PRISIONEIRO DO DESTINO

Assim como todos os outros dias, o jovem Kevin acordou querendo respostas para perguntas que ele nem tinha. Buscava uma resposta para aquela grande interrogação, que era sua amarga vida. Os dias ultimamente pareciam tão similares, era como se ele estivesse preso no limbo, em um constante Déjà vu. Porém, no espelho nada se repete, ele revela tudo novo, ou seria tudo mais velho.

Depois de seu desjejum, voltou para o seu úmido quarto, escorregou a mão em seus livros na estante, puxou As flores do mal de Charles Baudelaire e começou a folear suas páginas, leu com fervor os versos negros dos poemas mais doentio de Baudelaire. Assim ele alimentava mais ainda seu humor negro que o dominava ultimamente. Jogou em sua cama o ‘pesado’ livro, olhou para o seu laptop que estava em uma prateleira abaixo da dos livros, suspirou profundamente e o pegou. Ligou o seu computador e entrou no seu site, onde ele escreve seus textos, seus poemas, contos e romances. NENHUMA VISUALIZAÇÃO RECENTE! “Já era de se esperar, não sei por que ainda olho isso.” Falou consigo mesmo o jovem. Todos os dias Kevin fazia aquele ritual, com esperanças de ser lido, de ter suas histórias sendo contadas, todos os dias ele olha aquele site, todos os dias a mesma decepção. Sem mais nada o que fazer saiu de sites em sites, aleatoriamente, lendo uma e outra matéria qualquer. Ele se perguntava constantemente se um dia ele seria libertado ou continuaria preso àquela vida medíocre. No meio de tantas páginas, tantos sites, um chamou a sua atenção, o nome era Livro do Destino. O jovem escritor resolveu clicar e ver qual era a fraude desta vez. Ao clicar, o link o direcionou para uma página em branco, sem imagens, sem anúncio, ele pensou que o link estava quebrado. Quando já estava pronto para sair da página, eis que surge algumas letras, elas viam de todos os lados, caiam como gotas, eram encaixadas como tijolos e estavam formando palavras em uma frase: O PRISIONEIRO CONQUISTARÁ A LIBERDADE.

Com os olhos vidrados na tela de seu laptop, Kevin não parava de repetir a frase que acabara de ler. “O prisioneiro conquistará a liberdade?! Se eu acreditasse nessas coisas eu iria dizer que isso é uma mensagem pra mim.” Pensou ele. Em seguida balançou a cabeça, removeu seus óculos do rosto e rindo complementou: “Que idiotice.” Levantou repentinamente de sua cadeira, seu rosto enrijeceu e com serenidade começou a falar: “Claro! Tudo isso é uma grande idiotice, estou só perdendo o meu tempo com isso, passando horas e horas escrevendo, enquanto o sol nasce e morre diariamente, enquanto lindas luas aparecem durante a noite. Quantas luas maravilhosas já surgiram e eu as perdi!? Conto histórias, crio vidas e deixo a minha própria vida esvair-se. E para quê? Para essas histórias nem serem apreciadas, e ninguém nem sequer dá uma simples olhadela? Olho no espelho e vejo o envelhecer todo santo dia e as mais lindas aventuras que contei, nenhuma foi vivida realmente por mim. Agora esta frase fica clara pra mim, sendo coincidência ou não. Já consigo interpreta-la, vou conquistar a minha liberdade, vou sair desta prisão, vou parar de criar histórias e viver realmente meus sonhos. É isso, já está decidido.”

