dos irmãos menores que ela ajudara a criar.

Foi admitida com salário e carteira assinada, que maravilha!

Encontrou no quarto que dividia com mais duas babas, uma farda branca, uma touca, um par de sapatos e meias brancas.

_Estou pronta para trabalhar dona... como é mesmo o nome da senhora ?

_Vou dizer uma vez e não quero repetir, ouviu Maria ? Meu nome é Gloria Vasconcelos Albuquerque Mendes Ribeiro.

Era e continua sendo assim, que ela, Dona Gloria, se apresenta às pessoas a quem vê pela primeira vez. Meus parcos conhecimentos insinuam que assim apresentavam-se os membros da família Real. Não consigo distinguir se isto é altivez ou complexo de inferioridade!

Maria tinha mais duas colegas de profissão. Eram três filhos homens. O caçula com dez anos, o do meio com doze e o primogênito com quatorze. Estranho, não? Primeira vez que tenho notícias de um pré-adolescente sendo cuidado por uma baba. Neste mundão de Deus vemos de tudo...

Dona Gloria todas as vezes que ia desfilar sua prole nos shoppings, fazia questão de ser acompanhada pelo seu séquito feminino. Dando polimento no seu estilo de dama opulenta, ia caminhando na frente e a “carreirinha” de filhos e “súditos” atrás, configurando sua posição na sociedade recifense. Quando dirigia admoestações às suas domesticas, falava em tom altivo e arrogante, para deixar bem claro quem era o “capataz” daquele bando. De caráter felpudo de pavão de zoológico, onde os bichos estão trancados em jaulas, dona Gloria tinha por gaiola o mito de uma sociedade esburacada por distorções de personalidade.

Maria aguentou poucas e boas, sempre resguardando seu salário garantido. Em domingos intercalados tinha uma folga que aproveitava para ir à praia em frente ao edifício onde morava e trabalhava. Num desses domingos, usando um biquíni que mostrava a formosura de um corpo esculpido por Deus, conheceu um “gringo”. Homem viajado e quinze anos mais velho que ela, ficou obcecado pela Maria sertaneja, bonita como paz de espírito. Mais que depressa entabulou conversação. No começo Maria teve um pouco de dificuldade para entender. O homem falava atrapalhado com seu forte sotaque de norte-americano. Aos poucos foi conhecendo aquele turista de Chicago, que adorava as praias do nordeste.

Não demorou muito para surgir a paixão e a proposta de casamento.

_Queee? Casamento ? Comigo ? Tá falando sério ?

_Claro! Mi amor. (portunhol)

O cara é dono de uma fast-food famosa e vem ao nordeste fiscalizar seus empreendimentos na região.

É claro que houve o enlace. Coisa simples, em Cartório do bairro de Boa Viagem. Como madrinha ela levou suas duas colegas de trabalho e ele o gerente de uma de suas lojas. Consumado o matrimonio tinham que providenciar uma moradia.

Houve uma atração irresistível desde os primeiros momentos, chegando Mr. Stuart quase a deificá-la. Este amor verdadeiro persiste até os dias atuais.

_Meu amor, onde você quer morar ? O imóvel que você escolher eu compro em seu nome.

_Em qualquer lugar? Perguntou ela, assustada.

_É só você dizer...

_O apartamento vizinho ao que eu trabalhava está à venda, pode ser?

_Claro! Vamos dar uma olhada e fechar o negócio.

O apê era uma maravilha de grande e luxuoso em seu acabamento.

_Meu amor, para equipá-lo, gostaria que você desse uma olhadinho no apartamento de minha antiga patroa, pode ser?

_Vamos lá!

Maria apresentou seu marido a Gloria Vasconcelos Albuquerque Mendes Ribeiro. A casa foi mostrada em seus mínimos detalhes, para orgulho da proprietária.

_Agora eu quero que você mande decorar o nosso apartamento parecido com o de Gloria (não mais dona), só que com tudo melhor e maior. Foram três meses fazendo compras para ataviar aquele ninho de amor. Alguns objetos ele trouxe dos Estados Unidos em seu jatinho particular. O apartamento ficou uma maravilha, digno da mais fina dama de qualquer sociedade.

O sobrinho de Gloria, adolescente cheio da grana e um tremendo gozador, contava para quem quisesse ouvir, do desapontamento da tia invejosa.

_Minha tia ficou possessa quando soube que Maria havia comprado uma TV. LAD de 50’ quando a dela era de plasma de 42’.

Uma determinada ocasião Maria convidou os vizinhos para um jantar em sua casa nova. Foi um verdadeiro deslumbre, sem deixar de ser acachapante para a orgulhosa Gloria.

Maria empregava uma cozinheira, uma arrumadeira e uma baba para seu filho recém nascido. O jantar, depois dos drinques foi servido por garçons contratados para a ocasião. O que mais chamou a atenção de todos foi a maneira como Maria tratava seus auxiliares. Com educação, gentilmente agradecia cada atenção de seu staff.

Depois daquele jantar fascinante, nossa amiga Gloria não aguentou mais viver no mesmo prédio que Maria. Exigiu do seu esposo que comprasse outra moradia bem distante daquele prédio. Mudou-se e nunca mais se encontraram.

Esta estória é verdadeira, com nomes diferentes dos reais e demonstra de maneira inequívoca o que a arrogância pode provocar nas pessoas fúteis. Este nanismo de caráter soe acontecer em pessoas acometidas de soberba, fruto de uma educação distorcida pela opulência, pelo orgulho fátuo, carente de cultura.

Anchieta Antunes

Gravatá – 21/04/11.

Anchieta Antunes
Enviado por Anchieta Antunes em 18/06/2015
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