Assim como foi dito foi feito, Kevin parou de escrever, mas não conseguiu parar de fantasiar. Vez ou outra aparecia uma história em sua mente, algo pedindo para ser contado, para ser escrito, mas ele o negava, tinha instantes de delírio com essas fantasias, essas histórias, mas logo retomava ao estado normal, lutava para esquece-las. Na vida dele não tinha mais poesias, contos ou romances, não os deles. Tentava até afastar-se de seus autores preferidos para que não descem vontade de escrever novamente, mas disso ele não conseguia se afastar por completo. As vezes permitia-se algumas horas de Dostoievski, Dante, Umberto Eco e seus demais amigos. Entregou-se aos prazeres da vida, perdeu sua virgindade que tanto guardara para a perfeita mulher que um dia apareceria, assim como seus sonhos. Nunca pensou que perderia logo com duas mulheres, completamente bêbado à beira de uma linda cachoeira. Se arrependeu no dia seguinte pois as duas “piranhas” levou todo seu dinheiro e seu celular, para sua tristeza. Teve sua primeira briga no bar central de sua cidade, levou uma tremenda surra por chamar um cara que nem conhecia de estupido “bombado” sem cérebro. Kevin nem si lembra disso, estava completamente dominado pela bebida sagrada de baco. Viajou para o exterior com uma galera de seu ciclo social, se perdeu deles por lá, foi roubado mais uma vez, passou fome e frio e acabou voltando pra casa e sua turma nem percebeu que ele tinha sumido. Acordou em sua casa um dia e através do espelho encontrou seus primeiros fios de cabelo branco. Tanto tempo já se passaram e ele ainda via as fantasias, ainda delirava, algo na sua mente clamava, implorava pra ele escrever e ele simplesmente o ignorava. Para ele o que só importava era que agora ele estava vivendo, era uma vida um tanto louca mais era dele.

Era uma noite fria e chuvosa, não se ouvia o barulho de nada, a não ser da gloriosa chuva. Ele resolveu ir pra cama mais cedo, algo o afligia, ele estava mais inquieto do que o normal. Estava demorando muito para o sono aparecer quando escutou um forte barulho vindo da sala. “Será que finalmente esse apartamento resolveu cair aos pedaços, ou será que tem algum ladrão? Oh meu Deus será mais um ladrão!? Não é possível!” Pensou ele, enquanto se dirigia até a sala. Kevin morava em um pequeno apartamento cedido pelos seus pais, ficava próximo ao mar, estava muito desgastado pela maresia. Quando o ganhou ficou de fazer uma reforma nele, mas nunca a realizou. As paredes eram pintadas de um branco já desbotado, tinha fungos entre as colunas das paredes, ele tinha pouca mobília, não gostava de extravagância. O lugar era simples, mas depois que ele parou de escrever percebeu o quanto aquele cantinho era perfeito para ele, era simplesmente uma dádiva morar próximo aos domínios do Deus Posseidon, não tinha um dia que ele não o admirava, fazia questão de assistir cada pôr do sol, o espetáculo que ele passou amar pelo resto de sua vida.

Voltamos então ao barulho na sala. Kevin procurou algo para se defender do possível ladrão, encontrou apenas um mata-moscas, acendeu a luz da sala e deu de cara com o nada. A sala estava do mesmo jeito que ele a deixou antes de ir dormir. Resolveu olhar direito, deu um giro de trezentos e sessenta graus vasculhando toda a sala, e nada. Aproveitou a situação e já que não estava dormindo direito foi para a cozinha preparar um leite morno. Era assim que sua mãe fazia quando ele tinha insônia. Aos poucos, ele tomava seu leite morno, quando escutou mais um barulho dessa vez vinha de seu quarto. Com o copo na mão e um bigode branco no rosto se dirigiu rapidamente para seu quarto, abriu a porta e o seu copo foi ao chão com o susto que tomou ao ver uma misteriosa figura em sua frente folheando seus livros.

“Belos títulos tens aqui meu senhor.” Disse o estranho com uma voz melódica que fazia ecos no quarto.

“Quem é você? Olhe, eu não tenho nada de valor para ser roubado.”

Ele ficou um instante imóvel, ao avistar aquele sujeito estranho, que vestia uma capa marrom, seu rosto era coberto pelo capuz da capa e envolto de uma sombra que era quase impossível de se enxergar. Os pés dessa criatura mística pareciam nem tocar o chão, era como se flutuassem. Mesmo com medo foi se aproximando da criatura, e cada vez que ficava mais próximo sentia uma energia mística saído dela.

“Não sou ladrão meu senhor, nem vou machuca-lo. Aproxime-se, não tenhas medo.”

“O que você é? Você é a morte? Você é real e veio me buscar? Kevin estava completamente atordoado, seu coração parecia que iria sair pela boca, já sentia na seca garganta o seu pulsar. Sentou-se na cama com seus olhos ainda fixo na criatura. Por sua vez ela resolveu se aproximar, deixando Kevin mais apavorado.

“Hora, meu senhor, não tenho tal poder” Disse com um tom de riso, o estranho visitante e prosseguiu. “Não faço parte dos perpétuos. E nem trabalho para a dama da morte. Minha função é outra, porém de suma importância. ”

“Então diga logo quem é você e o que quer de mim. ” Kevin aos poucos estava se habituando com a criatura, mas suas desconfianças não diminuíam. “Vamos diga de uma vez! ”

“Sou o guardião das páginas do destino, cuido para que elas sejam escritas e as protejo. ” Disse isso foleando On the road, uns dos livros de Kevin.

“Guardião das páginas do destino? E isso existe? Que papo é esse? Acho que eu estou ficando louco e eu nem estou bêbado. ” Kevin passa as mãos pelo cabelo, num ato de perturbação, tudo está cada vez mais estranho para ele.

“Isso, mesmo meu senhor, eu sou o guardião das páginas do mais importante livro do mundo. ”

“Então você veio procurá-lo no lugar errado, eu não tenho tal livro e nunca ouvi falar sobre ele em minha vida. Mas se for alguns desse aí pode levar. Leve-os, todos eles, mas por favor me deixe em paz. ”

O guardião soltou o livro que segurava, colocou seu leve braço no ombro de Kevin o encarou e começou a falar. “Não, não é nenhuma dessas vidas já realizadas. Eu sou guardião das páginas que estão agora sendo escritas e que ainda virão a ser.”

Kevin viu aqueles olhos de serpente flamejante, o rosto de pele escura e áspera, ele pode sentir aquele hálito quente saindo da boca do guardião. E assim, encarando-o ele teve a confirmação de que o guardião não era humano. Ele se perguntava de que mundo tal espécie surgira. Kevin se levanta, passa a mão várias vezes em seu acabelo perto da nunca em um ritmo apressado e repetitivo. Anda para um lado e para o outro em seu quarto, suspira, pensa alguns segundos e fala para o guardião. “Quanto mais você fala, menos eu entendo. Você está falando das páginas do livro do destino, pelo que eu entendi, um livro que está sendo escrito agora. Então, quem é o escritor? Quem é o destino?”

“Shakespeare, Keroac, Agatha Christie, Paulo Coelho, Dan Brow, Você e tantos outros escritores espalhados pelo mundo.”

“Espere um pouco, mas esses são escritores normais. E eu escutei bem você falou que eu também faço parte? Mas eu deixei de escrever a anos.” Quanto mais Kevin ouvia o guardião falar, mais parecia que tudo era uma grande loucura e que assim como tudo aconteceu, logo-logo iria acabar.

“Escutasses bem meu senhor, tu eis um dos que traçam as linhas do destino. E minha missão aqui é fazer com que voltes a escrever, várias histórias, várias vidas estão só esperando as tuas palavras para que elas possam existir.”

“Não é possível! Não entendo, como?” De que maneira?”

“Vós, os escritores, nasceram com esse dom, com essa necessidade de criar, contar histórias. Isso, por uma causa, suas histórias são reais em algum momento do universo. Vocês não escrevem só para os outros simplesmente lerem, vocês escrevem as páginas do grande livro do destino de cada pessoa desse mundo.”

“Você está me dizendo que as histórias que criei tornam-se verdadeira e do mesmo jeito que eu criei? E que do mesmo modo todos aqueles romances que estão ali na estante aconteceram de verdade? Que nós escritores escrevemos o destino de cada ser humano?” Kevin estava começando a entender o guardião e sentia o peso da loucura de ser o próprio destino. “Então me diga nesse exato momento tem alguém escrevendo sobre mim, sobre o que estamos fazendo aqui, sobre o que eu vou fazer? Então assim também minhas atitudes não são minhas? Já estão preestabelecidas? Então eu não sou o destino, nem faço parte dele, o escritor que está escrevendo a minha vida quem é.”

“Tu estais quase entendendo, porém não completamente. Sim, existe um escritor que te criou, assim como existiu um que o criou também. Escritores traçam os destinos e também criam outros escritores que ajudam também a traçar outros destinos. Mas existe sempre algo que fica oculto nos livros, momentos que não são escritos detalhadamente, são só comentados, esses momentos são as autonomias dos personagens, as próprias decisões deles. Venha, vamos fazer uma pequena viagem, assim entenderá melhor. Acompanhe-me por favor meu senhor.” O guardião levantou-se da cama e foi em direção a porta do quarto, Kevin o seguiu. O guardião abriu a porta e do outro lado não era mais a sua casa. Era o lado de fora de outra cidade. Casas pequenas, uma colada na outra, a estrada era feita de paralelepípedos. Eles passaram flutuando por cima de uma ponte que atravessava um rio que quase não tinha água, suas pedras estavam nuas, a amostra. Pararam em uma linda praça cujo no centro tinha um obelisco. Kevin já começava a reconhecer aquele lugar. “Espere um pouco, este é o cenário de um dos meus romances. O que estamos fazendo aqui?”

“Isto mesmo meu senhor, este é o interior que criaste. Vamos ver como está vivendo um de seus personagens, uma de suas criações.” Eles pararam de flutuar e desceram, o guardião foi andando em direção a uma linda mulher que estava na praça brincando com sua linda filhinha de dois anos de idade. A linda mulher tinha os cabelos pretos, caracolados e uma linda franja, sua pele era bronzeada, caramelada. O guardião pediu para Kevin se aproximar e falou: “Olhe meu senhor essa é Clara Lembras dela?”

“Claro que lembro, essa foi uma das minhas personagens favoritas. Minha nossa como ela é linda! Mas espere um pouco, no livro ela não tem filhos e o amor da vida dela morre, O Gabriel.”

“Isso mesmo meu senhor. Ela nunca esqueceu o Gabriel, até hoje sonha com ele, mas a vida continua e ela seguiu em frente e construiu sua família, foram suas próprias escolhas. Mas ela sempre vai ter a personalidade que tu determinaste e vai sempre levar consigo essa marca desse amor, que agora é impossível. Isso é o seu trabalho meu senhor, traçar caminhos, mas são eles que os percorrem sozinhos.”

Kevin olha com admiração para Clara, ele ficou encantado por ela, assim como um artista fica com seus quadros. Nesse momento Kevin se sentiu como um Deus, ele criou aquela vida e era uma das mais maravilhosa desse mundo. “Mas essa linda menina e o pai dela? Eu não os criei, eu não escrevi nada sobre eles.”

“De certa forma os criou sim. Quando escrevestes sobre essa cidade criaste todos os seus habitantes e suas personalidades. Porém, com mais liberdade de escolha, mas todos são influenciados pelos atos dos personagens principais que vós criastes. Ou seja, a morte de Gabriel e a maldade da Julia influenciou tantos outros habitantes dessa cidade. Tudo, para sempre, estará ligado aos atos que escrevestes.”

“A entendi, nós não precisamos criar todo mundo, mas aqueles que criamos também mexe com os destinos de outros.”

“Sim meu senhor, não precisa mover todas as peças do xadrez para alcançar o xeque-mate, apenas as peças certas. Por isso que tens que voltar a escrever, não importa se não alcançaste o sucesso e o mundo não sabe que o meu senhor existe. O seu trabalho vai além disso, Tu eis responsável pelo o equilíbrio do mundo, muitas vidas vieram e ainda irão vir de suas escritas. Então escreva e crie mais universos.”

Kevin ouviu com atenção todas as palavras do guardião. Ele ficou honrado por ser uma espécie de criador de vidas, do destino delas, mas também ficou preocupado com a grande responsabilidade que isso se tornara agora que ele sabia de tudo. O guardião o levou de volta para sua casa, assim como eles chegaram lá na praça, flutuando. Mas no meio do caminho algo de errado acontece, o guardião simplesmente desaparece e Kevin cai bruscamente, ele fica desesperado, está caindo cada vez mais rápido. Grita já sem voz para que o guardião apareça e o segure. “Guardiãaaaao, onde está vocêeeeee?” Quando já estava próximo ao chão ele acorda jogando seu corpo na cama, que abala com o pesado movimento.

“Que sonho mais maluco.” Diz Kevin ainda acordando. Senta na beirada de sua cama, pensativo. Se levanta lentamente, calça seu chinelo, vai em direção a prateleira embaixo da dos livros, apanha seu laptop, ele abre uma página em branco no word, pensa por alguns minutos e depois de anos, ele começa a escrever mais uma vez uma nova história, novas vidas, mais linhas do grande livro do destino.

Daniel Vitor de Almeida
Enviado por Daniel Vitor de Almeida em 14/07/2015
Reeditado em 14/07/2015
Código do texto: T5310601
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.